As competições de eSports são uma vertente dos videojogos em crescimento, com organizações dedicadas à construção de equipas e a explorar o potencial do negócio que envolve jogadores, patrocinadores e claro, as editoras que criam os títulos utilizados: FC, League of Legends, Counter-Strike 2 e Dota 2 são alguns dos mais populares.

A grande questão é que não existe legislação para proteger os jogadores, as equipas e as competições. Não se trata de um problema apenas em Portugal, como em toda a Europa. O Parlamento Europeu aprovou em 2022 um relatório e investimento, com o objetivo de incentivar a criação de mais competições de eSports na União Europeia. Mas ao mesmo tempo, está aberta a discussão sobre a profissionalização dos envolvidos e um eventual estatuto de praticantes profissionais. Espera-se também a criação de um código de conduta onde são promovidos os valores europeus neste tipo de competições de eSports.

Foi nesse sentido que em julho foi promovido um debate no Parlamento português com a presença de legisladores políticos, jogadores, representantes de equipas, associações, entre outros interessantes para discutir aquele que será o futuro da legislação em torno dos eSports, uma iniciativa suportada pelo Partido Socialista.

André Pinotes Batista, deputado do PS
André Pinotes Batista, deputado do PS André Pinotes Batista, deputado do PS.

O SAPO TEK procurou perceber o que pretendem os legisladores, mas também quais são os interesses dos restantes interessados, incluindo as organizações que têm equipas competitivas a disputar os torneios e o papel das associações das editoras de videojogos, aqueles que no fundo são os “donos da bola”.

Existe um ponto em comum na maioria dos envolvidos: todos desejam que haja regulamento e uma maior agilidade para ajudar a legalizar a atividade dos jogadores. Mas vem sempre a pergunta à tona: deverão os eSports tornar-se um desporto? Esta é provavelmente a questão que levanta mais polémica. E foi essa visão que o SAPO TEK procurou nas diferentes versões da mesma história.

Iniciativa Liberal tem os eSports na agenda

Para já apenas existe uma posição pública da Iniciativa Liberal (IL), que listou o assunto dos eSports no seu programa eleitoral, e do Partido Socialista que também tem uma posição clara do que se pretende para o quadro regulatório desta atividade. O Chega está igualmente em processo de ouvir todas as partes interessantes, rematando para depois do debate uma posição oficial.

No caso da IL, o objetivo é reconhecer os eSports como desporto em Portugal. O partido defende que há cada vez mais adeptos em Portugal, “mas não são reconhecidos oficialmente como desporto nem se encontram previstos em lei”, lê-se no programa. Diz que a ausência de enquadramento legal levanta obstáculos aos seus praticantes, junto ao Estado e outras entidades.

Organizações e clubes de eSports esperam que a legislação ajude a regularizar jogadores em Portugal
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O IL pretende uma equiparação aos desportos tradicionais, sempre que adequado, para que sejam realizados contratos de seguro, autorização pelo Estado de vistos de residência de atletas estrangeiros e que, no caso de estudantes de Ensino Superior, tenham estatuto quando participem em competições profissionais. O partido pretende profissionalizar a atividade de eSports, identificar e eliminar obstáculos desproporcionais à sua prossecução. Em última estância, sempre que for relevante, o IL pretende equiparar os eSports aos desportos tradicionais.

O Partido Socialista tem uma perspectiva semelhante, no que diz respeito à necessidade de encontrar um fio condutor para uma legislação que venha a ajudar o sector dos eSports. Em entrevista ao SAPO TEK, o deputado do PS, André Pinotes Batista, mudou um pouco a visão que tinha antes das conferências realizadas no Parlamento. Antes, partilhava da mesma ideia do IL, de que equivaler os eSports às modalidades desportivas seria uma grande vantagem para o meio. “Mas depois da conferência, onde estiveram pessoas dos desportos tradicionais e outras dos eSports, permitiu tirar a ilação que essa correspondência não era o caminho mais correto”.

Master League Portugal - SAW campeão
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André Pinotes Batista diz que existem quadros regulatórios no desporto como os decretos de lei a ver com a violência no desporto, determinados enquadramentos regulatórios criados para as federações, para as SADs, para o anti-doping, que se aplicam ao desporto tradicional, mas que seriam um grande problema para os eSports. “Imagine que as pessoas estavam proibidas de beber um Red Bull ou jogar Counter-Strike porque é um jogo que dá estímulo à violência”.

O deputado do PS desafiou todos os partidos a juntarem-se à discussão das ideias, mesmo que todas não tenham a mesma visão sobre o assunto. Mas refere-se à proposta do IL como uma necessidade de competir. “Eles ainda não sabem o significado da palavra backlash, mas vão descobrir rapidamente, porque esta comunidade não quer ser alvo de uma competição”.

O "deserto da regulação" segundo o Partido Socialista

Mas o PS pretende acabar com aquilo que chama de um “deserto de regulação” no panorama de eSports. “Nós não temos nenhum ordenamento jurídico planeado para os eSports. Isso gera que todas as matérias associadas sejam associadas a legislação já vigente ou na legislação geral, o que apresenta vários problemas”, aponta André Pinotes Batista.

O partido, à semelhança do IL, identificou que um atleta de alta competição de eSports em Portugal não tem estatuto para ter acesso ao ensino superior, como os atletas dos desportos convencionais. Aponta ainda, em termos laborais, que os códigos económicos (CAD) não estão pensados para os profissionais de eSports e “muita gente não sabe como declarar os seus rendimentos ou que adota regimes fiscais que são mais desfavoráveis do que aquilo que era necessário”.

Quando existem incumprimentos com os atletas ou com as organizações por parte dos patrocinadores, muitas vezes geram processos também sem enquadramento específico. Aponta assim, com estes exemplos, que a realidade atual não é apenas algo de nicho, havendo cada vez mais praticantes de eSports. E não apenas quem joga em concreto os jogos, mas também organizações, as relações económicas entre os players desta indústria, tudo é um “grande deserto”, na perspetiva do PS.

Quem é afinal o “dono da bola” na legislação que quer tornar os eSports em desporto?
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E quais são as soluções do partido? A equivalência entre os eSports e o desporto tradicional não é o caminho para André Pinotes Batista. A ideia é olhar para o sector e dar-lhe as ferramentas legislativas necessárias. E destaca as condições únicas de Portugal, tanto a nível climatérico, como de infraestruturas de internet, salientando o avanço tecnológico do país na última década. Acredita que esta infraestrutura e excelente potencial não está a ser rentabilizado e aponta que o alojamento continua a ser acessível para as organizações de eventos internacionais. Por isso, o enquadramento jurídico adequado, que permita ao ecossistema crescer, resolva problemas, mas sem introduzir novos problemas na equação.

Existem dois tipos de entraves para avançar com leis, afirma o deputado do PS. O primeiro continua a ser o preconceito e a resistência das modalidades tradicionais face aos eSports. E acusa os desportos tradicionais de terem muito a aprender no que diz respeito à realização de eventos mais dinâmicos, com novas tecnologias, atrativos e com maior transmissão.

jafonso FC 24 Esports World Cup
jafonso FC 24 Esports World Cup

Mas por outro lado, também existem pontos de aproximação. Dá o exemplo de um jogador de alto nível de eSports, de uma equipa como a G2 ou a Team Liquid. Os atletas têm acesso a nutricionista, psicólogo, fazem atividades físicas em grupo e outras iniciativas. A atividade de foco e muscular são parecidas. Mas a carga física não é tão relevante como as tradicionais. As carreiras de eSports estão ligadas ao número de sinapses e aos músculos, do que propriamente ao coração. “Por isso não vale a pena tratar coisas diferentes como se fossem iguais”.

Não tem dúvida de que as atividades de eSports sejam físicas, mas também não tem dúvidas de que não são iguais às restantes atividades físicas. Assim, mesmo não sendo semelhantes, as duas formas são complementares e não “inimigas”, aponta André Pinotes Batista. E dá o exemplo de como os Jogos Olímpicos também já começam a olhar para esta dualidade. E com o desporto tradicional a manter o seu espaço, considera que os eSports também têm de ter o seu espaço.

Chega quer ouvir todos os intervenientes antes de uma posição

O SAPO TEK também ouviu Jorge Galveias, deputado do Chega, durante o evento ESI Lisbon. O partido ainda não tem nenhuma proposta para apresentar em torno dos eSports, deixando-a para depois do debate. “Há realmente muito ruído em torno desta matéria, não podem ser confundidos os direitos do proprietário de um jogo com a obrigatoriedade desse título entrar em campeonatos. São duas áreas diferentes”, refere Jorge Galveias.

Aponta que a visita ao evento é o início para ouvir os diferentes players e tomar uma posição. Ainda assim, refere que o partido já tem algumas linhas orientadoras para o seu projeto, que ainda não são públicas. Prefere primeiro ouvir os clubes e as pessoas envolvidas. Mas salienta que o desporto e a propriedade intelectual são duas vertentes totalmente diferentes e que não podem atropelar-se. É necessário saber onde acaba uma e começa a outra.

Exatamente sobre os “donos da bola”, ou seja, as editoras que têm os direitos de autor dos jogos utilizados nas atividades de eSports, André Pinotes Batista tem uma posição clara: não se pretende contornar isso. Acredita que quem tem esses direitos de autor, que fez o esforço de I&D devem ver os seus interesses protegidos porque são legítimos. “Sou filho de um escritor de manuais escolares e sei bem o que é a proteção artística”.

Ainda assim, faz uma comparação com os estádios, que pertencem ao clube A ou B, mas que podem ser utilizados por outros. E considera que é do interesse de todas as marcas, apesar de serem os “donos da bola”, que esta seja usada pelo máximo de pessoas possível. “Não existe interesse em ser dono de uma bola prodigiosa e bonita, mas de qual ninguém brinca”. Considera que as editoras são a parte mais importante que são esquecidas, mas são nevrálgicas e o esqueleto de tudo isto.

Aponta que as modalidades tradicionais são as mesmas há décadas ou há séculos, enquanto as modalidades de eSports, com as evoluções tecnológicas que vão havendo, sem labels não existe futuro. A regulamentação não pretende ser “inimiga” das editoras, pela defesa dos seus copyrights.

O SAPO TEK teve oportunidade para falar com Tiago Sousa, representante da AEPDV (Associação de Empresas Produtoras e Distribuidoras de Videojogos) exatamente sobre a visão das editoras neste processo legislativo, que deixará para outro artigo. E também com Rui Jesus que representa o OGE: Observatório do Gaming e dos eSports que tem também uma visão própria do panorama dos desportos eletrónicos em Portugal.