Os vídeos de reviews e unboxings são um dos tipos de formato cuja popularidade tem vindo a crescer ao longo dos últimos anos no YouTube e a tecnologia não é uma exceção. Se no estrangeiro, a presença de mulheres nesta esfera já começa a ser um pouco mais comum, em Portugal a expressão é ainda menor, passando muitas vezes por baixo do radar.
Mas ao percorrer o universo do YouTube nacional encontramos o canal Geek’alm, que, ainda neste Verão, esteve em destaque como parte da campanha Women in Tech da Kaspersky Portugal.
De smartphones a computadores, entre wearables, câmaras, colunas e muitos outros gadgets: é um canal feito de geeks para geeks, tal como indica o seu lema e ao SAPO TEK, Andreia de Almeida, criadora de conteúdo e a metade feminina da equipa que compõe o canal, deu a conhecer mais sobre a sua experiência com o projeto.
Para Andreia, a ligação com a tecnologia começou bem cedo, apesar de também sentir interesse por outra área. “Os meus pais sempre tiveram a livros de arquitetura e então em pequena dizia «eu quero ser arquiteta»”, relembra.
Mas, ao aperceber-se daquilo que poderia ser a realidade da vida nesta área, a tecnologia começou a ganhar outro apelo, muito em parte ao seu irmão, que estava a estudar para ser informático que lhe passou “o bichinho dos computadores”. “Ainda a Internet fazia barulho a ligar e já eu andava a pagar seis Escudos para «roubar» Internet ao meu irmão”.
A criadora de conteúdo reconta que, mesmo na adolescência, já sentia vontade de testar apetrechos tecnológicos, embora, na altura, nem considerasse que isso pudesse ser uma profissão. Mais tarde, Andreia foi navegando pelo mundo da tecnologia, chegando a conhecer criadores como Tiago Ramos, Bernardo Almeida e Nuno Agonia, que a incentivaram a criar os seus próprios vídeos e a embarcar na aventura do YouTube.
É certo que existiam alguns receios, fosse por parte de amigos, que a alertaram para o maior nível de exposição que abrir um canal acarreta, e até por si própria, temendo situações de assédio que, infelizmente, também são comuns nesta área. Mesmo entre receios, a vontade de criar o Geek’alm venceu e, assim, Andreia e o seu colega de equipa lançaram o canal em 2016.
O trabalho é árduo, mas “no fim do dia vale tudo a pena”
Olhando para a evolução do canal ao longo dos anos, Andreia conta que sente “que as pessoas queriam que houvesse mais mudança”. Mas, tal como sublinha, existe uma “linha-guia” que o projeto tem sempre em mente e que passa por não percorrer certos percursos que, mesmo que estejam mais em voga com outros criadores de conteúdo, não são o rumo com o qual o canal se identifica.
“Sempre quisemos apostar muito em lojas portuguesas e marcas que se encontrassem fisicamente em Portugal”, explica, numa decisão pensada também para quem não tem tanta familiaridade com compras online em plataformas estrangeiras. “Temos de pensar em todos”, enfatiza.
É certo que, por vezes, há alturas em que a abordagem se reflete de forma menos positiva nos números do canal. “Não fomos atrás de toda a gente e sinto-me muito feliz por isso. Obviamente que perdemos na parte de números e de subscritores, mas nós não olhamos para isso”.
A vontade de fazer mais e de chegar mais longe está lá, mesmo que tal não seja sempre possível devido às circunstâncias da vida, uma questão onde o canal pretende manter a transparência. O próprio universo das reviews e unboxings requer muito mais do que ligar uma câmara e abrir uma caixa e entre as peripécias de receber produtos, prazos a cumprir, testes, gravações e edição há todo um árduo trabalho de bastidores.
“Demora muito a fazer, tira-nos aqui muitas horas, mas é muito gratificante se depois alguém te diz «comprei por tua causa» ou «fiquei esclarecido porque disseste isto». No fim do dia vale tudo a pena”, afirma Andreia de Almeida.
Um “abre olhos” para a realidade das mulheres na tecnologia
O panorama das mulheres que falam sobre tecnologia no YouTube tem vindo a crescer, porém, Andreia destaca que ainda há muito caminho a percorrer, uma vez que as aparências ainda são muito mais valorizadas do que aquilo que as criadoras pretendem transmitir para o seu público.
Para a youtuber, há uma espécie de “meio perdido” onde as mulheres na tecnologia precisam de se enquadrar em certos padrões de imagem, caso contrário, não conseguem ter subscritores, mesmo que aquilo que tenham a dizer seja um conteúdo com qualidade.
A Internet espelha a vida real e, se, em plataformas como o YouTube, as mulheres sentem pressão para agir de uma determinada maneira, no que respeita à esfera profissional da tecnologia, a situação não é propriamente melhor.
Andreia sente que a sua participação na campanha Women In Tech, onde entrevistou três responsáveis femininas da Farfetch, a Natixis e a Accenture, além de ter sido uma experiência enriquecedora, foi um “abre olhos” para a realidade que ainda vivemos: “pensava que estávamos já mais à frente” no que toca a mentalidades “e afinal não estamos”.
Um dos momentos que mais a marcou ao longo das talks foi quando Isabel Michiels, Team Leader da Natixis, lhe revelou que um dos maiores obstáculos que tinha encontrado no passado foi quando engravidou.
“Eu perdi a minha mãe muito cedo e, por isso, sempre quis constituir família muito cedo. Ouvir uma mulher dizer-me que, no trabalho, quando engravidou passou a ser tratada de forma diferente… custa mesmo muito perceber que no nosso país nos fazem isto. Perceber que estas coisas ainda existem chocou-me muito”.
Andreia espera que as entrevistas “tenham servido para mudar as mentalidades”, ideias e comportamentos que ainda continuam a permear a nossa sociedade no que toca às mulheres na tecnologia. “Estas coisas não podem continuar a acontecer e, infelizmente, ainda são necessárias campanhas destas”.
Pensar no futuro com conta, peso, medida e muita calma
Olhar para o futuro do canal nem sempre é fácil e, para Andreia, a visão que tinha há poucos anos é diferente da atual, porque a vida muda e surgem outras ambições pelo caminho, além de situações que tornam mais difícil conseguir o esforço extra desejado para o projeto.
“Mas fazemos o nosso caminho com calma. Eu acho que é muito importante as pessoas perceberem que o YouTube é só uma plataforma, nós [criadores de conteúdo] temos uma vida fora da plataforma que e nem sempre corre tudo bem”, conta a youtuber.
Aliás, foi por esse mesmo motivo que Andreia criou o segundo canal Geek’alm Life, que para lá de ser um local dedicado a temas mais fora da tecnologia também foi espaço para um grande desabafo, sob o formato de uma série de três vídeos.
No início da pandemia de COVID-19, Andreia tinha perdido o seu trabalho, uma situação que se refletiu na sua saúde mental. “Pensei «eu preciso de falar sobre a depressão, porque eu na altura estava a passar por ela e foi isso que me moveu a criar o canal”, relembra.
“Com aqueles vídeos eu senti que cumpri a minha missão. Eu tinha de falar sobre isso, independentemente se isso me fosse prejudicar futuramente de alguma forma. [Os vídeos] foram para ajudar alguém que estivesse a passar por aquela fase ou pior e tinham de ser feitos. Nós sabíamos que tínhamos a missão de apoiar aquelas pessoas que não sabiam se ia ficar tudo bem”.
“Tudo tem o seu tempo e é também assim que nós vemos o nosso canal”, afirma a criadora de conteúdo. Mesmo que ainda não tenham tantos subscritores quanto gostariam, Andreia realça que o canal vai continuar a lançar os vídeos ao seu gosto, com informação e com a qualidade que consideram justa para quem os vê. “Gostávamos de mais? Gostávamos, não vamos ser hipócritas. Mas vamos abdicar da qualidade e daquilo que somos para chegar a esse ponto? Não”.
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