Foram publicados hoje, em Diário da República os Decreto-Lei n.º 46/2023 e 47/2023 que transpõem as diretivas europeias 2019/789 e 2019/790, relativas ao exercício do direito de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio e aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital.
Este é o passo final da transposição da legislação europeia para a legislação portuguesa, um processo que foi bastante controverso na União Europeia e que gerou uma enorme campanha de protesto online e offline, por parte de criadores e das Big Tech, mas que também se arrastou em Portugal, com debates da transposição da legislação Parlamento que depois passaram para o Governo com uma autorização legislativa que foi contestada por várias organizações.
O Governo já tinha dado conta de que tinha aprovado o Decreto-Lei, que tinha sido enviado para promulgação do Presidente da República, mas só hoje foi conhecido o texto completo, com a publicação em Diário da República. Agora entram em vigor no prazo de 15 dias.
A Diretiva europeia em que é baseada teve por objetivo regular o uso de obras protegidas por direito de autor em ambiente digital, nomeadamente nas plataformas da Internet, sobretudo as gigantes tecnológicas como Facebook, Google e YouTube, que passam a ter responsabilidades para assegurar o respeito pelos direitos de autor.
As regras da legislação europeia visam as relações entre quem tem os direitos dos conteúdos e as plataformas online, assim como a remuneração atribuída a artistas individuais e criadores. As novas regras de copyright pretendem garantir a justa remuneração dos criadores e respetivos donos dos conteúdos, publicações e jornalistas, em particular quando os seus trabalhos são usados online.
Na nota introdutória do Decreto Lei 47/2023 explica-se que as opções assumidas pelo Governo português na transposição das Diretivas europeias, referindo que havia a possibilidade de inserir as novas normas no normativo do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual (CDADC), ou deixá-lo intocado e sugerir um ou mais diplomas avulsos. O Governo optou pelo primeiro modelo, modificando o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e ainda outras duas leis, o Decreto-Lei n.º 122/2000, de 4 de julho, que transpõe a Diretiva 96/9/CE, sobre a proteção jurídica das bases de dados, e a Lei n.º 26/2015, que regula as entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos.
Em relação a uma das normas que foi mais polémica, o Artigo 17º da Diretiva, o documento indica que "tratando-se da regulação de uma forma específica de utilização, optou-se por se criar uma secção própria [no CDADC] , relativa à utilização da obra por prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha". Para isso foram editados os artigos e alíneas de 175.º-A a 175.º-I, com as novas definições que agregam as necessidades da proteção de obras online.
A Audiogest já reagiu à publicação, adiantando que "a AUDIOGEST congratula-se por o diploma agora publicado responder a algumas das preocupações e sugestões que assinalou na consulta pública, evitando as tentações isolacionistas e aventureiras".
"Numa análise preliminar do texto hoje publicado é já possível adiantar que o resultado final é um normativo que procura equilibrar e conjugar os vários interesses em presença e que é, ao mesmo tempo, fiel ao texto, aos princípios e objetivos da Diretiva, garantindo o licenciamento das obras, prestações e gravações musicais disponibilizados em plataformas cujos conteúdos são carregados pelo utilizador, salvaguardando também as liberdades individuais", refere a associação sem fins lucrativos, registada como Entidade de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos junto da IGAC.
Miguel Carretas, diretor geral da Audiogest, refere que "com a transposição da diretiva no direito português, o sector da música no país fica dotado dos instrumentos que lhe permitirão um crescimento saudável e sustentado em condições de igualdade com outros países da Europa, beneficiando todos os intervenientes da indústria musical sejam eles criadores, artistas ou produtores”.
Um processo longo e conturbado
Portugal já estava na “lista negra” da CE para ser referenciado ao Tribunal de Justiça por falhas na transposição da diretiva europeia para o Mercado Digital, que devia ter sido adaptada ao quadro legal português até junho de 2021. A Comissão Europeia tinha avisado os países que estavam em incumprimento na adaptação da diretiva numa altura em que o processo ainda estava em discussão no Parlamento português, que depois votou uma proposta de autorização legislativa para que o Governo pudesse fazer a transposição da diretiva do Direito de Autor e Direitos Conexos no Mercado Digital em janeiro deste ano.
Uma das medidas mais polémicas da diretiva era a do Artigo 13, que depois passou a artigo 17, e por causa desta proposta o debate sobre a mudança da legislação que protege os direitos de autor mobilizou de forma inédita as organizações, empresas e a sociedade civil, com os alertas a chegarem aos utilizadores, nem sempre da forma mais clara e correcta. Ainda em 2019, uma campanha sem precedentes tentava influenciar as negociações que se arrastavam desde 2016, e envolveu youtubers, fazendo com que muitos jovens ficassem em pânico com a ideia de que "a internet ia acabar".
O objetivo da nova legislação é a proteção da titularidade dos conteúdos de artistas, músicos, escritores e jornalistas na internet, criando regras para a utilização do seu trabalho por terceiros, nomeadamente nas plataformas online. Nos termos globais da legislação europeia, gigantes tecnológicas como Facebook, Google e YouTube passam a ter responsabilidades para assegurar o respeito pelos direitos de autor.
Na altura em que o Parlamento português aprovou a autorização legislativa ao Governo, 11 organizações nacionais uniram-se para pedir que a transposição fosse feita por via parlamentar, com intervenção da sociedade civil. Numa carta aberta defendia-se que "a transposição proposta pelo Governo não aproveita grande parte daquilo que o legislador europeu entendeu dar aos Estados Membros nas várias áreas da diretiva".
Nota da Redação: Foi feita uma correção no primeiro parágrafo, no número da diretiva
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