Ainda antes do ChatGPT ter sido lançado, acelerando a adoção da Inteligência Artificial Generativa, dois consórcios avançaram em Portugal com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Somam um valor acima dos 110 milhões de euros de investimento, com planos de ação a três anos que previam a criação de produtos baseados em IA, dinamização de várias iniciativas e criação de emprego. Demasiado ambicioso? Talvez não, até porque os promotores garantem que o impacto já se sente no terreno.
A um ano do fim dos projetos, fomos perceber qual o estado de desenvolvimento e das metas a atingir até final de 2025, num contexto onde a tecnologia evoluiu de forma muito rápida e numa altura em que o Governo avançou com o desenvolvimento de um Large Language Model próprio, o AMÁLIA. A criação de novas soluções de IA, o desenvolvimento, atração e fixação de talento nesta área e a sinalização de Portugal como um “agente” relevante na Inteligência Artificial são algumas das conquistas apontadas.
Logo à partida os consórcios Accelerate.AI, liderado pela Defined.ai e o Center for Responsible AI, liderado pela Unbabel, tinham contextos e planos diferentes, assim como número de parceiros, embora alguns objetivos semelhantes. O Accelerate.AI soma dois anos no terreno enquanto o Center tem pouco mais de um ano, e continuam a destacar-se elementos diferenciados, entre os quais se notam a taxa de execução que é de 50% no projeto conduzido pela Unbabel e apenas 25% no dinamizado pela Defined.ai.
O SAPO TEK falou com os responsáveis pelos dois consórcios para perceber qual a taxa de evolução e o cumprimento das metas, entre as que são facilmente quantificáveis como o número de postos de trabalho criados e a taxa de execução, e as mais qualitativas, de desenvolvimento de “produtos” e aplicação prática no terreno. A ambição é grande e o optimismo com a capacidade de cumprir objetivos também, assim como a visão do impacto que as iniciativas têm em Portugal e na Europa.
Para já ambos estarão também envolvidos no desenvolvimento do modelo AMÁLIA, como adiantou em primeira mão ao SAPO TEK a ministra Margarida Balseiro Lopes, em entrevista, explicando que o objetivo é rentabilizar também os investimentos que foram já feitos.
Center for Responsible AI e a aceleração da tecnologia
“Criámos este projeto antes do “boom” da IA generativa, já com a consciência do enorme potencial da inteligência artificial e que precisava de ser desenvolvida de forma ética e responsável. Contudo, este momento de expansão muito acelerada da IA em todo o mundo trouxe uma nova dimensão ao nosso trabalho”, explica Paulo Dimas, líder do Center for Responsible AI e vice-presidente de inovação da Unbabel.
“O impacto do Centro tem ido para além do que perspetivámos. Ganhámos uma relevância que no início não antecipávamos […] O nosso objetivo sempre foi contribuir para posicionar Portugal como um farol global de IA responsável. E podemos dizer que estamos a conseguir”, sublinha Paulo Dimas.
O projeto do Center for Responsible AI teve início a 1 de outubro de 2022, ainda antes do lançamento do ChatGPT da OpenAI, e a ficha de projeto refere um investimento de 77, 2 milhões de euros, prevendo gerar um impacto de mais de 217 milhões de euros em exportações, a criação de 215 novos postos de trabalho e o posicionamento de “Portugal como líder mundial em princípios e políticas de IA Responsável de forma a influenciar a regulamentação europeia e a atrair talento internacional e investimento estrangeiro”.
Paulo Dimas diz que até à data já foram investidos quase 39 milhões de euros, resultando numa execução financeira superior a 50%. Foram criados 163 novos postos de trabalho, e apoiados mais de 40 alunos de mestrado e doutoramento, e entre as conquistas somadas refere a promoção de “iniciativas de grande relevância, estando a gerar um impacto que, em muitos aspetos, ultrapassa as expectativas iniciais, nomeadamente no que respeita ao sucesso do modelo de inovação que introduzimos e à mobilização do ecossistema de IA em torno de um objetivo comum: promover a inovação em IA em Portugal, com o desenvolvimento de produtos capazes de gerar valor económico para o país, tendo sempre como base os princípios de IA Responsável” .
“Foram já criados 18 “Product Pods”, parcerias colaborativas compostas por uma startup, centro(s) de investigação, e líder(es) de indústria, em torno do desenvolvimento de um produto específico”, detalha, explicando que “esta abordagem tem promovido um círculo virtuoso de investigação e inovação, incentivado pela própria arquitetura do Consórcio, concebida para que as startups apresentem desafios de investigação orientados para produtos aos centros de investigação”.
Além da criação dos postos de trabalho “altamente qualificados” e apoio a estudantes de Mestrado e Doutoramento, são referidos a publicação de artigos científicos que resultam do trabalho de investigação, o registo de propriedade intelectual pelas startups do centro, com 15 registos concluídos ou em curso), assim como a organização de workshops científicos focados nos pilares de IA Responsável, mas também em torno de temáticas como a Regulação em IA ou os desafios éticos da IA.
O consórcio conta com 25 parceiros empresariais e do sistema de I&ID, que podem assegurar todo o ciclo de inovação, desde a fase de I&D até à comercialização. Na lista estão Paulo Dimas explica que tem gerado grande interesse de várias entidades, que se materializou em colaborações, nomeadamente com a Unicorn Factory Lisboa onde está associado ao AI Hub de Alvalade, e a Bridge AI, uma iniciativa que juntou inúmeros parceiros para discutir a implementação do recém-aprovado Regulamento Europeu sobre a Inteligência Artificial (AI Act).
A começar o último ano do projeto, o foco vai estar sobretudo na conclusão e validação comercial dos produtos desenvolvidos e na exploração de novas oportunidades de inovação em IA responsável.
“O nosso foco sempre esteve em potenciar a inovação com IA, garantindo que fosse usada de maneira responsável, abordando questões como a equidade, explicabilidade e eficiência energética. Com a crescente popularidade do tópico, a nossa missão ganhou urgência e visibilidade. A IA tem o potencial de transformar indústrias inteiras, mas também vem com riscos que têm de ser abordados, áreas nas quais estamos profundamente envolvidos”, admite Paulo Dimas.
Como resultado do sucesso do modelo de inovação criado, o responsável pelo centro diz que o objetivo é “trabalhar na sua continuidade para lá do final do PRR”. Vão ser reforçadas as parcerias existentes e estabelecer novas, “projetando o Center for Responsible para o futuro”.
“Queremos que Portugal e a Europa sejam uma referência global em IA Responsável e com isso atrair e reter o melhor talento em Inteligência Artificial”, destaca Paulo Dimas.
Accelerate.AI com agenda focada na língua portuguesa
O consórcio liderado pela Defined.AI começou mais cedo do que o Center for Responsible AI, em janeiro de 2022, mas o nível de execução é menor, aproximando-se de 25% do valor total. Em entrevista ao SAPO TEK, Daniela Braga lembrou que “o consórcio é mais pequeno” mas que está em linha com o cumprimento dos objetivos definidos.
Segundo os dados partilhados, até 30 de setembro deste ano tinham sido investidos 8,3 milhões de euros, o que corresponde a 25% do valor total, de 34,5 milhões. Na ficha de projeto não há metas de criação de emprego, nem geração de valor, definindo-se que “a Agenda Accelerat.ai vai promover Portugal como nação capaz de contribuir para uma cadeia de valor ponta a ponta e para o desenvolvimento call centres tecnológicos impulsionados por Inteligência Artificial (dos dados à construção de modelos para as suas aplicações, assegurando integração e suporte de infraestruturas), dado o valor dos produtos e serviços a serem desenvolvidos e a abrangência das aplicações”.
Ao SAPO TEK o consórcio adianta que foram já criados 32 empregos e o projeto tem várias fases que contribuem para o desenvolvimento do produto final.
“Neste momento, já concluímos a primeira fase de recolha dos dados para treinar os modelos, que é a mais longa e complexa do desenvolvimento de qualquer sistema de IA, e estamos a treinar o modelo com estes dados”, refere, adiantando que “em paralelo, no contexto do nosso consórcio, até ao final de setembro deste ano já tinham sido publicados 16 artigos técnico-científicos”, indica.
Num ponto de situação a mesma fonte diz que, depois da fase de recolha de dados de treino em português de Portugal, estes “já estão a ser utilizados para treinar o modelo de speech-to-text, peça crucial do produto final e que estará finalizado no prazo definido. Durante a execução do projeto foi também feita uma alteração, aprovada pelo IAPMEI, para abranger mais línguas europeias no projeto, incluindo o inglês, alemão, francês, italiano e espanhol, que está já em execução.
Um dos projetos desenvolvidos no consórcio, que foi apresentado no Web Summit de 2023, é a Diana, uma assistente virtual com capacidade de falar em português europeu e o inglês.
"A Diana é o primeiro chatbot que reconhece português de Portugal, através da sua capacidade de code switching. Se lhe perguntar: Diana, where can I eat Bacalhau à Brás in Lisbon?, ela entende perfeitamente”, explicou Daniela Braga durante a apresentação no palco do Web Summit em 2023.
Depois disso não foram conhecidos desenvolvimentos, mas Daniela Braga garantiu ao SAPO TEK que “a Diana está viva e de boa saúde à espera de clientes que a levem”, admitindo que a Defined.ai tem estado muito ocupada com o desenvolvimento do mercado internacional e que a mudança do Governo em Portugal levou a que alguns projetos “fizessem um compasso de espera”.
E com a data de final do Accelerate.AI a aproximar-se, quais são os planos para 2025? O que está previsto para já é “a finalização do projeto, incluindo o treino dos modelos de speech-to-text e text-to-speech em português europeu, inglês, alemão, francês, italiano e espanhol”.
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