Foi hoje aprovada no Parlamento Europeu a iniciativa WIFI4EU, que pretende garantir a ligação gratuita, em alta velocidade, de uma forma generalizada e que vai avançar já no próximo ano, chegando a 6 a 8 mil comunidades até 2020.
Depois da votação que decorreu em Estrasburgo, Carlos Zorrinho explicou ao TEK as principais dificuldades do processo, mas também as suas ambições, e detalhou algumas das questões que foram definidas, nomeadamente no acesso aos vales.
TEK: Como foi o desafio de preparar este relatório e conseguir a aprovação?
Carlos Zorrinho: Quando há um ano, no discurso do Estado da União o presidente Juncker lançou esta ideia, pareceu-me desde logo que era uma ideia muito poderosa do ponto de vista político, muito importante do ponto de vista simbólico e com um enorme poder transformador, mas ao mesmo tempo muito difícil de colocar em prática, tendo em conta que é uma medida para os 28 países da União Europeia, com fundos europeus, num contexto em que esses fundos são restritos.
Fizemos uma abordagem em que começámos a trabalhar com o comité económico e social, o comité das regiões, com a sociedade civil, com os vários operadores e transformámos esta ideia, da internet gratuita sem fios, em locais públicos para todos, numa ideia profundamente mobilizadora. Tal como a ideia do Roaming like at home começámos a falar no high quality free WiFi near home: ter algo que permita que a sociedade digital europeia, a sociedade Gigabit, se desenvolva de uma forma competitiva e ao mesmo tempo inclusiva, sem deixar ninguém para trás por razões económicas, localização geográfica ou tecnológicas.
O processo tinha de ser simples, não muito burocrático para que as pessoas pudessem sentir rapidamente os efeitos e tudo isso foi negociado com a Comissão e o Conselho, e a votação hoje com 85% de votos favoráveis, com apenas os eurocéticos duros a votar contra, mostra que fizemos um longo caminho e que agora temos uma grande oportunidade porque como já disse estes 6 a 8 mil postos de conexão são apenas um ponto de partida.
TEK: Um ponto de partida como?
Carlos Zorrinho: Imagine que uma cidade em Portugal que abre um concurso para que se apresente candidaturas e se candidatam 10 ou 12 entidades, e que só duas ou três é que são financiadas, obviamente esta cidade vai encontrar ou patrocinadores ou fundos próprios ou fundos estruturais para os implementar. E por isso vai haver muito mais do que estas conexões e vamos criar de facto um embrião de uma rede, que é também de uma sociedade Gigabit competitiva e uma sociedade digital europeia diferente, com os nossos valores e uma identidade própria, que é algo de que precisamos muito numa sociedade mundial onde do ponto de vista digital a União Europeia ficou para trás.
TEK: Referiu que esta é uma medida que pode ter grande impacto nos cidadãos, tal como foi a eliminação do roaming. Admite que os cidadãos vão sentir os benefícios mesmo com o elevado nível de infoexclusão existente?
Carlos Zorrinho: Esta é uma medida da qual os cidadãos sentem o benefício, porque as pessoas veem o benefício direto, mas obriga a que se desenvolva em torno dela um conjunto de outras coisas. Voltando ao exemplo da Câmara Municipal, que serão talvez os principais utilizadores, se tiverem três ou quatro conexões destas vão ter uma enorme motivação para ter serviços de maior qualidade e oferecer aos seus munícipes. E por outro lado a própria União Europeia vai ter um sistema de autenticação único e os sistemas de governo eletrónico a conversarem uns com os outros.
Este programa também tem algumas áreas a que não responde: dá resposta ao problema económico e geográfico mas não das competências. E por isso muitas pessoas vão dizer: isto é muito bonito, puseram isto aqui na praça mas eu não sei utilizar. Não sabe, mas é uma oportunidade para vir aprender. Por isso digo que esta é uma medida muito simbólica porque é transformadora e vai mobilizar um cacharolete de medidas à sua volta.
TEK: Uma das questões importantes é quem vai ter acesso ao financiamento. Já existem muitas entidades que têm redes de WiFi gratuitas e a ideia é não repetir financiamentos e atribuir vales a zonas mais desenvolvidas.
Carlos Zorrinho: A ideia é não repetir mas há uma questão muito importante: tudo aquilo que já existe pode ligar-se a esta rede e por isso podemos reforçar toda a conetividade e a própria rede WIFI4EU.
Uma das dificuldades que tivemos teve a ver com um duplo objetivo: por um lado fazermos as escolhas certas para financiar as várias opções, e por outro lado ser simples e não fazer grandes concursos com grandes júris, e por isso a proposta da Comissão tinha um principio muito simples: quem primeiro chega primeiro se serve.
O que nós introduzimos foi a possibilidade dos Governos fazerem programas nacionais. Ou seja, cada governo vai poder definir prioridade. Por exemplo na Finlândia e Estónia que têm grandes zonas já cobertas mas não têm nas zonas rurais, ai a prioridade poderá ser assim.
Não quero influenciar e nem vou falar de Portugal, mas por exemplo em Espanha pode o Governo decidir apostar mais em zonas degradadas nas periferias das cidades. Cada Governo pode ter um programa quadro, com a filosofia de quem primeiro chega e cumpre as regras é servido, porque se tivermos um modelo muito complicado vai afastar, vai ter muita burocracia e não vamos ter velocidade. Isto é muito importante no momento em que se está a discutir o código das comunicações, em que se está a avançar para o 5G e o mercado digital, é agora que esta referência faz sentido porque é agora que pode marcar território.
Não é por acaso que os grandes operadores todos quiseram contactar comigo como relator e se entusiasmaram. E não é pelos 120 milhões, é porque este projeto é uma espécie de quadro de referência para o desenvolvimento da sociedade digital na Europa. E tem de ser agora e não mais tarde.
TEK: Não houve oposição da parte dos operadores que estão a desenvolver outros tipos de redes?
Carlos Zorrinho: Houve sobretudo competição por tecnologias, mas resolvemos a questão de uma forma muito simples, dizendo que a questão não é tecnológica E como vê o relatório até deixou cair a questão sobre se o acesso é a 30 Mbps ou 100 Mbps porque nalguns sítios muito isolados 30 é suficiente e noutros sítios é necessário mais largura de banda e até o 5G. Mas nós passámos dessa discussão tecnológica sobre se é cabo, cobre ou fibra para outra discussão: a qualidade do acesso é que tem de ser elevada, independentemente da tecnologia, que é instrumental.
TEK: Só as câmaras podem lançar concursos?
Carlos Zorrinho: Este primeiro concurso é só com câmaras, mas outros podem ser com entidades públicas que fazem propostas, e a maneira como fazem é uma decisão delas. Os promotores são as entidades públicas.
TEK: E estes primeiros vales quando vão ser distribuídos?
Carlos Zorrinho: Vamos ver. Agora vamos passar à implementação prática. A comissária [Mariya Gabriel, comissária europeia da Economia e Sociedade Digitais] mostrou uma grande abertura, aliás vou ter uma reunião com ela a seguir e vamos tentar acelerar o mais que pudermos, embora num contexto difícil para os fundos comunitários.
TEK: A Comissária referiu início de 2018 para a implementação
Carlos Zorrinho: Isso significa que as candidaturas têm de abrir ainda este ano. Vamos ver. Queremos andar o mais depressa possível.
TEK: A questão das competências digitais é cada vez mais importante, em Portugal há cerca de 30% de infoexcluídos e na europa o número ronda os 20%. O que pode ser feito para ultrapassar este problema?
Carlos Zorrinho: Esta iniciativa não vai resolver esse problema da infoexclusão, mas vamos gerar a necessidade, fazendo com que as pessoas se sintam mais motivadas para aprender e depois a escola formal e informal darão as suas respostas. Há outros programas que estão a ser desenvolvidos especificamente para as competências e tudo está integrado. O que esta medida faz é criar uma necessidade e dar uma vantagem de poder aceder aos serviços e criar uma pressão sobre governos locais e nacionais para não discriminarem cidadãos.
TEK: A questão da proteção de dados é também uma preocupação e foi aqui referida por vários deputados.
Carlos Zorrinho: Obviamente cumpriremos a lei do ponto de vista da proteção de dados. Esta iniciativa não responde a tudo mas cumprirá as regras de proteção de dados e uma garantia importante é que a informação recolhida não pode ser usada comercialmente. Tudo o que é fundamental está explicito no relatório e o que não está aplica-se a lei.
Nota da Redação: A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu.
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