A ANACOM concluiu uma avaliação preliminar sobre um conjunto de mercados ligados à prestação do serviço de acesso à Internet em local fixo e entende agora que deve ser imposta à Altice/MEO o acesso à sua rede de fibra ótica em 612 freguesias do país, considerando que a operadora tem poder de mercado significativo nestas áreas. A entidade reguladora chamou os jornalistas para explicar a decisão, numa conferência que o SAPO TEK acompanhou esta manhã.

A avaliação do regulador do mercado das comunicações conclui que, nas 612 freguesias identificadas, maioritariamente na zona centro e nas ilhas da Madeira e Açores, os clientes, utilizadores finais e empresas, não têm acesso a ofertas de fibra e internet em condições concorrenciais, quer em termos de preço quer em diversidade. Isso levou a que a ANACOM tenha apresentado três sentidos prováveis de decisão que se consolidam em várias medidas aplicadas à Meo, Fastfiber e Fibroglobal, que foi adquirida em 2022 pela Fastfiber. Os documentos vão agora ser sujeitos a consulta pública, durante 30 dias, seguindo-se o relatório da ANACOM, a apresentação de conclusões à Comissão Europeia e um relatório final, pelo que é expectável que só venham a produzir efeitos no segundo semestre de 2023. 

Cadete de Matos, presidente da ANACOM, explica aos jornalistas que o objetivo destas medidas é reforçar a concorrência nestas freguesias, onde a análise do regulador identificou assimetrias, lembrando porém que está a decorrer o processo para o lançamento de um concurso para a cobertura das chamadas zonas brancas com redes de alta velocidade, que teve já várias consultas públicas e que ainda não está no terreno. As últimas notícias apontavam para o lançamento do concurso até final do primeiro trimestre de 2023, o que não aconteceu.

O responsável pela ANACOM referiu ainda que estas medidas se enquadram num plano mais alargado de melhoria de acesso às telecomunicações, onde se integram ainda as decisões do leilão do 5G com as obrigações de cobertura e com a imposição do roaming nacional.

A Altice/MEO é a empresa visada pela ANACOM pelo poder de mercado que tem nas freguesias identificadas, mas segundo a análise partilhada também a NOS e a NOWO possuíam uma quota de mercado relevante em algumas zonas, mas que acabaram por não ser consideradas por não terem impacto significativo. Segundo os dados, a NOS tinha poder de mercado significativo em seis freguesias, com rede de cabo coaxial, e a NOWO em uma freguesia.

Para além do acesso à rede de fibra ótica a outros operadores, limitado a estas 612 freguesias agora identificadas, a ANACOM impõe também à MEO/Altice o acesso a condutas e postes em todo o país, com as ofertas de ORAC e ORAP, que podem ser usados por outros operadores para construir as suas infraestruturas.

O SAPO TEK contactou a Altice Portugal que confirmou estar a analisar o Sentido Provável de Decisão divulgado pela ANACOM. "Sem prejuízo de estarmos a analisar os documentos em detalhe, com vista a preparar a nossa pronúncia dentro do prazo previsto, sublinhamos que qualquer intervenção regulatória não poderá deixar de ser adequada e proporcional, e ter presente quer a promoção do investimento, quer a necessidade de garantir a previsibilidade regulatória", explica fonte oficial da operadora.

A empresa lembra ainda "o forte investimento privado que temos vindo a realizar em todo o país, no que concerne à modernização das infraestruturas de comunicações, o qual, nos últimos anos, rondou os 500 milhões de euros/ano e permitiu a construção daquela que é hoje uma das maiores redes de fibra ótica da Europa, disponível para ser utilizada por todos os operadores, e garantindo a igualdade de acesso e oportunidades a todos os Portugueses, sem qualquer discriminação territorial".

Análise extensa à concorrência no mercado português

Durante a apresentação do relatório e dos três sentidos prováveis de decisão que foram hoje divulgados, Cadete de Matos sublinhou que esta é uma análise extensa aos vários mercados, que foi conduzida pelas equipas internas nos últimos "três a quatro anos".

Luis Gaspar, da direção geral de concorrência, adiantou ainda que este tipo de análise é feita de forma regular e que se concluiu que "em algumas zonas do país, nestas 612 freguesias, o nível de concorrência não é tão elevado como achamos que devia ser, os consumidores e as empresas não dispõem de uma oferta concorrencial", em termos de diversidade e de preço, admitindo que os operadores podem não ter instalado fibra nessas zonas por não considerarem rentável.

O objetivo é que os utilizadores finais, e também as empresas, passem a ter mais opções para acesso à internet de alta velocidade, mas esta decisão hoje anunciada faz parte de um plano mais alagado para garantir um mercado mais concorrencial.  "Estamos a criar condições de concorrência [...] onde é possível haver concorrência em infraestrutura, permitir que cada operador possa ter capacidade de investir nas suas infraestruturas [...] noutras ter concorrência em serviços, e garantir que clientes têm acesso a variedade de ofertas e de preços", sublinhou Luís Gaspar. "Acreditamos que com esta medida vamos reforçar a concorrência".

ANACOM impõe à Altice/MEO o acesso à sua rede de fibra ótica em 612 freguesias do país
créditos: ANACOM

"São mais de 600 freguesias mas a mancha não é displicente", justifica Cadete de Matos, garantindo que para estas zonas "não vemos outra solução  [... ] ou desistíamos de ter concorrência ou esta é a única medida que pode ser tomada", afirmou, questionado pelo SAPO TEK sobre a possibilidade de adotar outro tipo de soluções. O responsável pelo regulador lembrou ainda que está subjacente a ideia de que "a concorrência é positiva e necessária e que a partilha das infraestruturas, passiva e cabos, faz sentido até para beneficio dos detentores da infraestrutura", e que não faz sentido económico em algumas zonas duplicar o investimento na criação de redes.

Segundo os dados partilhados, nestas 612 freguesias identificadas, cerca de 40% têm rede gerida pela Fibroglobal e a lista abrange mais de 90% das freguesias onde esta empresa grossista, que foi adquirida pela Fastfiber está presente.

O presidente da ANACOM afasta também a ideia de que o concurso para as zonas brancas iria reduzir as assimetrias na cobertura do território. "São dois alvos distintos", explica, adiantando que no caso do concurso que vai ser lançado o objetivo é financiar a instalação de um operador grossista em áreas onde não existe cobertura de fibra, enquanto neste caso se pretende que exista diversidade de oferta em freguesias onde já há rede da MEO instalada.

O acesso à rede de fibra da Altice/MEO era uma exigência antiga dos operadores concorrentes, nomeadamente da Vodafone, e que em 2016 a própria Comissão Europeia avançou com uma recomendação nesse sentido, que não foi acatada pela ANACOM. Na altura o regulador entendeu que as particularidades do mercado português não justificavam a abertura da rede de fibra ótica da MEO, em zonas consideradas não concorrenciais, às restantes operadoras.

"As condições de mercado mudaram", explica Carla Amoroso, responsável de divisão do departamento de concorrência da ANACOM, indicando que houve alteração de comportamentos e de necessidade de tecnologia, mas também novas condições de mercado, como a preparação do concurso de cobertura das zonas brancas, tudo fatores que foram considerados nesta análise.

Decisões em três mercados distintos

Em comunicado, a ANACOM indica que, a 26 de abril, aprovou os sentidos prováveis de decisão (SPD) sobre o "mercado de infraestruturas físicas; mercado de acesso local grossista num local fixo; mercado de acesso central grossista num local fixo; mercado grossista de acesso a capacidade dedicada; e mercados geográficos relativos aos segmentos de trânsito de circuitos alugados grossistas, designadamente o mercado dos circuitos CAM e Inter-Ilhas".

Quadro Anacom SPD 2023 fibra

"Nestes mercados, a MEO ou as empresas do Grupo Altice são identificadas como empresas com poder de mercado significativo (PMS)", afirma a ANACOM, que impõe à empresa um "conjunto de obrigações adequadas e proporcionais, com o objetivo de favorecer a emergência de mercados concorrenciais e que funcionem em benefício dos cidadãos e dos consumidores".

Entre as obrigações em questão, a entidade reguladora destaca a "manutenção da obrigação de disponibilizar uma oferta de referência de acesso a postes (ORAP) e uma oferta de referência de acesso a condutas (ORAC) em todo o território nacional".

Segundo a ANACOM, a possibilidade de outras operadoras poderem utilizar os postes e condutas da MEO/Altice de modo a construírem condutas próprias "tem sido relevante para o desenvolvimento de redes de Internet de elevada capacidade no país", sendo visto pela entidade como "instrumental" para a promoção da concorrência no mercado.

No entanto, a ANACOM indica que a "regulação do acesso às infraestruturas físicas da MEO, nomeadamente a dos postes e das condutas, não se revelou suficiente para a promoção da concorrência em algumas zonas do país".

"Assim, em 612 freguesias em que não existe concorrência efetiva, e onde não é expectável que se esta se desenvolva num horizonte temporal relevante, a ANACOM entende que deve ser imposta à Altice/MEO uma nova obrigação regulamentar de acesso à sua rede de fibra ótica", realça a entidade reguladora.

O objetivo é que outros operadores possam "prestar serviços aos cidadãos e aos outros agentes económicos destas freguesias" ao acederem à rede de fibra ótica da MEO/Altice. A ANACOM defende que, através desta medida, as freguesias "poderão passar a contar com uma maior variedade de ofertas, mais inovadoras e a preços competitivos".

O entendimento da entidade reguladora é de que deve ser "imposta uma obrigação grossista de acesso local virtual a fibra", assim como uma "obrigação de acesso a um nível mais centralizado", disponibilizando às operadoras alternativas "conectividades com débitos configuráveis até 1 Gbps, entre o ponto terminal de um acesso agregado e o ponto terminal do acesso local".

A ANACOM avança que as três SPD aprovadas serão agora submetidos a uma audiência prévia das entidades interessadas, assim como a uma consulta pelo prazo de 30 dias úteis.

De notar ainda que entre as decisões que foram apresentadas está a remoção das imposições que eram impostas no acesso à rede de cobre, na rede ADSL PT e oferta ORALL, que vão ser desativadas no prazo de 24 meses, enquanto a obrigação de oferta de ORCE, nos circuitos Ethernet, deverá ser removida no prazo de 24 meses. Em sentido inverso a ANACOM decidiu manter e reforçar a oferta de circuítos Continentem, Açores e Madeira (CAM) e Inter-ilhas, que passam a contar com uma nova oferta com capacidade adicional de 100 Gbps.

Nota da Redação: A notícia foi atualizada com mais informação após a conclusão da apresentação da ANACOM e posteriormente com a reação da Altice. Última atualização 21h49