Além da visita às instalações da Enterprise Ireland, no centro de Dublin, o SAPO TEK foi conhecer alguns dos mais importantes hubs de inovação da Irlanda, casa de startups que estão a alcançar sucesso, incluindo as finalistas dos prémios de inovação da Altice Portugal., como a Inclusio e a SeamlessCARE. Dublin é uma cidade relativamente pequena, o que faz com que “todos se conheçam” e talvez isso seja parte do sucesso no crescimento do seu ecossistema tecnológico.

Dos responsáveis pelos projetos com quem falámos e questionámos quanto a sugestões a dar a novos empreendedores e startups, um dado comum foi “nunca assumir que sabemos tudo”, ou seja, sem entregar o projeto, falar com o máximo de pessoas e receber todo o feedback possível. E no caso das startups, que procuram ajuda dos centros de inovação, a honestidade parece mesmo ser o principal fator.

“Um bom empreendedor tem de ter a capacidade de ouvir as ideias, tomar essas informações e absorver as mesmas antes de tomar decisões”, referiu o porta-voz do Dogpatch Labs em entrevista ao SAPO TEK.

Outro aspecto que ficou patente em praticamente todos os interlocutores, é que existe um grande interesse em ajudar as comunidades de estudantes e as pequenas iniciativas a serem bem-sucedidos. Mas também aqueles que estão dispostos a trabalhar a sua ideia terem pelo menos uma oportunidade de as apresentar a decisores e aos centros de inovação.

Dogpatch Labs é o maior hub de empreendedorismo de Dublin

A primeira paragem do SAPO TEK em Dublin foi a Dogpatch Labs, a “casa” da startup Inclusio. O centro de inovação tomou o edifício The CHQ Building, conhecido anteriormente como Stack A. Este foi construído em 1820 como armazéns de tabaco, chá e bebidas espirituosas. O edifício faz lembrar uma galeria comercial, mas no seu interior foram aproveitadas as caves, transformadas em salas de apresentação e de quartel-general às muitas startups que passam no hub anualmente.

À conversa com DC Cahalane, o responsável pelo marketing da Dogpatch Labs, este destaca a sua experiência a trabalhar com startups há mais de 20 anos. Já viveu nos Estados Unidos e até remotamente com Portugal e liderou algumas startups. “A Dogpatch é um hub totalmente privado e não recebemos qualquer suporte do governo”, explica DC, referindo que o seu dono, Patrick Welch, tem como objetivo em oferecer espaço físico para as startups.

Enterprise Ireland é a ponte entre o governo irlandês e as startups para criar empresas de sucesso
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O centro de inovação tem três negócios: o primeiro é a oferta do espaço físico de “coworking”, referindo que atualmente tem 175 startups no local e um total de 500 pessoas distribuídas pelas mesmas. O espaço tem ainda um centro de eventos, onde são realizados encontros com empresas de todos os tamanhos. DC Cahalane refere que muitos dos unicórnios irlandeses nasceram ou foram financiadas neste centro de inovação.

O segundo pilar da Dogpatch é o negócio de inovação, com parcerias com empresas globais, como a Unilever, correndo programas de aceleração anualmente com os seus parceiros e clientes. Por fim, o terceiro aspecto do seu negócio, que começou há cerca de dois anos, é o acelerador nacional de startups, um concurso que ganhou. “Todos os anos escolhemos cerca de 15 startups e investimentos 100 mil euros em cada uma. Elas instalam-se e trabalham a partir daqui”.

O hub de inovação tem ainda vários programas de aceleração de startups, masterclasses e gere a rede de hubs em todo o país, destacando que tem quatro “casas”: além de Dublin, tem presença em Cork, Cary e Galway. Anualmente são cerca de 200 startups que recebem apoio nos diversos programas da incubadora.

DC Cahalane, o responsável pelo marketing da Dogpatch Labs

DC Cahalane refere que o papel da Dogpatch é investir nas startups, e quando estas são vendidas ou cresçam, o dinheiro de retorno é investido em novos projetos. “O melhor de tudo é que nunca existe um imperativo comercial agarrado a este ciclo. É uma missão de acelerar o ecossistema e encontrar mais oportunidades para os empreendedores”.  A Dogpatch Labs faz atualmente parte da rede da Google, servindo como ponte tecnológica, gerindo alguns dos seus programas, como por exemplo, o de inclusão e diversidade.

NovaUCD Research and Innovation é um incubador de startups

A NovaUCD é a universidade que serve de casa à startup à SeamlessCARE, uma das finalistas dos prémios de inovação da Altice Portugal. Apesar de ser considerado um centro de investigação e inovação, segundo explicou Micéal Whelan, relações públicas da instituição, o que faz é suportar a comercialização das atividades de investigação realizadas na universidade. “Somos um hub de incubação para startups. A UCD é uma das maiores universidades da Irlanda e a investigação centra-se na medicina veterinária e engenharia. Cobrimos todos os elementos de investigação da universidade”.

O objetivo do hub é tornar viável a comercialização do resultado das investigações, transformando-as em licenças ou em empresas “spin outs” como é o caso da seamlessCARE liderada por Aviva Cohen. A prioridade são os projetos e startups criadas pelos estudantes universitários, mas não fecham portas a potenciais negócios que surjam de fora, como a seamlessCARE. “Estas empresas surgem de fora da universidade, mas querem envolver-se com a nossa capacidade de desenvolvimento e inovação”.

Tratam-se de empresas de alta tecnologia, com intenso conhecimento, com os tais critérios de alto potencial referidos pela Enterprise Ireland, com ambição de se lançarem a uma escala global. “Este é tipo de empresas que suportamos, ao mesmo tempo que trabalhamos com a comunidade de estudantes na universidade, de forma a encorajar o empreendedorismo e respetiva mentalidade”. Um dos exemplos de empresas criadas por estudantes é a Zipp Mobility, dedicada ao aluguer de bicicletas e trotinetes.

A NovaUCD é um edifício dos anos 1750, que foi restaurado e aberto oficialmente em 2003. Desde então tem vindo a suportar o ecossistema, com mais de 500 startups ou pequenos negócios. Outra área da universidade chama-se Nexus UCT e é um centro de parcerias com a indústria. Outro exemplo de uma startup do seu núcleo é a Manna Drone Delivery, uma empresa de entregas via drone. A Equal1 é focada na área de computação quântica, mas Micéal Whelan destaca também empresas com tecnologia para desporto, que oferecem wearables aos desportistas de elite para medir a sua performance. A universidade tem ainda um incubador, numa outra localização, que está a suportar startups dedicadas à tecnologia espacial.

NovaUCD Research and Innovation
NovaUCD Research and Innovation Micéal Whelan, relações públicas da NovaUCD Research and Innovation.

Guinness Enterprise Centre incentiva à cultura própria das startups

Apesar de partilhar o nome com a famosa fabricante de cerveja irlandesa, o Guinness Enterprise Centre nada tem a ver com a empresa. O nome deriva por estar realmente a utilizar um dos edifícios da fabricante, situando-se exatamente ao lado dos armazéns da cervejeira. Segundo explicou Eamonn Sayers, o porta-voz do centro de inovação, o espaço era utilizado pela Guinness para guardar os seus cavalos, utilizados na distribuição da cerveja por todo o país, depois de transportada pelas barcas no rio. O edifício acabou em desuso, tendo sido transformado no Guinness Enterprise Centre.

“Não trabalhamos para o lucro, mas prefiro dizer que não para perder. O nosso trabalho é dar os meios necessários aos empreendedores para crescerem e escalarem, com foco nacional e internacional”, destaca Eamonn Sayers. O centro corre programas para ajudar as startups de todo o país e até algumas internacionais. O centro recebeu recentemente uma grande expansão, num investimento de 11 milhões de euros para duplicar a sua capacidade. A necessidade de expansão do espaço foi necessária porque o hub estava simplesmente a mandar startups embora por falta de capacidade.

Para o centro de inovação, não interessa se as startups são nacionais ou estrangeiras, mas a regra obrigatória é que estejam localizadas na Irlanda. “Até pode ser criada em Portugal, mas têm que trabalhar daqui 99% do tempo”, explica o executivo. A Guinness trabalha de forma próxima com a Enterprise Ireland para que as suas startups exportem mais produtos.

Um dos aspectos mais surpreendentes do Guinness Enterprise Centre é que o espaço reservado para cada startup não é imposto pelo hub. Ou seja, a partir do momento em que o espaço necessário é atribuído, as startups criam de imediato a sua própria cultura, caracterizando a área com as suas cores, elementos e necessidades. Cada sala tem a sua própria individualidade, pois essa é uma forma das startups se afirmarem desde o primeiro momento. Exemplo disso são as startups ligadas à área farmacêutica, onde os seus espaços são autênticos laboratórios e clínicas funcionais, distintos da sala ao lado, que pode ser uma empresa ligada a drones.

"Não queremos funcionar como um senhorio, apenas ajudar as empresas no seu plano de negócios e estratégia de mercado, torná-las prontas para investidores, colocando-as à frente da Enterprise Ireland", explica Eamonn Sayers

E também têm startups ligadas à Disney e Star Wars, no que diz respeito a tecnologia de animação, assim como videojogos. Eamonn Sayers refere que existe uma falha entre a graduação nas universidades e os requisitos para entrar num grande estúdio como a Disney. Foi criado aquilo que chamaram de “Bridge Program”, que estabelece uma ponte entre os estudantes que acabaram os seus exames e o trabalho num estúdio com projetos reais durante três meses para depois os apresentar às grandes empresas.

São cerca de 1.220 metros quadrados, com 100 escritórios individuais, que podem ter só uma pessoa ou 80 colaboradores. E os contratos com as startups são bastante flexíveis, com apenas a necessidade de informar com um mês eventuais mudanças. “Não queremos funcionar como um senhorio, apenas ajudar as empresas no seu plano de negócios e estratégia de mercado, torná-las prontas para investidores, colocando-as à frente da Enterprise Ireland para verificar se estas se qualificam para as oportunidades que surjam.

Guinness Enterprise Centre
Guinness Enterprise Centre O edifício da Guinness Enterprise Centre pertence à fabricante de cerveja Guinness.

O Guinness Enterprise Centre investiu entre 25 a 30 milhões de euros este ano em startups irlandesas e no ano passado 18 milhões. “Há cada vez mais financiamento disponível através da Enterprise Ireland, numa estratégia de grande potencial”, refere Eamonn Sayers. É neste espaço que surgem muitas startups com alto potencial e que são do interesse da Enterprise Ireland.

Tangent e Portal são os dois hubs de inovação da Trinity College Dublin

A Trinity College Dublin é uma das universidades mais famosas do mundo, fundada em 1592, e serviu de casa a algumas das personalidades mais importantes da literatura, como Oscar Wilde e Samuel Beckett. O campus da universidade, que o SAPO TEK visitou, é composto pelo seu lado histórico e centenário, mas também pelos espaços mais modernos patentes no seu crescimento. O certo é que neste espaço, que alberga fósseis e plantas recolhidas por Charles Darwin nas suas viagens pelo mundo, é também uma casa de hubs de empreendedorismo e inovação.

Na verdade, existem dois hubs de inovação na universidade, a Tangent, onde são trabalhadas as ideias dos estudantes da universidade e o Portal, onde se recebem também ideias e startups externas.

A Tangent tem quatro anos, alocada numa estrutura mais moderna, local onde os estudantes podem trabalhar e criar hackathons durante o fim-de-semana. “Todos os estudantes que vêm para a Tangent têm uma ideia e vão trabalhar num projeto, seja de fim de curso ou pós-graduação. Vão poder construir a sua ideia e testá-la”, refere Kenneth Finnegan, CEO da Tangent, naquela que considera ser “a jornada de uma ideia”.

O hub também tem alguns programas de aceleração, através de financiamento de fundos europeus para projetos ligados às condições climáticas ou saúde, assim como inteligência artificial. E atualmente tem cerca de 90 startups no centro de inovação. Kenneth Finnegan explica que a Tangent foi criada também para inspirar a universidade a ser mais ágil e adaptável.

Kenneth Finnegan, CEO da Tangent
Kenneth Finnegan, CEO da Tangent Kenneth Finnegan, CEO da Tangent

Desde que foi criada, já levantou 14 milhões de euros em fundos de forma direta, tendo suportado cerca de 5.000 estudantes. “É o número de que sinto mais orgulhoso”, acrescenta, referindo que houve um investimento de cerca de 100 milhões de euros nas startups dos seus estudantes. O programa Lunchbox garante que cada startup dos estudantes receba 10 mil euros de financiamento para ajudar nos seus projetos.

Mark Bennett, CEO do Portal, recebeu o SAPO TEK no espaço clássico da universidade, onde os jardins são adornados com estátuas de personalidades que ganharam prémios Nobel. A visita guiada levou-nos pelos espaços centenários da instituição, passando por corredores repletos de quadros de figuras históricas ligadas ao ensino da Trinity College Dublin.

O Portal faz parte do pipeline de inovação da instituição e surge pela necessidade de, não apenas transformar as startups em empresas, como trazer inovação externa para a própria universidade. É também um espaço que reúne empresas no seu ecossistema, misturando pessoas externas com estudantes internos para ajudar a criar o empreendedorismo, sempre com a missão de resolver problemas da sociedade, sejam científicos ou sociais, refere o CEO do hub.

O centro de inovação encontra-se neste momento a criar o seu próprio espaço, fora do campus da universidade. Trata-se do Grand Canal Innovation District, previsto para 2024, localizado a poucos minutos da Trinity College. É um espaço com 5,5 mil metros quadrados, com áreas para eventos e um Café, assim como uma zona de encontros públicos. Espera-se que seja um campus de sustentabilidade, rodeado por diversas empresas tecnológicas de topo, banco e finanças.

Kenneth Finnegan da Tangent afirmou que das 100 startups que surgem, 10 são escolhidas e as restantes 90 desaparecem do seu radar. Algumas delas com grande potencial, mas que depois se perde o rastro por não terem entrado nos programas dos centros de inovação. Mark Bennett concorda com a afirmação do seu colega, reforçando que apesar tudo, todos devem tentar, “pois aquilo que aprendem é massivo. Mas desses 90% que não conseguem, acabam por crescer de outra forma”. Para si, mesmo que não consigam entrar nos programas, isso não significa que não o possam fazer no futuro.

Mark Bennett, CEO da Portal
Mark Bennett, CEO da Portal Mark Bennett, CEO da Portal

Em palavras finais, o responsável da Portal refere que o processo de criar uma startup pode ser bastante estressante, e nem sempre corre bem. Mas a resiliência é algo que se aprende no processo, e a compreender melhor como o mundo funciona. “Nem todas as startups conseguem, caso contrário, a saúde do ecossistema de startups não poderia ser mantida…”