Terminou o interrogatório a Pavel Durov, com a justiça francesa a acreditar que tem bases suficientes para indiciar o dono da plataforma de messaging Telegram por vários crimes e prosseguir com uma investigação formal. O multimilionário que tinha sido detido no sábado para interrogatório, na sequência de uma investigação das autoridades francesas, saiu em liberdade mas formalmente indiciado de incitamento a diferentes atividades ilegais.

A política de liberdade de expressão e de ação no Telegram e a possibilidade de encriptar mensagens que mais ninguém pode ver sem serem os próprios interlocutores, nem as autoridades se existirem suspeitas de crime, estão no cerne da questão. As autoridades francesas acreditam que se a rede social de Pavel Durov não faz o que pode para evitar que a plataforma seja usada para promover atividades ilícitas, incita essas atividades e os juízes de instrução confirmaram a interpretação dos investigadores.

O empreendedor saiu em liberdade, mas não pode sair do país. Terá de se apresentar periodicamente às autoridades e vai pagar uma caução de 5 milhões de euros.

O comunicado das autoridades francesas detalha que Durov passa a ser alvo de uma investigação formal por suspeitas de cumplicidade na administração de uma plataforma online que permitiu transações ilícitas a um grupo criminoso organizado. O homem de origem russo, que também tem cidadania francesa e não só, está ainda indiciado por recusa comunicar com as autoridades e cumplicidade na distribuição organizada de pornografia infantil.

As acusações agora formalizadas, de todas as suspeitas que chegaram aos juízes, não chegam para remeter o caso para tribunal, mas confirmam que os juízes encontraram matéria para fundamentar uma investigação formal sobre aqueles pontos específicos. O julgamento poderá chegar mais tarde e os crimes de que Pavel Durov é acusado têm molduras penais de vários anos.

Pavel Durov fundou o Telegram em 2013 com o irmão, plataforma que soma hoje mais de 900 milhões de utilizadores ativos.
Os canais oficiais de comunicação da rede social têm garantido que "o Telegram cumpre as leis da UE, incluindo a Lei de Serviços Digitais - a sua moderação está dentro dos padrões da indústria e está constantemente a melhorar". Na mesma nota, publicada no domingo, também se sublinha que o empresário “não tem nada a esconder” e que é “absurdo afirmar que uma plataforma, ou seu proprietário, são responsáveis pelos abusos nessa plataforma”.

Outros serviços de mensagens também oferecem comunicações encriptadas, mas é a escala e o rigor do conceito - e a falta de cooperação quando há suspeitas de crimes - que não agradam às autoridades. No WhatsApp, por exemplo, é possível criar grupos fechados com uma máximo de 1.000 pessoas, no Telegram um grupo pode ter até 200 mil membros.

Pavel Durov é um homem discreto, que cedo começou a constituir fortuna graças aos investimentos na internet que lhe valeram a alcunha de "Zuckerberg russo". Antes do Telegram lançou o VKontakte, uma rede social russa que chegou a ser mais popular que o Facebook no país.

A mesma rede social obrigou o empresário a deixar a Rússia em 2014, quando se recusou a partilhar dados pessoais de opositores do regime que usavam a plataforma e a bloquear algumas contas, como a do já falecido Alexei Navalny. Já fora do país, o empresário acabou por vender a rede social. Entretanto, fundou o Telegram com um irmão, uma rede social ao estilo WhatsApp que assenta sobretudo em premissas de privacidade dos conteúdos aí trocados, que são encriptados.

Acredita-se que o Telegram terá um papel importante, por exemplo, na guerra Rússia / Ucrânia, precisamente pela garantia de confidencialidade que pode dar dos conteúdos aí trocados, mas é também muitas vezes referida como a plataforma de excelência no submundo do crime pelas mesmas razões.