China, Rússia, Coreia do Norte, Irão, Venezuela, Myanmar, Sudão, Paquistão, Jordânia ou Chad são apenas alguns dos nomes de uma longa lista de países que mantêm restrições de acesso à Internet ou que, por algum motivo, desligaram ou controlaram o acesso a serviços online em 2021, pondo em causa a ideia de uma Internet livre e acessível a todos. O risco de fragmentação é real e tem sido alvo de muitos alertas de várias organizações, mas a guerra na Ucrânia tornou a questão mais premente, sobretudo depois de terem surgido apelos para bloquear a Rússia da Internet.
Em Abril cerca de 60 países uniram-se numa declaração para o futuro da Internet, que também Portugal assinou, e que pretende proteger os direitos humanos e a liberdade para todos, uma Internet global que impulsione a livre circulação de informação e acesso aos benefícios da economia digital. Pode ser apenas uma declaração de intenções mas não deixa de ter importância num momento em que as ameaças são cada vez maiores.
O problema da fragmentação da Internet, ou Splinternet como se convencionou chamar, está longe de ser novo, mas a Internet Society avisa que já afeta milhares de milhões de pessoas.
Os alertas para o controle e bloqueio de serviços são antigos e Tim Berners-Lee já defende há vários anos um “Contrato para a Internet” para reparar o que na sua perspetiva está errado com a grande rede. A iniciativa data de 2019 e a visão do “pai da World Wide Web” já reuniu milhares de empresas e organizações que assinaram este “Contrato” com nove compromissos em várias áreas.
Podem estas iniciativas e avisos ter efeito? Que impacto tem o isolamento progressivo da Rússia? Ricardo Lafuente, vice presidente da associação D3 – Direitos Digitais lembra que a balcanização da Internet não é nova e que neste momento é difícil fazer previsões sobre o que vai acontecer.
“Com a invasão da Ucrânia ainda em curso e uma grande incerteza sobre os próximos passos da China face a Taiwan, é arriscado fazer qualquer previsão do que se irá tornar a Internet – só sabemos que muito vai mudar”, afirma em entrevista ao SAPO TEK, avisando que “o que se discute agora é o quanto se irá agravar face à realidade geopolítica atual”.
A utilização da Internet como arma nos conflitos, em especial por regimes totalitários mas também por países democráticos, para controlar a população, reprimir dissidências internas e fazer pressão política são medidas que “têm sido aplicadas regularmente nos conflitos contemporâneos, mas a proximidade da invasão da Ucrânia veio dar ao ocidente outra perspectiva relativamente ao acesso à Internet como arma e mecanismo de controlo”, explica Ricardo Lafuente, apontando a tática russa de desviar tráfego das zonas ocupa-as para passar por servidores russos, com objetivo de vigilância das comunicações.
A Internet Society é outra das organizações que tem vindo a alertar para a possibilidade da fragmentação deitar por terra décadas de esforço para garantir a ligação do mundo inteiro, dividindo a Internet numa série de redes separadas, sem pontos de contacto.
“Podem usar os mesmos nomes e protocolos, mas os governos e empresas podem tornar-se os ‘porteiros’ do acesso ao que as pessoas podem fazer, ver e aceder nessas redes”, adianta a organização.
E não é só o fluxo dos dados que está em causa, mas o próprio comércio internacional, assim como a divisão digital.
Dan York, diretor da Internet Society, defende que o impacto na nossa forma de viver é profundo e exemplifica, de forma simples, com o caso de quem não consegue aceder ao Facebook, tem uma alternativa ao Google porque o motor de busca está bloqueado e que mesmo a Wikipedia está fora de alcance. “Podemos usar os mesmos browsers e programas de email mas não conseguimos chegar aos mesmos sítios. E mesmo que consiga, não tem a certeza se o governo local está a monitorizar tudo o que faz online”.
“A Internet foi bem sucedida porque é aberta, sem restrições, e com protocolos comuns. Para o manter temos de parar a divisão e fragmentação”, defende Dan York.
Ricardo Lafuente admite a esperança de que a União Europeia tenha impacto na defesa de uma Internet livre e aberta, mas avisa que a posição tem sido ambivalente e que “tem havido desenvolvimentos que nos deixam apreensivos”, referindo a recente ideia de fazer vigilância massiva e reduzir a encriptação com o pretexto de proteger as crianças.
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