Existe alguma discussão sobre qual foi o primeiro smartphone com uma câmara fotográfica. A Samsung reclama para si o primeiro modelo com uma câmara embutida, o SCH-V200 em 2000, num tempo em que os equipamentos eram identificados com códigos estranhos, em vez dos nomes pomposos atuais. Mas também existe registo de que o Kyocera Visual Phone VP-210 tenha saído antes, em maio de 1999, no mercado japonês.
O certo é que colocar uma câmara, com resoluções tão limitadas como 0,11 megapixéis, num smartphone nesta altura era mais visto como um gimmick, do que propriamente algo útil para o utilizador. Longe de pensar que cada pessoa iria andar como uma câmara fotográfica no bolso, quando por si já era um luxo de fazer chamadas fora de casa e estar sempre contactada. E óbvio, nem internet existia, tampouco redes sociais, no smartphone para partilhar fotografias. A palavra selfie ainda não tinha sido inventada.
Fazendo a comparação dos primórdios com a atualidade, não apenas queremos ter uma câmara fotográfica utilizável em poucos segundos, como queremos ter a melhor imagem possível, com a resolução bem definida, capaz de fotografar tanto nos ambientes exteriores, como em locais onde a luz é escassa. E geração, após geração, as fabricantes continuam a digladiar-se para oferecer a melhor experiência fotográfica possível, sendo a qualidade da câmara, na maior parte das vezes, decisiva como fator de escolha de um novo smartphone.
Mas apesar de ser dado como garantido um smartphone ter uma câmara fotográfica, o formato destes equipamentos, de natureza pequena, coloca desafios às fabricantes. Já pensou na tecnologia que se encontra dentro de uma DSLR para justificar o seu tamanho e peso? Como colocar tudo isso, ou grande parte dessa tecnologia, num formato de smartphone? A falta de espaço para os grandes sensores de imagem ou a falta dos botões dedicados impedem uma maior ergonomia dos equipamentos. Esses controlos são transferidos para o ecrã tátil do smartphone, o que obriga também o utilizador a olhar para o ecrã em vez do sujeito a fotografar.
Ainda que se façam comparações ligeiras entre os módulos fotográficos dos modelos topo de gama com características de câmara profissional DSLR, são os resultados das imagens que contam. E neste campo, não há margem para comparações, os smartphones não foram definitivamente construídos para substituir uma câmara dedicada. Veja-se a necessidade de compressão para ter um peso de ficheiro ideal para partilhar online nas redes sociais. Mas isso afeta as cores e a riqueza do detalhe das imagens.
A fotografia nos smartphones pelos olhos da Hasselblad, Leica e Zeiss
É nesse sentido que se procuram introduzir características como a capacidade de zoom, lentes mais poderosas com mais megapixéis, processadores mais rápidos e software capaz das melhores interpretações do cenário para reproduzir nas fotografias. E é aqui que entram em campo as parcerias com especialistas da indústria como a Hasselblad, Leica e Zeiss.
Mais que uma simples manobra de marketing, não se espera uma revolução nos smartphones, mas sim um pouco da magia que estas marcas históricas ligadas à indústria da fotografia conseguem adicionar aos equipamentos. Por norma, estas três marcas históricas fazem parcerias de exclusividade com uma fabricante.
Por exemplo, a Leica era a parceira da Huawei, nos tempos em que ameaçava a liderança da Samsung, antes da fabricante chinesa ter sido colocada na lista negra de acesso a tecnologia pelos Estados Unidos. Neste momento tem uma parceria com a Xiaomi e também um smartphone próprio, o Leitz Phone. A Zeiss mantém uma ligação com a vivo, atualmente a fabricante que mais vende no mercado chinês, mas começou com a Sony. A Hasselblad tem vindo a trabalhar com a Oppo, OnePlus e Realme, fabricantes do mesmo grupo, nos seus modelos topos de gama.
Xiaomi e Leica: casamento perfeito?
Olhando para a parceria da Xiaomi com a Leica, reforçada para os smartphones de nova geração que acabam de ser anunciados no Mobile World Congress, as lentes óticas apresentam maiores distâncias focais. Há uma teleobjetiva flutuante de 75 mm, a periscópica de 120 mm e uma ultra grande angular de 12 mm, todas construídas pela Leica. E tal como o Xiaomi 13, este conta com um sensor de imagem de 1 polegada na câmara principal, considerado o maior alguma vez introduzido num smartphone.
Mas mais que uma parceria de hardware, começa-se a ver a compensação das limitações do smartphone com funcionalidades de inteligência artificial. Na apresentação do Xiaomi 14 foi revelado a abertura do Instituto Ótico Xiaomi x Leica, com três laboratórios em Pequim para desenvolver e integrar imagens digitais e tecnologias de IA de forma interdisciplinar. Os primeiros resultados vão estar presentes no modelo topo de gama, o Xiaomi 14 Ultra.
Veja na galeria imagens do Xiaomi 14
A experiência da Leica permite ainda ajudar na configuração das câmaras, sobretudo na sua capacidade de captar a luz, mesmo em locais menos iluminados. Melhorar a qualidade de imagens dos interiores ou noturnas tem sido o objetivo de todas as fabricantes, agora também suportadas pela inteligência artificial. Os contrastes, texturas com mais definição, os detalhes gerais, a palete de cores são elementos onde a Leica também pode atuar com a sua engenharia.
Por outro lado, marcas como a Leica deixam outras marcas “registadas” nas câmaras fotográficas tradicionais, nomeadamente os filtros de imagem patenteadas. Os utilizadores ganham acesso a filtros icónicos da fabricante alemã, dando aspetos vintage às imagens ou saturação dos elementos. Ou alternar entre estilos, como o Leica Authentic Look ou Vibrant Look. O toque da cereja no topo do bolo é a emulação do som do obturador das máquinas fotográficas da Leica quando dispara uma foto.
A Leica tem mais de 100 anos de experiência na área da fotografia. É um século a refinar a excelência de imagem, a qualidade da fotografia, baseado na escola de precisão de engenharia alemã. A empresa tem investido na última década a replicar essa sua experiência no segmento dos smartphones, seja no processamento de imagens, qualidade de afinação de imagem e imagem computacional. O consórcio criado com a Xiaomi reflete exatamente a junção da especialidade de cada uma, a criar um smartphone topo de gama e um módulo fotográfico que pretende destacar-se no mundo mobile.
Quase 200 anos de experiência ótica da Zeiss na vivo
A Zeiss também tem uma experiência secular, ou melhor de quase dois séculos, considerando que foi fundada em 1846. A fabricante alemã é especialista em sistemas óticos e eletrónica ótica, mas também igualmente ligada à tecnologia oftalmológica, ou seja, na criação de lentes para óculos graduados. A Sony tem sido a sua principal parceira, desde que lançou a sua câmara de filma Hi8 Handycam em 1996, recorrendo a óticas da Zeiss.
Veja na galeria imagens do Vivo X100
A colaboração passou para o mundo dos smartphones, nomeadamente o modelo Xperia 1 II, considerado o primeiro do mundo com tecnologia de tracking AF/AE a 20 FPS. A Zeiss contribuiu com um revestimento das óticas antirreflexo (T* Coating). A sua tecnologia ótica permitiu criar uma câmara para smartphone com cores mais realísticas, nitidez, contraste e o chamado efeito bokeh.
De uma forma semelhante como a Leica e a Xiaomi se juntaram, também a Zeiss a vivo criaram um consórcio em 2020. A partir do modelo vivo X60, os smartphones receberam um sistema de imagem com engenharia partilhada.
Algumas das funcionalidades das lentes da fabricante alemã fazem parte, incluindo a ótica Zeiss, o revestimento T* Coating e as lentes que criam o icónico efeito de bokeh no modo retrato. No fundo, a parceria mantém as características premium da tecnologia da fabricante alemã na fotografia para smartphones.
Hasselblad registou a chegada do Homem à Lua
A Hasselblad é outra das fabricantes de câmaras fotográficas que dispensa apresentações. A empresa sueca é conhecida pelos seus modelos analógicos de formato médio. E tornou-se muito conhecida pelas suas câmaras que foram usadas no programa Apollo da NASA, que levou o Homem à Lua. Praticamente todas as fotografias registadas nessas missões foram captadas com câmaras da Hasselblad.
Veja o vídeo
A fabricante estabeleceu uma parceria com a Oppo, abrangendo ainda as suas subsidiárias OnePlus e Realme. O principal destaque da sua experiência fotográfica é a capacidade de captar imagens com grande detalhe nas cores naturais, contrastes afinados e os pormenores.
Mas são as ferramentas profissionais que a Hasselblad traduziu do analógico para o digital. Através do Hasselblad Pro Mode, os utilizadores podem fazer ajustes profissionais no ISO, no foco, exposição, entre outras definições. A possibilidade de captar imagens RAW de 12-bits para poderem ser tratadas e editadas em pós-processamento é outra característica. As lentes dos smartphones com o selo Hasselblad também são otimizadas pela fabricante, incluindo capacidade de zoom ótico 10X.
Outra característica da Hasselblad é o modo XPan, uma tecnologia desenvolvida em 1998 em parceria com a Fuji, que revolucionou a indústria e foi utilizado em modelos como o OnePlus 9 Pro. Basicamente quando o utilizador pressiona o botão de disparo, a imagem congela, sendo apresentado primeiro em formato de filme negativo, sendo depois transformado numa fotografia normal, registado no smartphone.
O objetivo estético é dar aos utilizadores um tom vintage às imagens e também a perceção da transformação das fotografias quando eram ainda desenvolvidas em ambiente de laboratório, nas câmaras escuras. Este modo, quando introduzido nas câmaras fotográficas analógicas, permitia aos fotógrafos alterar entre o modo normal e panorâmico sem mudar de rolo.
De um modo geral, a experiência das fabricantes clássicas de câmaras fotográficas e ótica, com dezenas e centenas de anos de experiência, têm vindo a contribuir para a melhoria dos sistemas dos smartphones. Há sempre um pouco de marketing associado nestas parcerias, mas no lado do utilizador as funcionalidades pretendem fazer a diferença.
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