Hoje comemora-se o Dia da Tradução, um dia que assinala a importância da tecnologia a quebrar as fronteiras de comunicação entre pessoas de diferentes línguas. A inteligência artificial e os algoritmos de machine learning são cada vez mais afinados para oferecer traduções espontâneas e em tempo real, mas sobretudo a serem mais naturais.

Apesar de ninguém pegar num dicionário para tentar perceber palavras ou texto numa língua estrangeira, mas sim o smartphone para recorrer aos tradutores digitais, e atualmente já existem inclusivamente equipamentos dedicados à tradução automática, como o Vasco V4, que suporta 76 línguas; acredita-se que as máquinas nunca vão ter a capacidade de fazer a tradução de forma 100% autónoma. Questões culturais, a idade dos intervenientes ou mesmo o contexto das conversas são barreiras que as máquinas não deverão conseguir ultrapassar e por isso, o fator humano nunca será descartado.

É exatamente essa simbiose entre a tecnologia de inteligência artificial e a revisão humana, que a scaleup portuguesa Unbabel tem vindo a explorar nos últimos nove anos. O SAPO TEK teve oportunidade de entrevistar Vasco Pedro, CEO de cofundador da Unbabel, para compreender melhor o estado atual da tecnologia de tradução. A plataforma da empresa permite a tradução imediata de 95 pares de linguagens, tendo a missão de ajudar a criar um mundo em que a língua deixa de ser impedimento para a comunicação entre todas as culturas.

Para Vasco Pedro, os tradutores automáticos desempenham um papel fundamental na democratização da informação. “É exatamente neste sentido que têm vindo a evoluir, para eliminar qualquer obstáculo que se coloque no caminho de um mundo sem barreiras linguísticas”. Considera que se hoje vivemos numa comunidade global, isso deve-se ao esforço feito pelo campo de investigação da tradução automática ou machine learning.

"É exatamente neste sentido os tradutores automáticos têm vindo a evoluir, para eliminar qualquer obstáculo que se coloque no caminho de um mundo sem barreiras linguísticas."

Afirma que nos últimos anos há maior procura de soluções de tradução automática. E isso deve-se à dificuldade em contactar um tradutor humano profissional, sempre que seja necessário traduzir alguma coisa. O software é uma escolha adequada, mas equilibrando o ser humano com a IA, “para se obter o melhor de dois mundos”. Sobre a evolução do sector, considerada que vai continuar a ser melhorado, com um equilíbrio, uma vez que “a tecnologia deve ser aplicada nas áreas em que é melhor do que os humanos”. E no caso dos tradutores, os humanos devem intervir quando a tecnologia é incapaz de produzir traduções de qualidade, sobretudo na análise e interpretação do contexto e tom de uma mensagem.

Unbabel
Unbabel Vasco Pedro, cofundador e CEO da Unbabel.

Relativamente à plataforma da Unbabel, Vasco Pedro diz que esta tem vindo a eliminar as barreiras linguísticas através de uma plataforma que combina IA com revisão humana. “Atualmente, os nossos clientes têm a capacidade de traduzir peças e conteúdos como e-mails e FAQs em 96 pares de linguagem”. Explica que o objetivo da plataforma é oferecer às empresas a possibilidade de escalar os seus negócios mais facilmente a nível global, ajudando a comunicar na respetiva língua nativa dos países onde se estão a expandir, aumentando as relações de confiança com os seus clientes. A sua solução permite quebrar qualquer barreira que seja erguida relativamente à diferença de idiomas.

Para Vasco Pedro, no caso da tradução, nunca vai haver uma substituição total do papel dos trabalhadores humanos. “O sucesso de uma interação depende da capacidade de interpretação da mensagem por parte de quem a recebe. É um fator altamente imprevisível e com imensas variáveis como a idade, cultura, género, entre outros”. Esses elementos dificilmente podem ser ensinados a um algoritmo alimentado por IA. Dessa forma, é essencial, nas interações mais complexas, que haja um interlocutor humano para rever todas as mensagens e garantir que não existem erros de interpretação.

"O sucesso de uma interação depende da capacidade de interpretação da mensagem por parte de quem a recebe. É um fator altamente imprevisível e com imensas variáveis como a idade, cultura, género, entre outros."

Mas por outro lado, a Unbabel considera que em interações simples, tais como um pedido de dados, não se justifica ocupar o tempo de um revisor, uma vez que a mensagem é facilmente previsível. “Já é possível validar dados sensíveis sem alocar um agente a esta tarefa”.

Será possível alcançar uma IA mais natural e manter as traduções nos contextos?

Segundo Vasco Pedro, se considerarmos que o que falta à IA é a capacidade de interpretar corretamente mensagens consoante o contexto apresentado, a solução passa pelo investimento em IA responsável, acrescentando que se trata de um tema que tem sido abordado na Unbabel. Há ainda uma candidatura do consórcio da empresa a fundos do Plano de Recuperação e Resiliência que tem o objetivo de tornar Portugal o centro de desenvolvimento deste tipo de soluções.

Consideramos essencial que a IA adquira, de forma responsável, a capacidade de compreender o contexto em que se insere, sem prejudicar os interlocutores”. E o CEO da Unbabel deixa o exemplo real do caso da medicina ou da justiça, onde podem ocorrer erros de tradução devido à excedência da dependência numa IA que não está preparada para lidar com termos técnicos em várias linguagens. E estes exemplos servem também para mostrar as consequências que podem ser “extremamente negativas e é exatamente por esta razão que insistimos tanto no desenvolvimento de uma IA responsável, capacitada para qualquer contexto ou ocasião”.

O sector da tradução, onde se insere a Unbabel, nasceu pela vontade do homem eliminar aquela que é considerada uma das barreiras que separam o mundo globalizado, o idioma. “Se analisarmos a evolução do setor, verificamos que a tecnologia é a responsável pelo rápido desenvolvimento da acessibilidade a ferramentas de tradução”. No início da internet, ferramenta que foi uma das principais responsáveis pela democratização da informação, todo o conteúdo era maioritariamente escrito em inglês, estando assim apenas acessível a uma parte reduzida do mundo, salienta Vasco Pedro.

“Acredito que esta é uma evolução natural que vai continuar a progredir para que um dia a tradução seja acessível a todos, inclusive para os que têm pouca literacia tecnológica”. E é dado o exemplo de como os motores de busca já têm aplicações pré-instaladas que permitem traduzir conteúdos de todo o um website para qualquer linguagem através de um clique. “O impacto que esta ferramenta tem na acessibilidade do conteúdo é incalculável, não requer uma alta literacia tecnológica, mesmo que a tradução não seja 100% fiel ao idioma original”. No entanto, reconhece que ainda existe muito a ser feito nesta área, mas aponta que está no bom caminho para criar um mundo sem barreiras linguísticas a separar uma comunidade global.

"Acredito que esta é uma evolução natural que vai continuar a progredir para que um dia a tradução seja acessível a todos, inclusive para os que têm pouca literacia tecnológica."

Recentemente a Unbabel partilhou o relatório Global Trends in Marketing Localization 2023, destacando como os responsáveis de marketing já procuram criar conteúdos a nível internacional e com isso, a necessidade de os traduzir para diferentes línguas. Vasco Pedro diz que essa necessidade sempre existiu, mas que foi amplificada pelas consequências da pandemia. E que depois do período da incerteza, o mundo está a abrir as portas de novo, o que significa uma oportunidade para as empresas anteciparem as estratégias de internacionalização.

Nesse sentido, as equipas de marketing estão a preparar esse crescimento global e a antecipar as eventuais barreiras linguísticas. No estudo partilhado, diz que 84% dos profissionais investiram na tradução para aumentar receitas durante a pandemia, entre clientes, parceiros ou colaboradores. Considera que todos valorizam o esforço de comunicar na linguagem nativa, sendo o inglês apenas uma solução a curto-prazo.

Em forma de conclusão, os modelos da Unbabel funcionam de forma eficaz devido ao investimento no equilíbrio entre a tecnologia e a revisão humana. Os modelos estão programados para distinguir os contextos sociais, culturais e outros, embora não consigam fazer essa avaliação sozinhos. Apelidados de “Unbablers”, os colaboradores da empresa são responsáveis por verificar a interpretação feita pela IA e dar o “toque humano” à mensagem final.