A produtora britânica Media Molecule, que faz parte da família de estúdios da Sony, não está interessada em criar “apenas” mais um jogo. Os seus títulos necessitam de oferecer ferramentas para os jogadores e fãs criarem os seus próprios projetos, sejam níveis, experiências ou mesmo jogos totalmente distintos das propostas inicialmente. LittleBigPlanet testou esse conceito, amealhando milhões de trabalhos dos fãs que todos podiam testar. E Dreams, o seu mais recente título, afinou todo esse conceito de “Joga, Produz, Partilha”, elevando-o a um novo nível.

O estúdio tinha mesmo a ambição de colocar Dreams nas plataformas escolares de aprendizagem, onde já constam outros nomes como Minecraft e Roblox. Isto porque Dreams tem ferramentas que o transforma num verdadeiro atelier de multimédia, com o editor de níveis, um estúdio de música e tudo o que os utilizadores necessitam para criar imagens artísticas e vídeo.

IADE
Devido à situação pandémica e a obrigação de isolamento, o curso de Game Design será dado online.

Abbie Heppe, diretora de comunicação da Media Molecule, já tinha referido ao SAPO TEK que estava a trabalhar com um grupo selecionado de educadores para desenvolver currículos e oportunidades de educação utilizando Dreams. Sobretudo ao nível da criação de protótipos rápidos de videojogos, noções de arquitetura e outras áreas ligadas a cursos e licenciaturas ligadas à indústria dos videojogos.

E esse mesmo conceito já chegou a Portugal, através de um curso de pós-graduação em Game Design do IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia. Filipe Pina é um dos mentores do projeto de ensino, convidado por Bruno Silva do IADE “após me ter visto a falar pela PlayStation Portugal no lançamento do Dreams em fevereiro de 2020. Perguntou-me se fazia sentido abrir uma Pós-Graduação de Game Design usando essa ferramenta. Obviamente que eu disse logo que sim, pois é perfeita para isto”, salienta o designer de videojogos em entrevista ao SAPO TEK.

Depois de várias conversas e reuniões, o curso começou com Filipe Pina a dar três aulas: Game Engines & Level Editors, Interactive Storytelling e a cadeira de Projeto em conjunto com um outro colega do IADE e outro dado pela Media Molecule. Antes disso, a PlayStation Portugal tinha promovido uma Game Jam totalmente dedicada a trabalhos feitos no Dreams.

O curso esteve para começar em dezembro, mas devido à pandemia de COVID-19 acabou por ser adiado para o final de janeiro. A pandemia “fez com que o arranque atrasasse uns meses pois tivemos de mudar a estrutura para funcionar online, o que com uma PlayStation 4 levanta alguns desafios. De lembrar que esta é uma pós-graduação bastante prática onde os alunos têm a maioria das aulas com o comando DualShock nas mãos e o Dreams na TV. Obviamente neste caso com streaming direto para os professores”.

Filipe Pina é um dos nomes mais conhecidos e com maior experiência na indústria de produção de videojogos em Portugal. Atualmente é produtor na Lockwood Lisboa, trabalhando com a equipa nacional, assim como as de Nottingham e Newcastle, no videojogo Avakin Life para smartphones. O jogo tem atualmente mais de um milhão de utilizadores diários e atualizações duas vezes por semana. Anteriormente, o designer trabalhou no projeto Off Grid (ainda por lançar) na Semaeopus. É mais conhecido pelo seu trabalho na Nerd Monkeys, na série Inspetor Zé e o Robot Palhaço, e antes como membro da portuense Seed Studios de Under Siege.

tek Filipe Pina
Filipe Pina é um dos mais experientes developers de videojogos em Portugal e um dos mentores do curso de game design na IADE.

Nos seus tempos livros trabalha em banda desenhada, tendo editado livros em Portugal e no estrangeiro com histórias premiadas. “Acabei de lançar a curta Monstros no serviço digital Comixology. Obviamente que, volta e meia, estes dois mundos cruzam-se, na altura do Under Siege lancei o prelúdio de 2 páginas que fazia parte da edição de imprensa e antes de entrar na Lockwood, produzi a BD "Monoman-Blackout" para o videojogo Deliver Us The Moon que saiu exclusivamente na edição especial da PS4, Xbox e PC”.

A sua vasta experiência serve agora para procurar e ensinar novos talentos. A base do curso do IADE é ensinar Game Design, que segundo Filipe Pina, é direcionado a qualquer pessoa. “Não precisa de saber desenhar ou programação. Ensinamos as bases teóricas de Game Design, a filosofia e história de videojogos e as ferramentas do Dreams”.

No curso, a escola, em parceria com a PlayStation Portugal, fornece a PlayStation 4 e uma cópia do Dreams. “A PS4 é emprestada ao aluno (por causa das aulas serem online) e a cópia Dreams é oferecida para colocar na sua conta PSN. Desta forma, mesmo depois das aulas terminarem, poderá continuar a trabalhar nos seus projetos”, destaca o formador.

Questionado sobre qual o papel tanto do estúdio, como da PlayStation Portugal no curso, Filipe Pina afirma que ambas as empresas apadrinharam a formação, tendo dado autorização em termos legais e da utilização da plataforma. “O João Lopes da PlayStation Portugal fez-nos a ponte com a Media Molecule e apoiou-nos para ter tudo o que precisássemos. Já a Media Molecule teve oportunidade de aprovar o curso e, além disso, terá uma pessoa online a dar aulas na cadeira de projeto”.

O curso do IADE é pós-laboral e tem uma duração de nove meses. Filipe Pina refere que são dadas uma a duas aulas por semana para dar tempo aos alunos de trabalharem e aprenderem a lição com tempo. Afirma ainda que os alunos recebem no fim um Diploma de Pós-Graduação e todos os projetos realizados no curso são totalmente deles, podendo fazer o que quiserem.

Mas estarão os alunos aptos para criar jogos ou níveis dentro do universo Dreams? “Sim, completamente. De notar, no entanto, que o foco é Game Design e não modelação e arte. Ou seja, a utilização da lista oficial de assets da Media Molecule assim como a de outros utilizadores é incentivada, em vez da tentativa de modelarem ou pintarem algo de raiz deles”.

Sendo um curso de Game Design, e não de aprendizagem de ferramentas, os alunos não vão estar aptos a saltar para outros motores mais poderosos como o Unity e Unreal. No entanto, Filipe Pina afirma que por outro lado, “saber como preparar a documentação, pensar como um Game Designer, Level Designer e Enviroment Artist é um passo gigantesco pois não há quase nenhum curso que aborde a produção de videojogos na essência da criação da ideia e prototipagem, em vez da clássica programação ou modelação/animação”.