Num momento de transição entre quadros comunitários de apoio da União Europeia, que em Portugal se prolonga um pouco mais por causa da transição do Governo, o tempo é de balanço e afinação, para que os fundos europeus de apoio à inovação e investigação possam ser aproveitados da melhor forma nos próximos anos.
Em entrevista ao SAPO TeK, Joana Mendonça, presidente da Agência Nacional de Inovação mostrou-se satisfeita com o caminho percorrido nos últimos anos pelas empresas e instituições portuguesas na I&I. A nível europeu destacou sinais de maturidade no sistema português, que se têm materializado num crescimento sustentado do número de projetos aprovados ao longo dos últimos anos. A nível nacional sublinhou o crescimento do número de empresas que tiraram partido dos instrumentos do Portugal 2020, face ao seu antecessor, sem desvalorizar que há um caminho a fazer para tirar o melhor partido destes instrumentos de financiamento.
As linhas de ação prioritárias apontadas pela ANI para os próximos anos - a ANI é o organismo intermédio que gere e coordena mais programas financiados de apoio à I&I nas empresas - batem com os aspetos onde as empresas e universidades que mais têm participado nestas medidas assinalam como importantes alterar.
“O aspecto mais positivo destes projetos é a oportunidade de desenvolver tecnologias muito inovadoras. O mais negativo são as regras restritivas que acabam por criar muito esforço na gestão desses fundos, para além de penalizarem muito a sua execução, fazendo com que o benefício financeiro esteja muito abaixo do expectável”, sublinha Ivo Yves Vieira, CEO da Lusospace, com quatro projetos de I&D apoiados pelo Portugal 2020, dois ainda em curso.
Dando um exemplo mais concreto, o responsável aponta a fase de candidatura dos projetos, onde os beneficiários devem apresentar orçamentos de entidades externas para justificar despesas.
“Num projeto de I&D não é possível prever as despesas exactas que iremos ter. Tais despesas dependem da arquitetura do novo produto e por isso acabamos por incluir uma previsão muito desfasada da realidade e por termos um trabalho com o pedido de orçamentos que não vai ser útil”.
Durante a execução dos projetos, a necessidade de justificar qualquer tipo de alteração é outro aspeto considerado menos positivo, pelo esforço associado. “Os programas devem ser mais ágeis e simplificados. A inovação exige rapidez”, remata Ivo Vieira.
A Lusospace atua no mercado espacial, em sistemas de comunicações ópticas e quânticas e em sistemas complexos em satélites. Adicionalmente, trabalha na área da realidade aumentada. Conseguiu financiamento do Portugal 2020 para quatro projetos nesta área. Ivo Vieira destaca aquele que está a permitir desenvolver um sistema de realidade aumentada em cooperação com a DHL, que vai permitir aumentar a produtividade das operações da companhia e diminuir os custos.
A empresa está no Top 10 das que conseguiram captar mais fundos ao abrigo do PT2020, quase quatro milhões de euros, um ranking onde também está a Tekever, que partilha de uma opinião idêntica.
“A participação no Portugal 2020 traz grandes benefícios, mas apresenta também grandes desafios, sobretudo ao nível da carga burocrática subjacente à sua execução”, admite Ricardo Mendes.
O CEO diz que “embora seja compreensível a necessidade dos diversos processos de validação existentes, também é inquestionável que induzem atrasos nos processos de pagamento e que exigem, quer às empresas, quer às autoridades de gestão, um enorme esforço de preparação e validação de documentação administrativa”.
Este aspecto, acrescenta, impõe ao processo “uma rigidez significativa, que dificulta a natural flexibilidade que processos de desenvolvimento tecnológico devem ter”. Vale a proximidade entre as autoridades de gestão e as empresas participantes para ultrapassar as dificuldades e barreiras nos processos, a que acabam por estar sujeitos todos os atores destes programas, como também frisa.
Rui Costa, CEO da Ubiwhere, assinala igualmente como ponto menos positivo nos programas financiados a exigência elevada ao longo de todos os patamares do processo e a burocracia. O responsável reconhece que é preciso dedicação e investimento para abraçar estes programas.
“Ainda assim, quando pesamos a complexidade dos modelos e as vantagens provenientes das articulações com grandes redes de parceiros, acreditamos que qualquer empresa focada em I&D&I tem muito mais a ganhar com estas oportunidades de partilha de conhecimento e informação, do que possa eventualmente perder com a complexidade do processo”.
No caso da Ubiwhere esses benefícios refletem-se transversalmente por quase toda a oferta comercial da empresa. Cerca de 70% das receitas da empresa suportam-se nos investimentos em I&I da última década, boa parte deles apoiados em projetos financiados pelo Portugal 2020 ou pelo Horizonte 2020, pontos de partida para desenvolver soluções que hoje estão implementadas em várias cidades, portuguesas e não só.
Ainda que a máquina por trás dos programas de incentivo possa continuar a precisar de ajustes para funcionar como todos desejam, reconhece-se que o alinhamento de Portugal com o ciclo de políticas de apoio europeu nos últimos 30 anos teve um impacto positivo na inovação que se faz no país.
“Apesar de ser comum observarmos uma opinião pouco positiva relativamente à aplicação destes fundos, a realidade demonstra-nos uma situação muito distinta. A forma como se produz inovação em Portugal mudou radicalmente”, defende Pedro Amaral, vice-presidente do Instituto Superior Técnico para as ligações empresariais e operações.
“As empresas reconheceram a necessidade de investir de forma sistemática em investigação e desenvolvimento (I&D) como forma de garantir o acesso à inovação geradora de diferenciação e num contexto de competição à escala global”, reconhece o responsável, que fala também no impacto dessa evolução ao nível da qualificação dos recursos-humanos. “Portugal também cresceu de forma significativa com o investimento em I&D feito ao longo dos diversos programas-quadro, especialmente a que resulta em maior especialização, tal como se pode por exemplo constatar pelo número de doutorados atualmente residentes em Portugal (aproximadamente 37.000)”.
Para o responsável do IST, a universidade portuguesa com mais fundos captados no Horizonte 2020, apesar de terem existido ambiguidades ao longo destes últimos 30 anos, que terão “derivado principalmente do desinvestimento estratégico em algumas áreas industriais que hoje voltam a ser necessárias”, o balanço é positivo e os sinais de que as empresas entretanto ganharam maturidade são claros, mesmo que não sejam universais.
Destaca-se o facto de, entre as maiores empresas, existirem vários exemplos de completa adaptação aos desafios trazidos pela revolução nas TIC, traduzida na consolidação das suas posições no mercado, nomeadamente a nível internacional, ou no nascimento de novas empresas mais focadas no conhecimento. “A existência de financiamento facilitou todo este processo, deixando capacidade às empresas inovadoras de testar, prototipar e investir, arriscando em áreas e mercados que de outra forma não seriam capazes de fazer”.
Por outro lado, a evolução dos quadros comunitários também mostrou que atingir essa maturidade é crucial para maximizar o impacto dos fundos. “Parte das empresas em Portugal continuou a procurar um processo de evolução contínua e pouco disruptivo [...] em vez de focar na monetização da inovação”, sublinha Pedro Amaral.
O erro de procurar este tipo de fontes de financiamento para colmatar dificuldades ou mesmo incapacidade para investir tem persistido, em alguns casos, e compromete a capacidade para criar condições de investimento que permitam consolidar os projeto de inovação, após a implementação ou impede a procura de inovação mais disruptiva, alerta o mesmo responsável.
Mudanças que podem ter impacto positivo nos resultados
O reflexo das fragilidades que os participantes encontram na gestão dos programas financiados e na própria maturidade da inovação no tecido empresarial também se espelham nas conclusões da auditoria do Tribunal de Contas, divulgada em outubro do ano passado. Referia o documento, que o Portugal 2020 se tinha caraterizado por “boas taxas de compromisso, execução lenta, baixo nível de absorção dos fundos, incumprimento de objetivos intermédios em muitos dos programas e fraca orientação para resultados”.
Aspetos importantes para corrigir o que tem funcionado menos bem, defende o IST, podem ser a criação de processos de monitorização e promoção a partir das estruturas de interface; maior aposta na promoção de recursos-humanos altamente especializados nas empresas, para desenvolver estes projetos e conduzir a sua industrialização; ou reforço do financiamento das universidades e centros de I&D, para que possam assegurar a correta transferência de conhecimento para o tecido empresarial.
Olhando por áreas, a ANI diz que não estão identificadas nenhumas em concreto, onde os incentivos à I&I se revelem mais necessários que noutras, para além daquelas que alinham com agenda de transição digital e verde da União Europeia e que acabam por ser transversais aos mais diversos sectores.
Ainda assim, e como também mostram os dados dos programas nacionais, há áreas e sectores onde a inovação tem sido uma maior aposta do que noutras, quer para empresas quer para entidades do sistema científico. Em quais há uma maior convergência de interesses entre os diversos atores?
José Carlos Caldeira, do INESC TEC defende que é em tudo o que e relaciona com a digitalização, “porque combina, do lado da procura, uma necessidade que é premente e transversal a todos os sectores e, do lado da oferta, um conjunto de áreas de conhecimento científico e tecnológico onde Portugal tem fortes competências e capacidades (recursos humanos, laboratoriais, de demonstração, etc.)”.
Mais recentemente, os temas ligados à sustentabilidade têm vindo a assumir igualmente uma importância crescente, reconhece o mesmo responsável, fruto dos desafios e das prioridades associados à descarbonização ou à economia circular. “Existem também dois setores onde se têm verificado dinâmicas muito interessantes nos últimos anos, correspondendo a um maior alinhamento e equilíbrio entre as capacidades científicas e as dinâmicas empresariais – Saúde e Agricultura e Florestas”.
A juntar a estas, as áreas dos Materiais e do Mar, importantes para temas como a Energia ou da Sustentabilidade, prometem também ganhar um espaço de maior destaque na I&D nacional, uma vez que a capacidade nacional de produção de conhecimento científico e tecnológico existe e tem potencial para gerar mais impacto económico e social. Seja através de empresas que já existem, seja através de novas empresas de base tecnológica”, sublinha ainda José Carlos Caldeira.
Este artigo faz parte do Especial Fundos Europeus de apoio à I&D: o que mudaram nos negócios das empresas portuguesas?
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