A aposta de Portugal no espaço começou ainda na década de sessenta do século passado, com a utilização de cortiça da Corticeira Amorim na missão Apolo XI da NASA, mas desde essa data o sector evoluiu significativamente na criação de um ecossistema que conta já com 84 empresas. A história foi contada ontem por Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, no dia em que a organização assinala o quinto aniversário e apresentou um Conselho de Orientação e Estratégia com uma representação multidisciplinar que pretende ajudar a dar "uma visão de fora".

“Portugal já é uma nação espacial” destacou o presidente da agência que foi criada em 2018, recordando os rostos dos protagonistas de um caminho que tem sido construído com o investimento público, o desenvolvimento da formação na área aeroespacial e a participação de empresas privadas.

O lançamento do PoSAT-1, em 1993, é um dos marcos mais conhecidos, mas nessa data foi manifestada a intenção de integrar o projeto espacial europeu, o que só viria a acontecer em 1999 com a assinatura da convenção com a ESA, a Agência Espacial Europeia, permitindo a Portugal entrar no “restrito clube de países que sonham com missões no espaço”.

Para Ricardo Conde, o salto que foi dado nos últimos 20 anos é fabuloso, e hoje Portugal conta com 84 empresas no sector espacial, e um ecossistema que junta instituições de ensino, de investigação e entidades públicas. Nos últimos cinco anos, depois da criação da Agência Espacial Portuguesa e da Estratégia nacional para o Espaço, Portugal Espaço 2030, com a aprovação da primeira lei do Espaço, “a evolução do ecossistema foi exponencial”.

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Em 2018 tínhamos 40 a 50 empresas e centros de investigação”, lembrou Ricardo Conde na sua apresentação, destacando que desde essa data foram criadas ou instaladas em Portugal 34 novas empresas e quatro centros de investigação. Hoje há 84 empresas no sector, com uma faturação de mais de 64 milhões de euros, somando um investimento de perto de 140 milhões, dos quais 10 milhões são do sector privado. Em 2018 o investimento público rondava os 51 milhões e o privado ficava pelos 2,5 milhões de euros, segundo os dados partilhados, onde se verifica também uma quebra significativa de investimento privado em 2023 face ao ano de 2022, embora o presidente da Agência lembre que o objetivo é que volte a subir ainda este ano.

Também o investimento estrangeiro está a aumentar, o que mostra a capacidade de Portugal atrair empresas internacionais. Ricardo Conde diz que “há um antes e um depois da criação da agência no investimento estrangeiro” e aponta exemplos da Beyond Gravity e o mais recente da Dragonfly, que vai abrir um centro em Coimbra. No total, das 34 novas empresas criadas desde 2019, onze são subsidiárias de empresas internacionais e destas cinco foram registadas em 2023, estabelecendo-se em várias áreas de Portugal Continental e Açores.

Os dados fazem parte de um Catálogo Espacial 2024 que está a ser preparado pela Agência e que deverá ser divulgado em breve, com um retrato do ecossistema em Portugal e dos vários parceiros envolvidos.

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Durante o evento passaram pelo palco vários dos intervenientes deste percurso, e representantes de parceiros da Agência Espacial Portuguesa, que sublinharam a importância de investir no espaço. Foram homenageados os “pioneiros do espaço”, como o professor Carvalho Rodrigues, com referência ao impulso dado pelo ministro Mira Amaral e mais tarde Mariano Gago, assim como os representantes da FCT, Ciência Viva, Agência Nacional de Inovação, a Defesa, através da Direção Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) e a Anacom, entre outros.

A propósito do caminho feito por Portugal, Giorgio Saccoccia, conselheiro sénior do diretor geral da ESA, destacou o trabalho do país nos últimos cinco anos e o contributo importante para as ambições europeias no espaço, incluindo na área da observação da Terra. Mas deixou ainda o alerta para a necessidade de se apostar na formação, começando cedo, ou não teremos futuro no espaço.

Reforçando também a ideia da importância do sector espacial para a economia, a sociedade e a defesa, Rodrigo da Costa, diretor executivo da EUSPA, lembrou que o espaço tem de ser protegido, e que os riscos não são apenas físicos, numa altura em que os ataques anti satélite são uma nova ameaça. “É necessário proteger também a componente cibernética”, avisa, recordando o ataque russo às comunicações que ajudou a preparar a invasão da Ucrânia em 2022, avisando que é preciso aumentar a resiliência da União Europeia neste domínio.

A posição dos Açores na estratégia espacial, com o arranque da construção das infraestruturas de apoio ao ponto de retorno e acesso ao espaço em Santa Maria e o lançamento do GeoHUB nacional, foram igualmente sublinhados, e José Bolieiro, presidente do Governo Regional dos Açores, traçou a ambição de ganhar uma posição no espaço, juntando também investimento e interesses de Espanha e Itália. “As oportunidades existem e estou convencido que temos desafios maiores para vencer no presente e no futuro”, afirmou.

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A Agência deixou também uma homenagem à ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, pelo “apoio e consolidação do projeto espacial”, como afirmou Ricardo Conde. Na sua intervenção a ministra recordou que quando aceitou o desafio de assumir o ministério lhe foi pedido que “resolvesse os problemas do espaço, que se não fossem resolvidos não poderíamos ter tornado Portugal tão presente” neste sector.

A revisão da lei do espaço, que aconteceu já este ano, permitiu que Portugal deixasse de ter impedimentos para conseguir realizar atividades espaciais ao mais alto nível e a ministra elogiou também a capacidade da ANACOM de ter conseguido um parecer rápido de forma a permitir o lançamento do satélite Aeros MH-1, que aconteceu há duas semanas. A dias de deixar o cargo, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior sublinha que “saio com muito orgulho e a certeza de que gosto cada vez mais de Portugal e de ser portuguesa” e destacou a importância de apostar no talento e na formação. “Não temos diamantes nem petróleo mas temos pessoas”, afirmou.

A esse propósito contou a história da Beyond Gravity, uma empresa suíça que escolheu ficar um centro de desenvolvimento em Lisboa e que escolheu a capital entre 25 cidades com potencial, especificamente porque “queriam estar ao pé do melhor talento”. A empresa já apoiou o encontro da Semana Aeroespacial no Instituto Superior Técnico e depois de ter contratado 25 pessoas em Portugal quer recrutar mais 100 para o projeto.

Apesar do tom positivo, nem tudo foram palavras de elogio e Elvira Fortunato lamentou, na sua intervenção, não ter sido convidada para o momento oficial da chegada do Aeros MH-1 ao espaço, assinalado com um evento no CEiiA, lembrando que há um respeito que se deve às instituições independentemente das pessoas que ocupam os cargos.

À margem da apresentação, Elvira Fortunato, confirmou que esta foi uma situação que causou incómodo e disse que está a ser preparada uma carta ás instituições que promoveram o lançamento do Aeros MH-1 para dar conta desse descontentamento com a situação.