A decisão foi aprovada ontem, em reunião plenária da Comissão, e já foi comunicada à empresa responsável pelo tratamento dos dados, a Worldcoin Foundation, que deverá no espaço de 24 horas limitar a recolha de dados biométricos. A suspensão da atividade que decorre desta decisão é válida por 90 dias, durante os quais a CNPD deverá emitir a decisão final.

"Esta ordem de limitação temporária da recolha de dados biométricos pela Worldcoin Foundation é, neste momento, uma medida indispensável e justificada para obter o efeito útil da defesa do interesse público na salvaguarda dos direitos fundamentais, sobretudo dos menores", defende Paula Meira Lourenço, presidente da CNPD.

A Autoridade Nacional de Controlo de Dados Pessoais avançou com uma decisão semelhante à da autoridade espanhola, a AEPD, que no início do mês suspendeu também a recolha e tratamento de dados da Worldcoin em Espanha, usando os poderes definidos no Regulamento Geral de Proteção de Dados. Outras autoridades de proteção de dados estão também a investigar a operação da Worldcoin mas só Portugal e Espanha avançaram com a suspensão da atividade.

A autoridade de controle é a alemã BayLDA que confirmou ao SAPO TEK na semana passada que continua a investigar a atividade da Worldcoin, que tem sede no país, e que está a preparar um documento de auditoria mais detalhado, esperando "comunicar um resultado preliminar da investigação nas próximas semanas".

A plataforma Worldcoin foi criada em 2019 por Alex Blania e Sam Altman, fundador da OpenAI, a empresa que desenvolveu o ChatGPT. O objetivo é criar uma rede de identificação global, com o World ID, permitindo verificar a identidade dos utilizadores e a sua "humanidade" e por isso a organização, que está integrada na Tools for Humanity, está a recolher dados biométricos em vários países usando o Orb, uma esfera desenvolvida pela empresa para fazer o scan da íris. Em troca oferece tokens, criptomoedas, que têm valorizado exponencialmente, o que aumentou o interesse dos utilizadores em entrar na rede.

Medida provisória urgente

"A adoção desta medida provisória urgente surge na sequência de largas dezenas de participações recebidas na CNPD no último mês, dando conta da recolha de dados de menores de idade sem a autorização dos pais ou outros representantes legais, bem como de deficiências na informação prestada aos titulares, na impossibilidade de apagar os dados ou revogar o consentimento, que tornou imperiosa a necessidade de agir por parte da CNPD", refere o comunicado enviado à imprensa.

O SAPO TEK sabe que a CNPD já estava a acompanhar a atividade da Worldcoin desde o verão do ano passado, quando começaram as primeiras atividades de recolha de dados, mas que a análise estava ainda em desenvolvimento e o projeto "em fase decisória". Desde o início do ano começaram a chegar à autoridade queixas de cidadãos, preocupados com a recolha de dados, em alguns casos referindo o envolvimento de menores.

A CNPD indica ainda que "a cobertura noticiosa feita pelos órgãos de comunicação social trouxe também ao conhecimento da CNPD que mais de 300 mil pessoas em Portugal já tinham fornecido os seus dados biométricos, condição indispensável para receber um determinado valor em criptomoeda, designada por Worldcoin". Segundo a mesma fonte, os locais de recolha de dados através do dispositivo “Orb”, situados em grandes superfícies comerciais, quase que duplicaram em seis meses.

Os dados a que tivemos acesso indicam que em setembro do ano passado a Worldcoin estava a recolher dados em 9 locais de Portugal mas que este número quase duplicou até agora, quando a operação passou a ser realizada em 17 locais. 

A afluência e interesse dos utilizadores faz com que a Worldcoin sugira que seja feita uma marcação prévia do scan da iris através da aplicação World App, para poderem recolher os tokens. Depois é preciso que se desloquem aos locais para a verificação da identidade através do Orb, a esfera prateada que foi desenvolvida pela empresa para recolha dos dados biométicos.

Veja nas imagens a Orb da Worldcoin

"A grande afluência de pessoas, incluindo de menores, para aderir ao projeto Worldcoin e receber tokens levou à necessidade de marcação prévia do processo de registo e recolha dos dados biométricos", sublinha a CNPD, acrescentando que não existe "qualquer mecanismo de verificação de idade dos aderentes".

A presidente da CNPD já se tinha pronunciado sobre a importância de salvaguardar os dados pessoais e os riscos do tratamento. "Os dados biométricos são qualificados como dados especiais no RGPD e gozam, por isso, de uma proteção acrescida, sendo os riscos do seu tratamento elevados", refere a autoridade em comunicado, adiantando ainda que "os menores são pessoas especialmente vulneráveis e são também objeto de uma proteção especial por parte do legislador europeu e nacional, por poderem estar menos cientes dos riscos, consequências e garantias do tratamento dos seus dados pessoais, bem como dos seus direitos".

"Perante as circunstâncias atuais, em que se verifica a ilicitude no tratamento dos dados biométricos dos menores, associada às potenciais violações de outras normas do RGPD, a CNPD entendeu que o risco para os direitos fundamentais dos cidadãos é elevado, justificando uma intervenção urgente para prevenir danos graves ou irreparáveis", pode ler-se no comunicado.

A CNPD diz que vai continuar a sua averiguação, com diligências adicionais e a análise das participações que diariamente continua a receber, tendo em vista a conclusão do processo.

Questionada pelo SAPO TEK a Worldcoin já comentou a decisão da CNPD.  Jannick Preiwisch, Responsável pela Proteção de Dados na Worldcoin Foundation, diz que "a Worldcoin está em total conformidade com todas as leis e regulamentos que regem a recolha e transferência de dados biométricos, incluindo o Regulamento Geral de Proteção de Dados da Europa. A Worldcoin Foundation tem o maior respeito pelo papel e responsabilidades das autoridades de proteção de dados, incluindo a CNPD em Portugal".

"Desde que oferecemos serviços de verificação de humanidade em Portugal, temos sido completamente transparentes e disponíveis para responder às questões ou preocupações da CNPD. O relatório da CNPD é o primeiro contacto que temos da parte deles sobre muitos destes assuntos, incluindo o tema de verificações por menores em Portugal, para o qual temos tolerância zero e estamos a trabalhar para resolver em todas as instâncias, mesmo que sejam poucas situações”, refere Jannick Preiwisch.

Nota da Redação: A notícia foi atualizada com mais informação e o comentário da Worldcoin. Última atualização 10h42