O comércio eletrónico deu um pulo de gigante com a pandemia. O encerramento das lojas físicas obrigou as empresas a criarem lojas online, ou a reforçarem as que tinham e deu motivo e oportunidade a quem nunca tinha comprado online para o fazer, vencendo barreiras que, até então, se ultrapassavam lentamente. Isso mesmo mostram vários estudos divulgados nos últimos meses.
O Recovery Insights – Small Business Reset feito pela Mastercard a nível global, incluindo na Europa, apurou que as vendas feitas através de comércio eletrónico aumentaram 31,4% e que o número de empresas que digitalizaram o seu negócio triplicou em relação aos níveis pré-pandemia, com um pico em julho de 2020. A nível global, o eCommerce cresceu em 900 mil milhões de euros, mais 6 pontos percentuais comparativamente ao período pré-pandemia, e chegou a representar 11,8% do comércio total na Europa, quando na pré-pandemia representava 7,5%.
“É também muito interessante constatar, segundo estudos que temos realizado, que podemos esperar que cerca de 20 a 30% da transformação digital impulsionada pelos desafios colocados pela pandemia, tenham vindo para ficar, como é o caso dos novos comportamentos no comércio online.”, destaca Maria Antónia Saldanha, country manager da Mastercard Portugal
Os dados da SIBS confirmam esta tendência, também em Portugal. Luís Gonçalves, diretor de segmentação e gestão de mercados da empresa que gere a rede multibanco e que criou o MB Way, sublinha que o comércio digital representa agora, aproximadamente, 15% do total de compras pagas com meios eletrónicos em Portugal. Antes da pandemia representava 9%. Destaque para o MB Way, tanto nos pagamentos com número de telemóvel, como na criação de cartões virtuais MB NET, que nos últimos meses cresceu duas a quatro vezes mais do que crescia antes da Covid-19.
Na análise por sector, o ano de 2021 trouxe também a recuperação de algumas áreas muito afetadas pela crise sanitária, com as compras eletrónicas a voltaram a crescer em segmentos como os transportes de passageiros, a cultura e entretenimento, restauração e media, por esta ordem, apurou ainda a SIBS.
56% dos portugueses já fazem compras online, frequência também está a aumentar
O barómetro de e-commerce da Marktest, com respostas recolhidas entre março e maio deste ano, mostrava igualmente que mais de 56% dos portugueses já fazem compras online e que quase um terço (30%) faz compras na internet entre duas a três vezes por mês e uma vez por mês. Os mesmos dados revelavam ainda que 14,2% dos que fazem compras online já as fazem semanalmente.
Os dados das lojas apontam a mesma tendência. Num balanço ao ano que agora está prestes a terminar, é isso que sublinha Gaspar D’Orey. “O número de clientes aumentou face ao ano passado, mas a métrica a destacar é realmente o número de compras recorrentes que foram efetuadas por quem já era cliente, demonstrando o sucesso da experiência end to end, desde a pesquisa à compra, à entrega e mesmo à devolução de um produto”.
Como acrescenta o CEO do Dott.pt, os portugueses descobriram realmente o ecommerce, e perceberam que conseguem comprar muitas das coisas que antes procuravam nas lojas físicas através da internet. “Isto nota-se, claramente, nos relatórios mais recentes que apontam para cerca de 50 a 60% da população a fazer compras online (contra 36% em 2019), e, mais ainda, pela abertura deste canal a uma faixa etária anteriormente pouco aderente, a população com mais de 55 anos”. Neste centro comercial virtual, por exemplo, e comparando o pré e o pós pandemia, os compradores com mais de 55 anos aumentaram de 11% para 25% do total de clientes, ao mesmo tempo que o número absoluto de clientes também cresceu.
“Este grupo descobriu que tem um mercado muito maior à disposição, e que em alguns casos ajuda, ainda, a combater a menor mobilidade que têm. Ao mesmo tempo, foi bastante positivo para as próprias marcas que tinham lojas físicas, porque perceberam que não precisam mais de estar reduzidas, em termos de clientela, àquele raio de 10 kms à volta da sua loja, e podem vender para o outro extremo do país”.
O futuro é online… e offline
A expectativa para o futuro é de que o “crescimento da compra online se irá manter nos próximos anos, sem pôr em causa a manutenção e a importância das lojas físicas, que continuaram e continuam a ser um espaço de eleição para muitos consumidores”, como destaca António Fuzeta da Ponte, diretor de marca e comunicação da Worten.
“Há, de facto, aspectos na experiência de compra em que a loja física apresenta vantagens únicas sobre o digital, nomeadamente o contacto com o produto, aliado ao “toque humano” do aconselhamento por vendedores especializados”, acrescenta a o responsável, sublinhando que o mais lógico para as marcas continua por isso a ser a aposta em estratégias omnicanal. Quem já as tinha antes da pandemia conseguiu transformá-las numa forte vantagem competitiva como aconteceu com a Worten que, quase de um dia para o outro, teve de duplicar a capacidade de entregar os produtos que vendia online.
A Glovo também não tem dúvidas que a mudança veio para ficar e justifica a convicção com o seu próprio exemplo. “Nestes últimos dois anos vimos os hábitos dos portugueses alterarem por completo. Se já estávamos numa rota de crescimento desde que entrámos em Portugal, há pouco mais de 4 anos, e a converter de forma estável os hábitos de consumo, nos últimos dois anos vimos estes dois indicadores com um aumento mais acentuado”, refere a empresa. “Podemos dizer que a pandemia apenas acelerou este comportamento, que afirmamos com toda a convicção que veio para ficar”, acrescenta, partilhando alguns números.
Os armazéns da Glovo, que suportam a entrega rápida de produtos fornecidos diretamente pela empresa, registaram uma subida de 180% nas vendas, em relação ao ano passado. O número de novos parceiros subiu mais de 300% quando comparado com 2019, um trajeto que também refletirá o reforço da aposta da empresa neste conceito de quick commerce.
Esta é aliás uma das tendências de crescimento que a empresa identifica nas áreas onde atua, para o ecommerce nos próximos anos. A outra é a procura crescente de produtos e serviços multicategoria, um segmento onde a Glovo foi pioneira, ao permitir a encomenda de quase tudo a partir da mesma app. Entre as categorias com crescimento mais acentuado nesta oferta a empresa destaca a eletrónica, onde trabalha com parceiros como a Worten, iServices e iStore.
O Uber Eats, que também já começou a explorar estes segmentos, também sublinha o enorme crescimento na procura de artigos de supermercado, mercearia e conveniência desde o ano passado e a continuar, para além do período de tempo em que as lojas físicas não estavam disponíveis.
“Em Portugal esta categoria registou um aumento de 600%, o que demonstra que os utilizadores, não só adquiriram o interesse em encomendar os seus bens de primeira necessidade através da nossa aplicação, como o mantêm atualmente”, nota Diogo Aires Conceição, general manager do Uber Eats em Portugal.
A tendência “permitiu-nos alargar a oferta na aplicação, adequando-a a mais momentos de consumo do utilizador” e abriu caminho à integração de outro tipo de comerciantes, como O Boticário, Fnac ou Wells, que se juntam aos supermercados e lojas de conveniência com espaço na app.
Quem compra, o que compra?
Como reconhece António da Ponte, o facto é que a pandemia teve “impacto na forma como vivemos, mais especificamente na forma como vivemos a nossa casa, quer pelo alargar do teletrabalho, quer pelo aumento do tempo que passamos em casa, em família”. Reforçou o papel que a conectividade e todo o hardware que a suporta tem na nossa ligação ao mundo e aos outros e aumentou a preocupação com o impacto de cada ação individual num planeta que se quer preservar. “Todas essas alterações tiveram impactos na forma como compramos e nas nossas necessidades. Assim, notamos que os produtos que potenciam o conforto nas nossas casas e os equipamentos que nos permitem conectar ao mundo tiveram um incremento significativo de procura, no contexto atual”.
Os dados da Marktest, recolhidos entre março e maio, confirmam que os artigos para o lar/decoração e os eletrodomésticos já estão no top 10 dos mais comprados online. A liderar o mesmo top estavam roupa e calçado. Seguiram-se as viagens e alojamentos de férias (24,5%), livros, telemóveis / tablet e cosmética. As compras de mercearia/supermercado surgiam na 11ª posição e a encomenda online de refeições em 6º lugar, com um quinto dos portugueses a usarem já estes serviços.
A estatística sugere que esta se transformou numa das categorias de compras mais relevantes para os portugueses e a Uber Eats confirma.
“Temos observado que os hábitos de consumo mudaram para sempre, mesmo com os portugueses a retomarem a ida aos restaurantes. As pessoas continuam a depender muito da conveniência, rapidez e confiança do serviço do Uber Eats e com mais frequência do que na pré-pandemia, especialmente no que diz respeito ao pedido de refeições durante a semana”, refere Diogo Aires Conceição. “Todos os dados analisados indicam que o conforto trazido pelas aplicações como o Uber Eats veio para ficar”.
Compras em sites estrangeiros diminuíram, em favor das compras nacionais
Mas as mudanças não estão apenas no que compramos, estão também na forma como compramos online. O estudo anual da ACEPI/IDC já evidenciava que o número de compradores online que preferem sites internacionais para fazer a maioria das suas compras, tinha caído de 32% para 24% em 2020. Patricia Santos, diretora retalho electro e e-Commerce de Delta Q, aponta a mesma tendência. “Antes da pandemia Portugal encontrava-se muito abaixo da média europeia, em termos de dinâmica do canal e-commerce”.
O fecho das lojas físicas obrigou a procurar alternativas e com isso também se alteraram preferências. “Antes da pandemia a grande parte das compras eram efetuadas em sites internacionais, mas hoje há uma procura crescente de produtos e soluções nacionais, aliado a um sentimento de pertença com o intuito de poder ajudar a desenvolver negócios locais e contribuir para o crescimento da economia nacional”, refere.
Na verdade, a contribuir para isto deve estar também o facto do número de opções nacionais ter aumentado drasticamente nos últimos dois anos. Dados compilados pela Informa D&B e partilhados com o SAPO TeK, mostram que, entre 2019 e 2020, o número de novas empresas com o comércio eletrónico como atividade principal cresceu 44,5%. No ano passado foram constituídas 575 empresas, tendo o retalho online como atividade principal. Um número que, como destaca a empresa, pode até pecar por defeito, considerando novos negócios que não estão registadas com este CAE mas que acabem por prestar também este tipo de serviço.
Este ano, e apenas até outubro, os dados reunidos pela Informa D&B mostram que já foram constituídas 543 sociedades, tendo como principal objeto de negócio o comércio eletrónico. Na comparação com os 10 primeiros meses do ano passado há uma variação positiva de 10,8%, já se recuarmos aos tempos pré-pandemia, a comparação com o número de novos negócios online, no mesmo período de tempo, revela um crescimento de 57,4%.
Mudou também a exigência dos consumidores, diz a Glovo. “ Vemos um consumidor cada vez mais exigente que quando quer algo, quer no imediato. É um consumidor que realizou que o tempo é o bem mais precioso que tem e que não o quer perder com trivialidades, como ter um intervalo horário de 8 horas para receber uma encomenda”. A confirmar esta mudança, o serviço de entregas rápidas da empresa, continuou a crescer depois do regresso ao “ativo” das lojas físicas.
Tendências que vão marcar 2022
Esta é, como já se referiu atrás, uma das grandes apostas da Glovo para os próximos anos. A empresa acredita que o q-commerce é uma das tendências para o futuro do comércio eletrónico, que já está a transformar a experiência de quem compra online, mas que ainda vai no início. “Até há quatro anos apenas era possível encomendar pizzas com entrega em aproximadamente 30 minutos. Neste momento é possível encomendar, para além das pizzas, todos os tipos de comida, telemóveis, computadores, brinquedos, compras de supermercado, tudo do conforto de nossa casa”.
No seu caso concreto, a Glovo começou por entregar produtos de terceiros, recolhidos na origem, mas acabou por concluir que centralizar o ponto de recolha dos produtos podia tornar as entregas ainda mais rápidas. Está agora a instalar armazéns em pontos estratégicos das cidades onde opera, para conseguir garantir a entrega de uma seleção de cerca de dois mil produtos - a oferta vai sendo ajustada em função das preferências dos clientes - em menos de 20 minutos. Em Portugal conta já com nove armazéns a funcionar, em zonas como o Porto e Lisboa, mas também Oeiras, Sintra, Seixal.
O serviço está no terreno há 18 meses mas a empresa garante que o “balanço é muito positivo”. Integra uma das três vertentes da estratégia da empresa para “atacar” o mercado das compras de mercearia/supermercado online. Com os armazéns próprios a Glovo quer responder aos essenciais urgentes; com parceiros como o Aldi, Auchan, Continente e Minipreço estrutura a oferta de conveniência de acesso rápido; e acaba de entrar numa terceira área, a das compras planeadas, com a aquisição do português Mercadão, que entrega as compras feitas na loja online do Pingo Doce.
Entretanto, os especialistas vão alinhando outras tendências que prometem marcar a evolução do comércio eletrónico em 2022 e nos anos seguintes, tendo em conta as expectativas que os potenciais clientes vão demonstrando. Quem compra procura cada vez mais as já referidas entregas rápidas, experiências personalizadas ou ofertas ambientalmente responsáveis.
Mostram alguns estudos que os consumidores preferem também comprar através das redes sociais (80 milhões de americanos fizeram-no em 2020, Statista); estão cada vez mais disponíveis para compras por voz, recorrendo a assistentes pessoais (é um mercado que deve crescer 55% este ano nos EUA, OC&C Strategy Consultants); ou depois de interagir com os produtos ou serviços de uma marca através de fotos, vídeos, aplicações de realidade aumentada ou virtual. O tempo revelará quais destas tendências vão ganhar mais relevância no mercado local.
Este artigo faz parte do Especial Comércio Eletrónico em Portugal: As mudanças que vieram para ficar
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