O tema já tinha sido definido à volta da Inteligência Artificial e por isso não era de estranhar que a agenda da conferência Building the Future, que decorre hoje e amanhã em Lisboa, estivesse centrado na tecnologia que no último ano veio revolucionar a estratégia de muitas organizações. 

Logo na abertura, Manuel Dias, CTO da Microsoft Portugal, traçou a evolução dos últimos meses, com a evolução dos grandes modelos de IA generativa, e desafiou a audiência a sonhar e implementar a tecnologia, transformando o impossível em possível.

Partilhou ainda alguns dos casos mais emblemáticos desenvolvidos pealas organizações, como os CTT ou o IEFP, onde a tradução automática já ajuda na resposta a estrangeiros que procuram emprego em Odemira.

A Microsoft vai avançar com uma fábrica de IA em Portugal, a AI Innovation Factory, que conta com a parceria da Accenture, Avanade e da Unicorn Factory Lisboa e que se vai instalar na fábrica de unicórnios, em Alvalade, no final do ano. Mas até lá o desenvolvimento de iniciativas não pára e continua na sede da Microsoft Portugal e nos parceiros. 

Durante a manhã passaram pelo palco do Convento do Beato, em Lisboa, vários exemplos de como a Inteligência Artificial generativa está a ser usada para melhorar os processos de negócio e a produtividade dos colaboradores de várias empresas e organizações, muito além da experimentação das primeiras fases.

Pascal Bornet, especialista em Inteligência Artificial e em automação, lembrou que ainda não é possível pedir ao ChatGPT para acabar de construir um edifício, admitindo que há limites mas que podem ser transformados em oportunidades. "As vossas competências são insubstituíveis", avisou o especialista, numa apresentação em que teve a colaboração de uma "oradora virtual", a Anna.

A previsão de estruturas 3D e modelos de proteínas, apresentações teatrais e fotografias de zoom quase infinito, foram exemplos apresentados do potencial da IA, um mercado que vai crescer mais de 100 vezes nos próximos 10 anos. E que também vai melhorar a performance das empresas e dos seus colaboradores, optimizando a rapidez das tarefas em 25% e a qualidade em 40%, segundo dados da Universidade de Harvard.

Na sua apresentação, Pascal Bornet usou o relatório de contas da Tesla de 2020, um documento com mais de 440 páginas, para pedir um resumo da informação chave ao ChatGPT, poupando horas de leitura. Mostrou depois como pode assumir o papel de responsável financeiro e de marketing para pedir recomendações a implementar, com aproximação ao orçamento necessário, calendário a três anos e até uma organização da primeira semana de trabalho.

"Não é perfeito mas é um game changer porque temos uma base, não começamos com uma página em branco, e podemos delegar o trabalho às equipas", explica.

Para além do potencial, Pascal Bornet avisa que é preciso um bom equilíbrio do uso da tecnologia, não nos tornando dependentes e controlando a sua evolução, e desenvolvendo a literacia digital. Sobretudo é importante desenvolver a criatividade, o pensamento crítico e competências sociais, porque os humanos são a única entidade que sabe o que é o amor. "Temos de nos tornar únicos, construir a nossa identidade", adianta.

Building the Future 2024

A mesma perspetiva positiva sobre a evolução da IA generativa esteve na base de várias intervenções na conferência, mas também a identificação de riscos. Vasu Jakkal , Corporate Vice Presidente da Microsoft Security Business, destacou o aumento dos riscos de cibersegurança e a importância das empresas colocarem o tema entre as suas prioridades, avisando que é importante trabalharmos como ecossistema, porque este é um "desporto de equipa". Para a executiva é importante não ignorar também o desenvolvimento responsável da tecnologia, e sublinha o que tem vindo a ser feito na área da ética. 

Transformar tecnologia em negócio

E como usar a tecnologia de forma útil para as empresas e organizações, e também para os indivíduos? Darren Hardman, vide presidente da Microsoft para Enterprise & Industry na EMEA, diz que esta é uma das questões importantes numa fase em que domina ainda a descoberta de novas aplicações.

Darren Hardman defende que a IA generativa pode desbloquear a produtividade, ampliar a capacidade de criatividade, e tornar os colaboradores mais felizes e produtivos. Para isso é importante que as empresas possam construir a sua própria capacidade de IA, desenvolvendo as suas aplicações adaptadas ao seu negócio, e sem perder de vista a necessidade de proteger os dados e a informação relevante, seguindo também orientações éticas.

Os exemplos da EDP e da Caixa Geral de Depósitos foram destacados com a participação de Ana Paula Marques, Executive Board Member da EDP, e Madalena Talone, CIO/COO da Caixa Geral de Depósitos. As duas empresas, em áreas de negócio diferentes, estão a desenvolver iniciativas com IA, e a aplicar internamente o seu potencial.

Building the future 2024

Ana Paula Marques afirmou mesmo que para a EDP o digital e a IA são vistos como enablers e aceleradores, e são áreas onde a empresa está a investir fortemente para transformar dados em conhecimento e informação em ação. A empresa identificou mais de 300 use cases para os vários negócios e depois de um processo de seleção está a focar-se em 25 casos concretos, em parceria com empresas como a Microsoft, para garantir que consegue explorar o potencial. Mas sublinha também que é importante que estes sejam feitos seguindo "regras de ouro" definidas pela organização, e um campo de trabalho seguro. 

Na CGD foram também desenvolvidos vários casos, integrados num processo de transformação do banco que conta já com mais de 2,3 milhões de clientes digitais, 60% da base de clientes, e 1,7 milhões a usar a app, o que "aumentou o número de interações com o banco".  E esses dados são usados "para conhecer melhor o cliente e para o servir", explica a CIO da Caixa Geral de Depósitos que dá como exemplo a evolução dos empréstimos pessoais, que passou de 2% de venda digital para 55% no último ano.

Os superpoderes da IA, ou uma máquina de serendipity

José Manuel Durão Barroso, ex-primeiro ministro de Portugal e presidente da Comissão Europeia, foi um dos oradores com uma visão positiva sobre a Inteligência Artificial que não se esqueceu dos riscos, mas que defendeu a possibilidade da IA dar superpoderes aos humanos.

Apesar de reconhecer que o seu conhecimento não é técnico, partilhou uma visão política e económica da forma como a IA pode contribuir para ultrapassar alguns dos problemas da sociedade atual. "Não sei se terá o poder que referem, de ser pelo menos tão transformador como foi a revolução industrial, ou até mesmo a descoberta do fogo ou da roda", mas o atual presidente do conselho de administração do GAVI e da Goldman Sachs International reconhece que é um evento grande, e significativo.

Mostrando o seu entusiasmo com o que pode ser alcançado com esta mudança tecnológica, Durão Barroso classifica a IA como uma "máquina de serendipity", um conceito de que gosta pela ideia de encontrar algo valioso por acaso.

O problema da concorrência entre os vários blocos políticos foi ainda abordado por Durão Barroso, que admitiu que a Europa está atrasada, embora tenha recursos humanos de qualidade. A questão sobre quem vai liderar nesta área é também financeira, e aqui a Europa está em desvantagem face aos Estados Unidos e à China.

Os desenvolvimentos do novo sistema da Google que gera vídeos a partir de texto, o Sora, foram também referidos na sua intervenção, citando empresas chinesas que afirmaram que este é "um momento Newton", admitindo alguma preocupação.

Leonel Moura, artista e visionário da interligação entre a arte, a robótica e o digital, encerrou o primeiro dia da conferência com a ideia de que os humanos têm de fazer um upgrade para entenderem e trabalharem com a Inteligência Artificial, até porque o artista humano é agora o criador de artistas máquinas.

"As máquinas estão a competir conosco nos nossos domínios. Quando criam arte estão a competir comigo como artista [...] A solução é começar a competir com elas. As máquinas são inteligentes? Então tenho de ser mais inteligente. São criativas? Tenho de ser mais criativo e não estar a queixar-me, se não o grande artista do futuro não será humano", justifica Leonel Moura.

Nota da Redação: A notícia foi atualizada depois da conferência. Foi adicionada mais informação. Última atualização 22/02/2024 16h04