O TEK Notícias teve a oportunidade de visitar as instalações do Studio Ellipsis, fundado em 2024 em Lisboa, na Fintech House, na Duque de Loulé, e fazer um primeiro balanço com o líder Alexandre Amâncio. O estúdio português que faz parte da editora suíça FunPlus, especialista em jogos para smartphones, pretende ajudar a impulsionar a indústria de videojogos em Portugal. Recentemente realizou-se um bootcamp nas suas instalações sobre investimento e técnicas para conquistar a internacionalização, oportunidade para conhecer melhor o estúdio.

O Studio Ellipsis pretende aplicar alguns conceitos de incentivo que se praticam nas grandes developers internacionais. Uma experiência muito positiva que Alexandre Amâncio absorveu durante a sua carreira internacional com mais de 20 anos na indústria, destacando-se a sua passagem pela Ubisoft em Montreal, onde esteve nos primórdios da criação deste hub mundial; esteve na Microids e antes de aterrar em Lisboa, o português ainda fundou a Reflector Entertainment em 2016, estúdio que foi comprado pela Bandai Namco em 2020, tendo editado o título Unknown 9: Awakening.

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Espaço de trabalho com máximas e mensagens de incentivo

Para mim isto não são apenas palavras na parede, representam os valores e são preciso vivê-las”, explica Alexandre Amâncio, explicando os quadros com mensagens de incentivo espalhados numa das paredes do estúdio. O objetivo é semanalmente colar um autocolante com o nome do colaborador que se destacou num dos “mandamentos” do estúdio, como forma de salientar o seu desempenho.

Veja na galeria imagens do estúdio:

Dá o exemplo de uma situação em que era necessário ter métricas das personagens e monstros, assim como do tamanho das portas para ajudar na produção. “Um empregado tomou a iniciativa de fazer um documento técnico para toda a equipa, para os engenheiros, designers de níveis, fez o end-to-end, por isso, para mim, o nome dele vai para aqui, para a semana ele é que é o campeão disto”.

Na visita ao estúdio, notou-se a forma descontraída com que se pretende estar, com mensagens espalhadas pelas paredes, frases motivacionais ou simplesmente piadas. Numa mesa, podia ver-se os exemplares de uma banda desenhada que foi totalmente feita pelo estúdio em Lisboa, baseado no jogo da FunPlus Sea of Conquest: Cradle of the Gods. O estúdio criou a narrativa, fez a coordenação com os artistas, tornando-se o primeiro exemplo do projeto cross-mídia que o estúdio se propõe. Os 10 números publicados podem ser acedidos gratuitamente no website da empresa.

A sala de construção de universos é onde a equipa se junta para criar o mundo interligado, ou seja, as bandas-desenhadas, as séries de televisão, animação, etc. Nos vidrais da sala, mais frases inspiradoras, “não estamos a fazer apenas jogos, mas universos e para mim, que seja apenas uma banda-desenhada, um jogo ou um filme, é o mesmo universo e temos de criar coisas interligadas”, e explica que todos os meios de entretenimento se estão a cruzar cada vez mais. O objetivo é que independentemente do tipo de produto, seja gratuito ou pago, devem ter todos valores de Produção elevados. “Seja grátis ou um produto de 100 milhões de euros, devem ter a mesma qualidade”, apontando à banda-desenhada.

Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis
Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis

O estúdio tem um lounge para passar tempo, onde se joga ou se lê livros, ao lado a sala de reuniões. Quando o estúdio foi montado, ocupou uma pequena sala de um andar mais pequeno do edifício, entretanto já se mudou para instalações maiores, no mesmo local, ocupando todo o andar.

“Não estamos a criar jogos, mas universos”

Fazendo um ponto de situação sobre o estúdio, a equipa já é composta por 24 colaboradores, esperando-se chegar aos 30 até ao final do ano. “Chamo a isto as Nações Unidos, pois temos pessoas de tantos países, americanos, europeus, da América do Sul, mas tentamos buscar o máximo de portugueses que estejam fora para regressar ao país”, apontando ainda que o estúdio recruta também funcionários em Portugal. “Estou honestamente satisfeito com o nível de talento daqui”.

Sobre o anúncio oficial do projeto que está a ser feito em Portugal, até agora envolto de secretismo, Alexandre Amâncio tem na cabeça datas do anúncio, previsto para um pouco mais para o final do ano. O líder da empresa esclarece que o projeto está dentro dos timings previstos pelo cronograma interno, tendo realizado um grande “milestone” há algumas semanas, estando previsto o próximo no final de agosto. Todos estes pontos de situação são internos, estando previsto um com a casa-mãe FunPlus no final do ano.

Na sua visão, a indústria inicialmente não tinha grandes formas de fazer testes, não havia inteligência de mercado, tudo era feito por instinto. A indústria dos videojogos, no ocidente, em relação ao Japão, passou a ser conduzida por métricas. “O que fazemos tem de haver testes e ver o que as pessoas querem, e isso retira a alma do projeto. Se perguntarmos a um fã o que ele gosta, ele vai dizer o que está a consumir naquele momento. Se está a ver ou a jogar The Last of Us vai responder que quer zombies; se vê o Star Wars vem falar de Space Opera”. Por isso acredita que tem de haver um equilíbrio entre a liberdade criativa dos autores e o “reality check” da audiência.

Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis
Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis

Nesse sentido, prevê que durante o verão se faça um teste externo, um na América do Norte e outro em Portugal, onde se vai observar as reações dos jogadores ao jogo e às personagens, o universo, “e vamos observar se a reação das pessoas é a mesma que a nossa”. Espera dessa forma atingir o marco de produção no início de agosto e no final desse mês realizar o teste geral, e com isso decidir uma data para o anúncio público do projeto e respetivo lançamento.

“Portugal tem a mesma energia do início da indústria de Montreal”

Questionado sobre a importância do bootcamp, no qual o estúdio foi anfitrião, a sua importância é elevada. E explica que veio para Portugal por duas razões. Em primeiro porque diz ter gostado bastante da experiência que teve em Montreal, “o privilégio de ter lá estado no início, quando estávamos a construir uma indústria. No espaço de 5 a 10 anos, a cidade tornou-se num dos maiores centros de videojogos do mundo”. Essa energia e o desafio de criar algo de raiz, para si é motivante. “Agora em Montreal a indústria já não está assim, está numa situação de manter o tamanho, do que a querer crescer e inovar”. Alexandre Amâncio diz que viu em Lisboa uma energia semelhante aos primórdios da indústria em Montreal.

Mas a segunda razão pelo que veio para Portugal, é exatamente por ser português, nascido em Braga, “para tentar devolver um bocadinho ao país, fazer a minha parte que eu possa para ajudar. Acredito nesta indústria, acredito em Portugal e vim aqui para fazer o que posso. E ajudar a APVP a organizar este bootcamp faz parte disso”. Acrescenta que são pessoas que estão a criar estúdios, jovens que estão a tentar lançar-se na indústria. “As suas criações são o coração de uma indústria, está a criar-se massa crítica para que a indústria comece a crescer”.

“Há aqui pessoas com ideias, com uma cultura forte, e uma vantagem na Europa, é que aqui praticamente toda a gente fala inglês, o que não é a mesma coisa na Espanha, por exemplo”.

Mas o que falta então para Portugal ter aquele JOGO, capaz de meter o país na rota internacional? “Se fosse há 10 ou 15 anos, eu dizia que o que precisamos é deste jogo grande, o tornou Montreal nessa rota foi o Assassin’s Creed, aliás o primeiro foi Splinter Cell, depois os olhos mundiais viraram-se para a cidade”. Agora, a resposta não é um JOGO, mas sim uma comunidade e uma maneira nova de fazer as coisas. “Estúdios como a Rockstar e a Ubisoft não são o futuro, não são os jogos como o GTA ou Assassin’s Creed, mas sim projetos mais pequenos a fazer coisas originais que os grandes não fazem, porque têm medo da originalidade”. Dá o exemplo do recém-lançado Clair Obscur: Expedition 33 daquilo que é o futuro da indústria, uma equipa pequena, com cerca de 30 elementos, a criar um jogo com aclamação da crítica e dos jogadores. Jogos como o Stray, protagonizado por um gato ou Hellblade: Senua's Sacrifice, produzidos por equipas de 20 pessoas, são outros exemplos apontados.

Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis
Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis

Vê em Portugal um sítio onde podem ser criadas equipas pequenas, mas cheias de energia criativa. “Provavelmente não teremos um próximo Assassin’s Creed, mas certamente dois ou três desses pequenos sucessos indies que fazem virar as cabeças. Portugal precisa de massa crítica para que haja dois ou três estúdios que criem esses sucessos pequeninos”. Questionado se já foram identificados esses mesmos estúdios, assume que o seu estúdio está a tentar ser isso.

Jogo original, com qualidade AAA, mas com menor dimensão

O TEK tentou “tirar alguns nabos da púcara” sobre a ambição do projeto do estúdio, mas Alexandre Amâncio diz que não o qualificaria de um AAA, mas talvez um AA. “Não será um Assassin’s Creed ou um The Last of Us que são AAA, mas algo que seja ação aventura, mais pequenino poderá ser um AA. Nós estamos a tentar fazer algo totalmente diferente, um jogo onde a qualidade vai ser AAA, sejam as personagens e a qualidade do design, mas não vai ter essa dimensão, conduzida por conteúdos, que vai necessitar de 200, 300 ou 500 pessoas para o fazer”. Diz que a sua equipa tem 30 pessoas e por isso, o jogo vai ter um “scope” comparável a um Clair Obscure, Stray ou Hellblade. “Mas o tipo de jogo estamos a tentar inovar, que vai tentar combinar diferentes tipos de jogos, num novo género original”.

Alexandre Amâncio confirmou ao TEK que o jogo já está jogável, tendo criado recentemente o chamado “proof of content”. “Não é preciso ser bonito, mas sim funcional e ser necessariamente divertido, e isso passou. É importante para mim validar um jogo como divertido, sem ser ofuscado pelos gráficos lindos”. O líder do estúdio confirmou ainda que a casa-mãe ainda não viu o jogo, sendo que vai vê-lo pela primeira vez no verão. Salienta a confiança da FunPlus na equipa e no projeto e acredita na palavra “honestidade” e “transparência”.

Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis
Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis

“Quando estamos numa indústria criativa, uma pessoa tem de colaborar a um nível onde toda a gente deve se sentir bem em poder criticar o trabalho dos outros, de uma maneira construtiva e positiva, mas dar um bom feedback, porque é assim que cada um vai fazer com que os outros trabalhem o melhor possível”. Dá o exemplo que quando uma pessoa trabalha em algo, essa proximidade “cega”, mas passados seis meses é que se repara e onde surgem “arrependimentos” de algo que poderia ter sido feito de outra maneira. “Mas se tiveres uma pessoa de confiança ao pé de ti, que te diz os defeitos”. Pretende mesmo desmistificar a tendência de se dizerem coisas como “Para um jogo português não está nada mau”.

Não estamos a fazer um jogo português, estamos a fazer um jogo em Portugal, pra o mercado internacional. Eu comparo-me aos jogos feitos sejam no Japão, China, Estados Unidos. Mas este é um estúdio português, aliás o nosso nome legal é FunPlus Portugal”.

A presença de elementos da organização estatal AICEP é um exemplo do interesse que a indústria está a criar. Mas Alexandre Amâncio diz que existem outras formas do Governo ajudar a indústria, sem necessariamente injetar dinheiro. “Eu acho que não se deveria tirar dinheiro aos cidadãos para financiar uma indústria, mas acho que existem outras maneiras para oferecer às empresas vantagens de virem para Portugal”.

Dá mais uma vez Montreal como exemplo, na forma como fazia: “por cada 100 dólares de salário que uma empresa pagava a um empregado, o Estado reembolsava 37,5 dólares sobre o formato de retorno de imposto. O Governo não está a tirar dinheiro nenhum do bolso, só está a pegar menos”. Esta medida puxa a indústria, faz com que tudo a volta cresça. A Ubisoft em Montreal estava num bairro têxtil, onde se faziam calças. “Esse bairro tornou-se o mais hip de Montreal, com a Ubisoft a começar nas 700 pessoas, depois 3.000 e chegou aos 5.000. Onde é que estas pessoas saíam e iam comer? À volta do estúdio e de repente, nasceram vários restaurantes”. Os incentivos do Governo têm impacto indireto nos bairros onde se estabelecem as empresas.

Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis
Entrevista Alexandre Amâncio - Studio Ellipsis

Na altura em Montreal, a indústria financiou um estudo independente de impacto, salientando que por cada dólar do dinheiro canadiano, qual era o retorno? Por cada dólar regressava 1,5 dólares. Através da Associação de Produtores de Videojogos Portugueses (APVP), estão a ser feitas conversações com o Governo nesse sentido, um trabalho “bestial” reconhecido por Alexandre Amâncio. São estratégias que se fazem em outros países, como em Malta, por exemplo, onde um programa se revelou bastante lucrativo.

Olhando para dentro do seu estúdio, a equipa tem elementos que trabalharam em jogos grandes da Ubisoft, como Star Wars Outlaws e Avatar: Frontiers of Pandora, mas tem procurado por portugueses que queiram regressar a Portugal, capazes de trazer a sua experiência. Os portugueses, caso preencham os requisitos necessários e tenham a qualidade equivalente a um estrangeiro, têm sempre prioridade no recrutamento.