Consegue-se medir o sucesso de um comediante ou artista, não só pelo seu reconhecimento público, mas pela adoção das suas expressões e “tiques” pelos fãs. E Pierre Zago é conhecido pelos “apanhados” e sketches que realiza para o seu canal no YouTube, criando situações muitas vezes desconfortáveis, ainda que não maliciosas, às suas “vítimas”. O SAPO TEK falou com o comediante para conhecer um pouco mais da sua carreira e inspirações para os seus trabalhos, confessando que já começa a ver os seus dias contados, por ser mais difícil não ser reconhecido e ser ele o “apanhado” pelos seus seguidores.
Aos 34 anos, o luso-francês (pai francês e mãe portuguesa) tem uma licenciatura em audiovisuais, som e cinema. E o seu canal estava longe de ser algo que imaginaria fazer com o seu curso. Estudou para fazer cinema, mas nunca pensou em ser criador de conteúdos para o YouTube. Depois de tirar o curso fez algumas curtas-metragens, mas rapidamente começou a sentir a frustração de ser um meio bastante complicado e fechado. “Na altura estava a viver em Paris para tirar o curso de cinema, por ser a meca na Europa, mas ao mesmo tempo pela ligação familiar. Mas a logística para fazer um filme é complexa, por depender de produtores a validar as ideias”, explica o seu descontentamento, dizendo que tinha vontade de fazer coisas, mas não dependia só de si, mas de outras pessoas e financiamento.
Veja na galeria imagens das personagens de Pierre Zago:
YouTube surge pela frustração da logística de fazer cinema
No meio da sua frustração surgiu o YouTube da forma como conhecemos atualmente, a oferecer a possibilidade de monetizar os conteúdos e viver deles. Também queria fazer representação e chegou a entrar numa escola de atores, mas acabou por desistir por ser muito caros, e chegou mesmo a surgir essa hipótese em Paris.
Ao contrário do que deixa antever, Pierre Zago não gosta de “apanhados”, tampouco gosta da expressão em si, embora seja a mais associada ao tipo de conteúdos que faz. Diz que a sua inspiração não foi a ver outros a fazerem, nem sequer sabe o que se fazia em Portugal há uns anos, como os programas do Minas e Armadilhas ou os apanhados do Nuno Graciano, a título comparativo. Diz que as ideias foram sendo anotadas em cadernos ao longo do tempo. Algo que ainda faz atualmente, anda sempre com um caderno no bolso par registar tudo o que pensa fazer.
Apesar de não gostar pessoalmente de “apanhados”, admite que ao encarnar uma personagem se sente livre para dizer e fazer o que se quer, quando sem a “máscara” não poderia.
A ideia era criar situações engraçadas com aquilo que não podia dizer pessoalmente na sociedade, em que existem regras e se tem de ser educado. Foi apontando as situações de coisas engraçadas, “ideias e situações reprimidas que pudesse depois dar-lhes vida através de personagens”. Apesar de não gostar pessoalmente de “apanhados”, admite que ao encarnar uma personagem se sente livre para dizer e fazer o que se quer, quando sem a “máscara” não poderia. E os seus trabalhos cumprem o seu desejo de independência e experimentação de fazer as coisas à sua maneira e isso foi o que o motivou a criar o canal e a viver dele.
Pandemia obrigou a paragem forçada de conteúdos no canal
O seu canal também abriu outras portas e possibilidades. Diz que o stand up comedy e a televisão foram algumas das oportunidades que surgiram. Mas tem outros projetos para realizar que devido à pandemia acabaram por ficar suspensos. Mas tem coisas planeadas para o futuro. Ainda sobre a pandemia, salienta que o facto de não poder sair à rua devido ao confinamento obrigou-o a parar.
E mesmo depois, as máscaras a tapar a cara das pessoas apanhadas estragam a reação, tornando os vídeos sem interesse. “Depois só se falava de pandemia e qualquer assunto diferente que surgisse parecia ser de uma outra realidade paralela”. A pandemia cortou bastante a inspiração ao humorista, pois as suas ideias não surgem da atualidade e ficar refém da COVID-19 foi negativo. Afirma que fez apenas três vídeos relacionados com a pandemia e porque achou que eram boas ideias. Toda a gente falava e brincava com a COVID-19 e sentiu que seria apenas mais uma pessoa a usar o assunto.
“Se soubesse que ia haver uma pandemia, teria guardado a rúbrica “Fala Serafim” para esta altura”. O projeto é composto por partidas realizadas por telefone, realizadas durante um inverno rigoroso, que impediu de fazer o seu trabalho na rua.
“Por fazer apanhados, as pessoas pensam que é o tipo de conteúdos que assisto. Mas a minha inspiração vem da comédia e cinema e não gosto de apanhados”. Nesse sentido, não consegue estabelecer o paralelismo com o que se fazia tradicionalmente na televisão. Muitos dos seus sketchs rodam em torno de uma palavra-chave, que acha piada quando os seus fãs as adotam nas suas rotinas. Por exemplo, o sketch onde apenas dizia “Sinceramente” às pessoas na rua, abanando a cabeça em desaprovação, despoletavam reações únicas. Ou o “Só estou a ver” em que entrava em espaços privados, abria portas de carros, com a simples justificação de que estava de facto só a ver (as reações das pessoas).
E será que ainda consegue passar despercebido? “A minha careca passa cada vez menos despercebida”, responde em tom de brincadeira. Diz que é natural que à medida que o seu trabalho é mais visto, se torna mais difícil enganar as pessoas. E sente que está numa fase em que tem os dias contados.
“Basta haver uma pessoa, entre 10, num espaço, para me estragar a situação. Ora porque ria ou mesmo a denunciar-me”.
No entanto, Pierre Zago levantou a ponta do véu sobre ideias para o futuro, referindo que vai fazer comédia física e não verbal, mas fora do país. “Não me imagino a fazer apanhados a vida toda. Vou esticar a corda ao máximo e ver até onde isto pode dar”.
Não procura violência ou reações extremas
Um dos temas abordados na conversa com o humorista diz respeito às reações das pessoas que são apanhadas nas situações que cria. Muitas vezes uma simples palavra pode ser acutilante e despoletar reações variadíssimas duas suas “vítimas”, algumas delas até “explosivas”. No entanto, Pierre Zago afirma que não procura violência ou reações extremas. “Há sempre um limite que não gosto de ultrapassar, mesmo gostando de saber até onde pode chegar”.
Afirma que até agora as coisas têm corrido bem, apanhando sempre uma ou outra pessoa chateada, mas a maioria gosta quando no fim lhe é dito que participou num apanhado. E isso é visível no final dos seus vídeos, quando aparece abraçado às pessoas que enganou a apontar para a câmara escondida. “Para o público é bom sentir que não estamos a humilhar as pessoas, a “cuspir” para elas ou a colocá-las em situações desconfortáveis. Não estou ali com esse propósito”, e como tal nunca sentiu que esteve em risco ou em perigo de uma reação extrema. Ainda assim, no seu último vídeo “Videovigilância”, em que apontava uma câmara à cara das pessoas, conseguiu irritar mais algumas das vítimas.
Por outro lado, afirma que as pessoas reagem de forma diferente quando sabem que era uma brincadeira e que estavam a ser filmadas. Umas reagem com far play, mas há pessoas que dizem que não querem aparecer no vídeo, uma vez que pede sempre autorização aos mesmos para usar as imagens. A sua experiência na abordagem no fim às pessoas também evoluiu, na forma como fala, toca ou abraça as suas vítimas. Diz que tem mais sensibilidade em fazer mudar a ideia de uma pessoa que estava chateada para uma aceitação bem-disposta.
Não gosta de redes sociais e só interage com fãs na "vida real"
Questionado sobre o feedback dos fãs e se utiliza algumas ideias sugeridas, Pierre Zago afirma não ter problemas com ideias, mas sim falta de tempo para as concretizar. “Ando sempre com cadernos no bolso e estou atento a uma palavra-chave ou expressão que anoto”. Diz que, tal como muitos artistas, ainda tem a maioria das coisas por fazer.
No entanto, e voltando à sua comunidade, diz que não está interessado ter uma relação próxima com os seus fãs e não responde a comentários. Gosta de sentir que as pessoas gostam do seu trabalho e lê os comentários, mas não quer fomentar qualquer relação digital e isso é motivado pela sua “alergia” às redes sociais, evitando passar lá muito tempo. Prefere que as pessoas o abordem na rua e ouvir o que pensam. O seu objetivo é colocar o vídeo na internet e deixar as pessoas fazerem o que quiserem com o mesmo. Por não expor a sua vida nas redes sociais, também não tem interesse em alimentar relações virtuais. Diz que tem conta no Instagram, mas preferia não a ter.
Não considera o YouTube uma rede social, mas uma plataforma onde se coloca vídeos, esperando que a Google mantenha este formato onde se podem fazer uploads. “O YouTube é uma plataforma genial e espetacular pois permite-nos fazer o nosso trabalho sem depender de meios como a televisão. De ser independente e ganhar dinheiro”. O surgimento da plataforma mudou tudo ao não ter de depender dos meios convencionais, permitindo independência criativa.
Acredita que há muita gente a fazer coisas boas no YouTube, mas sente que em Portugal não haja muita qualidade. E isso porque existe o estigma dos youtubers, “os miúdos idiotas que pintam o cabelo”. Olhando para a França, diz que há bons conteúdos de política, história, filosofia, comédia de grande qualidade. E por cá ainda está muito por desenvolver. “Foi uma aposta muito boa para mim, viver daquilo que gosto de fazer”.
A sua equipa é composta por si, referindo que os seus vídeos são muito artesanais. Tem sempre um dos amigos que o ajudam com a câmara, quando têm disponibilidade. De resto faz tudo e salienta que gosta de colocar o que aprendeu em audiovisuais em uso. E da parte criativa de pensar em ideias, o guarda-roupa da personagem, o treino e a representação da personagem usada no sketch, a forma como fala, se mexe ou se exprime.
E embora a produção seja simples, procura pensar em planos de filmagem, escalas e adaptar a representação, estando atento aos detalhes. Depois a edição e montagem é a parte que lhe dá mais gozo fazer, divertindo-se imenso no processo. Os detalhes das imagens e o próprio som e música, dando enfâse às situações, é algo que também explora.
Mas no fim, não deixa de ser um processo artesanal e a simplicidade das suas abordagens aos apanhados acaba por ser o ingrediente que o define e que não deixa ninguém indiferente. “Sinceramente…”
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