Com a quadra natalícia a aproximar-se a largos passos paira no ar um espírito de solidariedade e altruísmo próprio da época. Mas e se esse mesmo espírito fizesse parte das vivências ao longo de todo o ano? É esta uma das missões que Lucas Rodrigues quer levar a cabo e inspirar outros a fazer através do projeto Lucas with Strangers.

Pela baixa do Porto, o jovem criador de conteúdo vai ao encontro de estranhos a quem possa trazer mais felicidade: seja algo mais simples, como um abraço, café, comida, flores, ou um corte de cabelo, a gestos maiores, como concretizar o sonho de saltar de paraquedas, uma cadeira de rodas, ou uma viagem para ver um membro da família doente noutro país.

Mas como é que tudo se processa? Como explica o criador de conteúdo ao SAPO TEK, há duas abordagens que costuma seguir. “Às vezes, quando me estou a sentir mais aventureiro é só ir para a rua e, literalmente, olhar para uma pessoa, ir lá ter com ela e perguntar-lhe como é que a posso fazer feliz”.

“Ultimamente, tenho feito muitos mais vídeos de pedidos, ou seja, as pessoas pedem-me ajuda e eu vou diretamente fazer um vídeo com elas”, detalha, acrescentando que, embora não seja uma abordagem tão imediata, é uma forma de assegurar que chega a quem mais precisa.

Para o criador, “quebrar o gelo” nem sempre é fácil, motivo pelo qual indica que tenta “ter uma conversa bastante longa com as pessoas” que vão fazendo parte do projeto, para conhecer mais sobre elas, a sua própria história e necessidades, pondo-as mais à vontade sem as câmaras ligadas. “A partir daí, realizo o pedido um ou dois dias depois de eu conhecer uma pessoa pela primeira vez”, afirma.

Recuperar a confiança perdida depois do trauma

Partir para a rua e entrar em contacto com estranhos é algo que requer alguma confiança. Para Lucas, o projeto nasceu como uma forma de recuperar a confiança perdida após um momento traumático na sua vida. “O ano anterior ao Lucas with Strangers foi provavelmente o pior ano da minha vida. Eu comecei o ano a ser assaltado e sequestrado e fiquei com stress pós-traumático”.

“Não conseguia sair de casa durante quase um ano, tinha cinco ataques de pânico por dia e tive de tomar medicação, entre antidepressivos e ansiolíticos, fazer terapia, [sessões de] neuropsicologia e psiquiatria tudo ao mesmo tempo. Foi um ano passado fechado em casa, sem conseguir sair”, conta Lucas Rodrigues.

Depois, à medida que os tratamentos faziam efeito e que Lucas se começava a sentir melhor, saindo de casa aos poucos, surgiu a ideia que deu o mote inicial ao projeto. “A partir daí, desenvolvi um grande fascínio por estranhos: via as pessoas na rua outra vez … já não interagia com estranhos há muito tempo e então queria falar com eles”

“O primeiro momento de sair à rua e de falar com um estranho marca sempre, porque foi uma quebra enorme dessa barreira de medo que eu tinha. Foi uma saída muito grande da minha zona de conforto. (…) Esse primeiro dia marcou-me muito”, relembra o criador de conteúdo.

Numa primeira fase, o Lucas with Strangers passou mais por ser uma forma de conhecer o que outros tinham para dizer, saber as suas opiniões sobre questões existenciais e conselhos para a vida. Mas também havia espaço para vídeos de ânimo mais leve e até algumas brincadeiras com desconhecidos, entre telefonemas para crushes, lutas de almofadas ou "caricaturas" a estranhos.

Ao contactar com as realidades das pessoas com quem se cruzava, o projeto mudou o seu rumo, passando a centrar-se em como é que poderia trazer mais felicidade às suas vidas.

“Marcou-me imenso o vídeo em que dei uma cadeira de rodas. Foi a primeira vez em que fiquei mesmo emocionado num dos meus vídeos e vim para casa mesmo feliz. Genuinamente, estava eufórico”, relembra Lucas Rodrigues.

Há também histórias mais “agridoces”, como o caso de Vedran, um rapaz que ajudou a ir para a Croácia, para voltar a encontrar-se com a sua mãe que tinha cancro.

“[No caso dele] o «quebrar o gelo» demorou três semanas e nós ficámos a falar, porque ele não tinha documentos na altura. Tivemos de mandá-lo para a embaixada… e demorou tanto tempo que criei uma amizade com ele”. A partida daquele que acabou por se tornar um amigo deixou saudade e, mais tarde, tristeza, porque a mãe de Vedran viria a falecer dias após a sua chegada.

Embora nem tudo corra sempre como planeado, são vários os momentos e histórias de vida que o marcaram e, em muitos dos casos, Lucas continua a manter contacto com quem ajuda: de Zé Manel, o senhor a quem deu uma cadeira de rodas, a António, que ajudou a começar uma jornada de reabilitação de toxicodependência, e muitos outros.

Dos planos no horizonte à importância da comunidade

Como é manter o Lucas with Strangers vivo? Concretizar os pedidos das pessoas com quem se cruza requer algum dinheiro e as doações também fazem parte do processo.

Lucas conta que o modelo do projeto mudou um pouco, porque, apesar de gostar inspirar nos seus seguidores um espírito de solidariedade e de apreciar que as pessoas que o seguem contribuam, não se sente muito confortável a pedir doações: “eu quero que [os seguidores] beneficiem do conteúdo e que não tenha de ser uma necessidade eles contribuírem para continuar”.

“Inicialmente eu tinha muito medo de parcerias, porque [as que recebia] queriam todas mudar o meu conteúdo”, indica. “Mas consegui parcerias que me permitem continuar a fazer conteúdo 100% genuíno como eu quero e tem sido suficiente para manter o projeto vivo durante os próximos meses”.

Com 1,7 milhões de seguidores no TikTok e quase 98 mil no Instagram, o projeto tem vindo a ganhar popularidade. Mas, para Lucas, os números nas redes sociais são, por vezes, uma questão complicada. “A certa altura, quando entramos neste «jogo» os números tornam-se numa realidade muito importante, porque é isso que define se vai haver mais parcerias e se vai haver mais doações para poder continuar o projeto”.

“O número de seguidores também afeta uma pessoa”, admite o criador de conteúdo. “Fez parte daquilo que era a minha autoestima e, se calhar, não devia ser. Eu estou a tentar desligar um bocadinho dessa autoestima baseada em números, porque não é nada saudável”.

O futuro do projeto não é totalmente certo e Lucas afirma que, neste momento, se sente um pouco mais “focado no presente” e em como garantir a sua sustentabilidade. No entanto, há já alguns planos no horizonte e até alguns em marcha, como um podcast.

“A ideia é um bocadinho diferente do «como é que te posso fazer feliz». É uma vertente mais em linha com o que eu fazia no início: vou para a rua, chamo um estranho, pergunto-lhe se quer fazer parte do podcast e ficamos a conhecê-lo juntos”, clarifica o criador de conteúdo.

Um projeto na televisão também está nos planos, como forma de contornar a limitação temporal do TikTok e de ter um meio onde as histórias das pessoas podem ter mais espaço e chegar a um público ainda maior.

Uma coisa é certa: o futuro do projeto será marcado pelo apoio da sua comunidade. “Acho que quem gosta do meu conteúdo também tem de ter alguma bondade dentro de si e que a comunidade criada à volta do projeto é muito empática e solidária: são as melhores pessoas do mundo reunidas numa conta das redes sociais. Estou muito orgulhoso disso e das pessoas que consegui juntar no mesmo sítio”.

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