Não há números rigorosos sobre o peso do jogo online em sites não licenciados no mercado português, mas a convicção da associação que representa o sector é que estes operadores podem ficar com quase metade dos valores apostados online pelos portugueses. Se quase metade da receita passar ao lado do mercado regulado, acontecerá o mesmo com os impostos associados.

Um estudo anual da Aximage para a APAJO - Associação Portuguesa de Jogos e Apostas Online revelou que cerca de 40% dos jogadores apostam em parte, ou exclusivamente, em operadores não licenciados.

“Não temos dados concretos sobre o que isso representará do ponto de vista de negócio e consequentemente de receitas fiscais perdidas, mas é bastante possível que a percentagem de receita bruta de jogo perdida possa ser superior a esses 40%”, admite Ricardo Domingues, presidente do Conselho Diretivo da associação.

Do lado dos operadores licenciados, que atualmente são 17, com uma oferta que vai dos jogos de casino às apostas desportivas, no ano passado foram pagos mais de 209 milhões de euros em Imposto Especial de Jogo Online. Já este ano, e só no primeiro trimestre, foram parar aos cofres do Estado 63,1 milhões de euros.

Os números dos meses seguintes ainda não foram tornados públicos, mas deverão alterar pouco a distribuição entre jogo online e offline, face a 2022, quando o online captava 35% das receitas totais brutas de jogo (658 milhões de euros).

As taxas aplicadas à atividade em Portugal serão das mais elevadas da Europa. Nas apostas desportivas, exemplifica a APAJO, a base de incidência é o volume de apostas e como tal “os operadores pagam imposto, independentemente de a aposta ser ganha ou perdida pelos jogadores”, explica Ricardo Domingues. O mercado paralelo escapa ao peso dos impostos e de outras regras que as empresas licenciadas têm de cumprir para proteger quem joga.

O controlo destas atividades ilícitas é da responsabilidade do SRIJ, o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos do Instituto do Turismo de Portugal, que usa três instrumentos principais para tentar evitar a proliferação e o acesso a casinos e sites de apostas ilegais.

“Sempre que o SRIJ tem conhecimento de um sítio na Internet que disponibilize jogos e apostas online por uma entidade que não esteja para o efeito licenciada, notifica essa entidade para cessar a atividade e remover o serviço de jogos e apostas online da Internet”, explica o organismo.

Quando o encerramento não é feito de forma voluntária, é pedido aos operadores de internet o seu bloqueio. Nalguns casos é também feita participação criminal junto do Ministério Público.

Outra prioridade têm sido os esforços para “limitar a publicidade que é feita aos operadores ilegais de jogo online, tendo vindo a ser desenvolvidas diversas ações de monitorização e de sensibilização junto dos meios que disponibilizam tais conteúdos”. Este ano já houve várias notícias sobre a divulgação por influencers ou youtubers (no âmbito de parcerias remuneradas) de casinos online sem licença para operar em Portugal.

Nos primeiros três meses deste ano, o SRIJ fez 30 notificações a empresas para encerramento e pediu aos ISPs o bloqueio de 72 sites. Participações ao ministério público foram feitas três.

Portugueses apostaram online 38 milhões de euros por dia no primeiro trimestre

Desde que o jogo online é regulado em Portugal (2015) foram feitas 1.124 notificações para encerramento; 1.441 pedidos de bloqueio de sites aos ISPs e 24 participações ao MP. Só no último ano, o SRIJ pediu aos operadores para bloquearem uma média de 70 sites por trimestre. Os dados oficiais não o referem, mas não é difícil imaginar que muitos destes sites pertençam às mesmas empresas, que vão mudando de designação e endereço web e mantendo o negócio, às custas de uma espécie de jogo do gato e do rato. Do lado dos jogadores a procura mantém-se, seja por desconhecimento, indiferença ou apelo de prémios mais atraentes.

Mesmo assim, o SRIJ diz que o peso desta oferta paralela estará a diminuir. O aumento do número de registos de jogadores em plataformas licenciadas e o crescimento do respetivo volume de jogo serão sinais da preferência crescente de quem joga por um “ambiente regulado e controlado”.

No universo do mercado regulado, os dados mais recentes do SRIJ mostram que nos primeiros três meses deste ano, o jogo online gerou receitas em Portugal de 196,4 milhões de euros, quase o mesmo que nos três meses anteriores, mas mais 24,8% que há um ano. Cresceram as receitas com as apostas desportivas (em 7,9 milhões de euros) e as receitas associadas a jogos de fortuna e azar (mais 31,1 milhões de euros).

Ainda assim, o jogo online em Portugal continua a ser um mercado pequeno, comparado com outros na Europa e mesmo que os números possam impressionar: só entre janeiro e março foram apostados online em casinos e provas desportivas 3,4 mil milhões de euros, qualquer coisa como 38 milhões de euros por dia.

Os diferentes níveis de maturidade de cada país e entre ofertas não facilitam comparações entre geografias. Ainda assim, é possível fazer algumas. “Se compararmos, por exemplo, com a Suécia – um mercado com uma população similar à portuguesa - o sector dos jogos e apostas online gerou 2,24 mil milhões de euros em receita brutas de jogo no ano passado, enquanto o mercado português gerou 658 milhões”, aponta Ricardo Domingues. Na Suécia, o online gera quatro quintos da receita total de jogo e estão licenciadas 70 empresas.

80% do jogo online na Suécia passa pelo mercado regulado. Em Portugal pode ser menos de metade

Em Portugal o online vale menos de metade desse bolo e o número de operadores é quase quatro vezes inferior, sendo por isso expectável que continue a crescer e a assistir-se a uma transferência dos jogadores, da oferta física para o jogo online.

Um aspeto positivo deste crescimento lento, na perspetiva da APAJO, é que tem permitido a Portugal ser “um caso de estudo no que diz respeito à sustentabilidade”. A evolução tem sido controlada e com menos problemas de jogo responsável. Menos positivo é o volume de atividade que continua a escapar a quem opera legalmente. Voltando à comparação com a Suécia, 80% do jogo online naquele país faz-se através de operadores licenciados. Em Portugal, pode ser menos de metade.

“O jogo ilegal não contribui financeiramente para a economia portuguesa”, nota Américo Loureiro, da Solverde.pt. Ao contrário, o mercado legal tem um “impacto direto na criação de empregos e de uma indústria nacional que desenvolve a economia e a cultura”.

“Independentemente da dimensão das equipas locais estas empresas acabam por contratar serviços jurídicos, administrativos, tecnológicos (mesmo fora do jogo online em si), de consultoria, ou fazer publicidade, gerando um impacto positivo na economia”, que vai além do valor pago em licenças, impostos e compromissos regulatórios. Algumas estão ainda a escolher Portugal para criar hubs que servem também outros mercados, acrescenta Ricardo Domingues.

No caso da Solverde, a maior parte dos recursos continuam em Espinho, onde a empresa arrancou com o negócio do jogo em 1974. O crescimento das operações, no entanto, tem alargado a base de colaboradores a outras zonas do país e criado espaço para novas parcerias, nomeadamente com estúdios nacionais que desenvolvem jogos para o casino online, explica Américo Loureiro, classificando o mercado de jogo online em Portugal já como “altamente competitivo”.

Nesta vertente online, o grupo conta hoje com uma oferta de mais de 2000 jogos, de 26 estúdios diferentes, para os 450 mil jogadores inscritos, entre quem joga no casino e quem faz apostas online. No ano passado entregou 1.150 milhões de euros em prémios online, mais 35% que no ano anterior, e nos primeiros seis meses deste ano 140 milhões.

Este artigo integra um especial que o SAPO TeK vai publicar ao longo da semana e que vai também abordar o peso do jogo online ilegal, as ferramentas de jogo responsável à disposição de quem joga e a visão de especialistas sobre sinais de alerta e formas de lidar com a exposição dos mais jovens aos ecrã.