O objetivo do Governo era que a Tarifa Social de Internet entrasse em vigor a 1 de julho, dando a mais de 700 mil famílias a possibilidade de contratarem serviços de banda larga a preços mais acessíveis, com um desconto semelhante ao que existe para a eletricidade. O processo legislativo acabou por ser mais longo do que previsto e o diploma esteve sob reserva de redação depois da aprovação do Conselho de Ministros a 24 de junho, sem que fossem conhecidos todos os detalhes, e só hoje foi publicado em Diário da República.
O valor a pagar não estava definido, mas tinha sido apontado para 5 euros por mês para 10 GB. E agora continua a não estar claro, ficando dependente de uma portaria que ainda terá de ser publicada por um "membro do Governo responsável pela área da transição digital" depois de uma proposta da Anacom.
Também não é claro quando é que a nova tarifa social poderá ser aplicada, porque embora o diploma entre em vigor amanhã há ainda passos adicionais a cumprir e refere-se no texto do Decreto Lei que "o valor da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga é fixado por portaria do membro do Governo responsável pela área da transição digital, para produzir efeitos no dia 1 de janeiro do ano seguinte e é precedida de proposta fundamentada e não vinculativa da ANACOM, até ao dia 20 de setembro de cada ano."
Em resposta ao SAPO TEK, fonte da secretaria de Estado da Transição Digital refere que o Decreto Lei tem um regime transitório no artigo 14º que se aplica a este ano, de 2021, de forma a que a Tarifa Social seja disponibilizada assim que possível. A ideia é não ter de esperar por janeiro, embora a ANACOM tenha 60 dias para se pronunciar, seguindo-se uma portaria final do lado do Governo a efetivar a medida.
André de Aragão Azevedo, secretário de Estado da Transição Digital, já garantiu ao SAPO TEK que o objetivo é ter a Tarifa Social ativa antes do final do ano, esclarecendo que o modelo de definir os princípios gerais no Decreto Lei e deixar as normas técnicas para a portaria foi propositado para ter mais flexibilidade na atualização de preços e condições.
Contactada pelo SAPO TEK, a APRITEL, a associação de operadores de telecomunicações que tem centralizado a resposta das empresas nesta área sublinha os benefícios de uma política social que visa garantir um acesso adequado à Internet de banda larga a todos os cidadãos. Mas Pedro Mota Soares avisa que "o financiamento desta política deve ser assegurado por fundos públicos e já transmitimos esta posição ao Governo".
O secretário geral da associação diz ainda que "é prematuro fazer uma avaliação mais profunda, uma vez que não são conhecidas características fundamentais desta medida, nem a sua articulação com outras políticas tão ou mais importantes para combater aquele risco, como sejam políticas de promoção da literacia digital e de subsidiação de equipamentos terminais, dois dos principais fatores que condicionam a penetração do serviço de acesso à internet em Portugal".
Em relação à definição da largura de banda e especificações técnicas da Tarifa Social de Internet, a definição do conceito de encargos excessivos, a proposta do valor da tarifa social e a definição dos seus termos e condições, Pedro Mota Soares lembra que isso cabe à Anacom mas alerta para "a importância fundamental de todas estas propostas serem precedidas de consultas públicas que permitam a pronúncia de todos os interessados, o que requer uma atuação rápida do regulador atento o calendário definido (apresentação de proposta para 2021 ao Governo até final de setembro)".
Um benefício potencial para 700 mil famílias que vão pagar menos pela Internet fixa e móvel
A Tarifa Social de Internet é uma das iniciativas bandeira do Governo e integra o Plano de Ação para a Transição Digital. O objetivo é dar acesso ao serviço de internet a um preço acessível, massificando a utilização mesmo entre os utilizadores com menores rendimentos, à semelhança do que acontece com outros serviços básicos, como a eletricidade ou a água.
Segundo o que foi partilhado, a tarifa social deverá abranger 700 mil famílias com rendimentos reduzidos, igual ou inferior a 5.808 euros acrescidos de 50% por cada elemento do agregado familiar, assim como os beneficiários do complemento solidário para idosos e outros apoios sociais, como o rendimento social de inserção, apoio por desemprego, pensão social de invalidez ou complemento da prestação social para inclusão.
A meta era que o pacote de serviços incluiria 10 GB de dados e uma velocidade de download de 30 mbps, dando acesso aos principais serviços de internet públicos e privados, email e mensagens, mas isso não é totalmente claro no diploma publicado indicando-se apenas que a Anacom ficará responsável pela definição e fiscalização do cumprimento das obrigações de serviço. "Compete à ANACOM verificar a conformidade da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet de banda larga com as obrigações de serviço estabelecidas, nomeadamente, de acessibilidade, de transparência, de não discriminação e de adequada publicação", refere o diploma no no número 5 do artigo 14º.
Acesso mais complexo e com validação pela Anacom
Foi referido por várias vezes que o acesso a esta tarifa se pretendia que fosse feito por um sistema simplificado, quase automático, mas não é isso que decorre do diploma publicado. O procedimento está descrito no artigo 9º do diploma e tem 10 alíneas, que definem o processo.
Ao que se indica, a atribuição da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga é automática, sendo necessário um pedido da família ou utilizador junto das empresas e a confirmação da elegibilidade. Nesse caso a confirmação é feita pela Anacom, que recebe a informação dos clientes por parte das operadoras e terá que verificar com a Segurança Social e Autoridade Tributária. Só depois é ativada a tarifa social que tem de ser aplicada no prazo máximo de 10 dias depois da informação da Anacom.
Fica ainda definido que as empresas de telecomunicações que devem assegurar a disponibilização da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet de banda larga, com informação transparente e há coimas definidas para quem não cumprir, que podem chegar a 5 milhões de euros.
Operadores podem receber compensação pela tarifa social
Os valores avançados para a aplicação da tarifa social geraram surpresa por parte da associação de operadores mas o diploma define medidas de compensação. "Caso se verifiquem, em função da aplicação da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga, encargos excessivos para os respetivos prestadores e estes solicitem o respetivo ressarcimento, a ANACOM calcula o custo líquido da obrigação de serviço universal em causa, tendo em conta quaisquer vantagens de mercado adicionais de que beneficiem os prestadores, designadamente, o crescimento do mercado de utilizadores destes serviços", refere o documento.
O operador que considerar ter encargos excessivos tem de enviar um pedido ao membro do Governo responsável pela área da transição digital e se forem verificados custos que sejam considerados excessivos, o financiamento é assegurado através da repartição deste custo pelas empresas que ofereçam, no território nacional, redes ou serviços de comunicações eletrónicas
Veja aqui algumas das principais questões e respostas sobre esta tarifa social de internet
Quem pode ter acesso à Tarifa Social de Internet?
A tarifa social aplica-se a consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais. O diploma hoje publicado indica que são considerados, para efeitos da aplicação do presente decreto-lei, consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais as pessoas singulares que se encontrem nas seguintes situações:
a) Os beneficiários do complemento solidário para idosos;
b) Os beneficiários do rendimento social de inserção;
c) Os beneficiários de prestações de desemprego;
d) Os beneficiários do abono de família;
e) Os beneficiários da pensão social de invalidez do regime especial de proteção na invalidez ou do complemento da prestação social para inclusão;
f) Agregados familiares com rendimento anual igual ou inferior a (euro) 5808,00, acrescidos de 50 %, por cada elemento do agregado familiar que não disponha de qualquer rendimento, incluindo o próprio, até um limite de 10 pessoas; e
g) Os beneficiários da pensão social de velhice.
O apuramento do rendimento anual é feito nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 311-D/2011, de 27 de dezembro, na sua redação atual, considerando-se agregado familiar, em cada ano, o conjunto de pessoas nos termos definidos no artigo 13.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na sua redação atual.
Onde é que se aplica a tarifa social?
A tarifa é aplicada em todo o território português
Posso ter mais do que um serviço com tarifa social?
Cada consumidor ou agregado familiar só pode beneficiar de uma tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga, pelo que não pode acumular a banda larga fixa e móvel. O Decreto Lei indica porém que os estudantes universitários, inseridos em agregados familiares que se encontrem em situações de baixo rendimento e que se desloquem para outros municípios do país para estudar, podem igualmente beneficiar da atribuição da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga.
Quais são os serviços incluídos?
O serviço prestado no âmbito da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet é disponibilizado através de banda larga fixa ou móvel, sempre que exista infraestrutura instalada e ou cobertura móvel que permita essa prestação, e deve suportar o seguinte conjunto mínimo de serviços:
a) Correio eletrónico;
b) Motores de pesquisa, que permitam procurar e consultar todos os tipos de informação;
c) Ferramentas de formação e educativas de base em linha;
d) Jornais ou notícias em linha;
e) Compra ou encomenda de bens ou serviços em linha;
f) Procura de emprego e instrumentos de procura de emprego;
g) Ligação em rede a nível profissional;
h) Serviços bancários via Internet;
i) Utilização de serviços da Administração Pública em linha;
j) Utilização de redes sociais e mensagens instantâneas;
k) Chamadas e videochamadas (com qualidade-padrão).
A que serviços de Internet se aplica?
A Tarifa Social aplica-se a Internet fixa e móvel
Qual é a velocidade de Internet na Tarifa Social?
Não está clara qual a velocidade mínima e o tráfego. É a Anacom que tem de definir a largura de banda necessária para a prestação deste conjunto de serviços, bem como os parâmetros mínimos de qualidade, designadamente, de velocidade de download e upload. Para isso deve considerar as ofertas de serviço de acesso à Internet em banda larga praticadas no mercado nacional, bem como os relatórios do Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas sobre as melhores práticas dos Estados-Membros para o apoio à definição de serviço adequado de acesso à Internet de banda larga.
Qual vai ser o preço do serviço na Tarifa Social?
Ainda não está definido. Tinha sido avançado o preço de 5 euros por 10 GB mas o diploma publicado não avança com nenhum valor, referindo que este deve ser definido pelo Governo através de uma portaria, com base em dados da Anacom, que tem agora 60 dias para apresentar a proposta.
"A tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga, que se traduz num tarifário específico, é calculada tendo em conta os preços praticados ao nível nacional para serviços equivalentes ao serviço de acesso à Internet em banda larga, a evolução do mercado e o rendimento das famílias portuguesas, de modo a assegurar a plena participação social e económica dos consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais", refere o diploma.
O operador vai divulgar essas tarifas?
Essa é uma das obrigações definidas no Decreto Lei, que refere que "as empresas que oferecem serviços de acesso à Internet em banda larga devem promover a divulgação de informação sobre a existência da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet de banda larga e a sua aplicação aos consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais, através dos meios considerados adequados ao seu efetivo conhecimento, designadamente, nas suas páginas na Internet, em todos os pontos de atendimento presencial, sempre que preste informações sobre os serviços que oferecem, e em documentação que acompanhe as faturas enviadas aos clientes consumidores".
A Anacom tem também obrigações de divulgação da informação.
E se ultrapassar o plafond de dados ?
É obrigatório o aviso aos utilizadores sempre que o consumo de dados atinja 80 % e 100 % do limite tráfego contratado, de modo a evitar que seja ultrapassado o valor fixo da tarifa. Para continuar a fornecer o acesso depois de se ter ultrapassado o plafond, é preciso que os operadores tenham consentimento expresso dos beneficiários.
O Decreto Lei 66/2021 pode ser consultado online no site do Diário da República.
Nota da Redação: a notícia foi atualizada com mais informação. Última atualização 16h50
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