Para Ana Guerra o fascínio pelos videojogos começou desde bem cedo, mas, na altura, nada a faria prever que, um dia, estaria em frente a um público virtual de 1,9 mil seguidores a jogar os seus títulos preferidos ao vivo através da “magia” da Internet.
A jovem criadora de conteúdo conta já com dois anos e meio de experiência de streaming no Twitch, através do canal anarlguerra, algo que concilia hoje com a sua profissão como Communication and Community Manager na GOATPixel, uma agência portuguesa de gaming e eSports.
Ao SAPO TEK, Ana conta que, com apenas quatro anos, e por influência de um primo 10 anos mais velho, começou a dar os primeiros passos no gaming. “Comecei primeiro por ver o meu primo a jogar, depois por jogar nas consolas dele, com a sua autorização, e mais tarde a ter as minhas próprias consolas e já a comprar os meus jogos”.
Pelas suas mãos passaram a Mega Drive e a PlayStation 1, com a consola da Sony a ser uma das que a mais marcou na altura, reconta, lembrando-se do seu entusiasmo quando o seu primo a comprou. Mais tarde, com seis anos, teve o seu próprio GameBoy Color e, eventualmente, a PlayStation 2 também chegava à sua coleção.
Sonic, Pokémon, Final Fantasy e The Sims são quatro sagas de videojogos que marcaram a sua infância e que ainda hoje têm um papel relevante para a criadora de conteúdo, assim como para os seus streams, onde também “vive muito a questão da nostalgia”. De acordo com Ana, estes jogos continuam a ser “sagas bastante poderosas” que ainda segue, como, por exemplo, o mais recente DLC para o remake de Final Fantasy VII.
É certo que os videojogos sempre tiveram um lugar de destaque na sua juventude, porém, Ana admite que, apesar de “sempre ter sido gamer”, nunca teve “o sonho de trabalhar na indústria dos videojogos”. A streamer, que estudou marketing na licenciatura e tirou um mestrado em marketing digital, afirma que sempre se sentiu mais ligada às áreas da “comunicação, da publicidade e do digital”.
Com 12 anos, chegou a fazer alguns vídeos para o YouTube, puramente por diversão, mas que chegaram a ter mais de 100 mil visualizações. Quando chegou à faculdade aventurou-se pela esfera dos blogs, focada nas suas experiências, assim como na área de “personal development” e produtividade. O processo de escrita da sua tese para o mestrado levou-a à criação também o seu próprio podcast.
Aliás, quando terminou o mestrado, o seu grande objetivo era trabalhar para uma das grandes empresas de tecnologia. “Aquilo que eu adorava ver eram as conferências da Apple, do Facebook, da Microsoft…”. O destino acabaria por guiá-la para um estágio na gigante de Redmond, que acabou por lhe abrir a porta para o mundo do streaming.
De uma incursão pela Microsoft ao caminho que a levou ao Twitch
Quando se candidatou para uma posição enquanto estagiária na Microsoft, através de um programa de estágios na empresa, Ana sabia apenas que seria na área de Business. Só quando chegou ao primeiro dia de trabalho é que descobriu que tinha ficado na área da Xbox.
Alocada à equipa da Xbox, no segmento de PR e Social, fazia a “ponte” para a comunidade portuguesa do gaming. Embora admita que tenha tido uma grande responsabilidade sobre os seus ombros, talvez “maior do que seria esperada para um estágio”, Ana afirma que durante a “golden age “dos eventos, ainda antes da pandemia de COVID-19, teve a oportunidade de apostar em grande no networking. “Tive muito trabalho, mas foi muito recompensador”.
A incursão pela Microsoft acabou por chegar ao fim por sua decisão. “Eu despedi-me, porque sentia que não ia conseguir «subir» muito mais, pelo menos na área da Xbox, não faria tanto sentido e então decidi procurar algo diferente. Não estava à procura do gaming, continuava com aquela ideia da tecnologia, mas, lá está, se surgisse algo no gaming que eu achasse interessante não iria recusar”, reconta.
No entanto, ainda antes de se despedir, o “bichinho” do streaming já fazia parte da sua vida. “Havia uma conta no Mixer [da Xbox] nos Estados Unidos, em Espanha e em outros países e pensei «porque não criar uma conta para Portugal?». Assim, começou a fazer stream na plataforma da Microsoft, como apresentadora, jogando também títulos exclusivos para a Xbox.
“Já tinha experimentado várias formas de conteúdo e nunca tinha sentido algo como senti a fazer streaming. O streaming para mim funcionou e mexeu comigo de uma forma totalmente diferente”, sublinha.
A importância de criar uma ligação com quem está do outro lado do ecrã
“Por já ter feito outros projetos no passado, não comecei no Twitch do zero”, explica. “Já tinha algumas pessoas que me seguiam de outros projetos e, por ter estado ligada à Xbox, e agora com a GOATPixel, conheço muitas pessoas do meio que também facilitaram”: algo a que acrescem os frequentes Raids ao seu canal, uma funcionalidade da plataforma onde streamers podem enviar quem está a ver a sua transmissão para um outro canal.
“Geralmente o que as pessoas elogiam no meu canal é a parte mais de conversa. Eu não me considero a melhor jogadora de sempre, mas o que eu gosto é estar a falar com as pessoas e de partilharmos novidades sobre o gaming, séries ou músicas. Diria que parte da razão pela qual as pessoas me seguem no Twitch tem muito a ver com esse contacto”.
A criação de uma ligação com quem está do outro lado do ecrã é não só uma conquista pessoal para a streamer, mas também para quem a segue na plataforma. Da stream especial de aniversário, o primeiro celebrado ao vivo enquanto streamer, à de Halloween, sem esquecer a abertura das novas PS5 e Xbox Series X e até a mudança de casa: todas fazem parte da lista de momentos que marcaram genuinamente a sua experiência.
Os seguidores estão “também investidos no canal e muitos acreditam no seu sucesso, querem partilhá-lo, que isto se torne numa coisa maior e que chegue a mais pessoas. Foi nesses momentos em que eu senti que foi uma vitória para mim, mas também para o canal e para as pessoas que estão a ver. Quanto mais isto cresce, o nível de produção e o entretenimento que eu lhes consigo oferecer também é diferente”.
Por entre controvérsias, o Twitch ainda tem muito caminho a trilhar
Os comentários negativos são uma realidade quase inescapável para quem produz conteúdo, seja dentro ou fora da Internet. No Twitch há sempre “críticas e trolls”, independentemente do criador, mas o panorama apresenta-se diferente para as streamers.
Ana já ouviu casos de streamers portuguesas suas conhecidas e recorda um caso em particular. “Uma rapariga que conheço, que também fazia streaming, tinha-me contado que tinha uma data de Clips dela quando ela se levantava e virava na stream”.
Mas ter certos seguidores a captar poses comprometedoras é apenas ponta do iceberg. “Já ouvi várias histórias assim e sei que a nível internacional houve vários casos até de «stalking» e assédio”. Já no seu caso, a situação mais “estranha” que aconteceu foi perguntarem-lhe se “enviava nudes por DM”.
“O mais habitual será provavelmente a pergunta «tens namorado?». Muitas pessoas chegam ao Twitch com a fantasia de que vão encontrar a «perfect gamer girlfriend», que gosta de jogar como elas e que entende sobre cenas geek. Isso é muito comum mesmo. Quando vais a um stream de um homem nunca vês alguém a perguntar se ele tem namorada”.
Ao longo dos últimos tempos, o Twitch tem tido a sua dose de polémicas e uma das mais recentes centra-se em torno de “hot tub streamers”: um género ocupado maioritariamente por criadoras de conteúdo que fazem as suas transmissões a partir de jacuzzis ou de piscinas.
As opiniões dividem-se entre os internautas e toda a questão assume vários contornos, embora se destaquem duas correntes de opinião contrastantes. Por um lado há quem considere que o género de transmissão se afirma como uma forma das streamers se exporem, recorrendo a roupas e poses sugestivas, de forma a captarem a atenção do público e lucrarem com isso. Por outro há quem defenda que as streamers estão no direito de fazerem o que entenderem, desde que não “pisem o risco” e desrespeitem as atuais regras da plataforma.
Ana, que também se tem mantido a par da polémica, acredita que “o Twitch é uma plataforma privada” e que os criadores “podem colocar lá o conteúdo que quiserem”. “Desde que a stream esteja devidamente identificada como para mais de 18 anos e, neste momento o Twitch até criou uma categoria de propósito para «pool, beach & hot tubs», considero que não há problema, porque efetivamente só vês aquilo se quiseres, ninguém te obriga”.
A criadora indica, no entanto, que o “que foi hipócrita por parte do Twitch, que, entretanto, já veio falar sobre isso”, foi o facto de ter retirado a possibilidade de monetização, no que toca a anúncios, do canal de uma das streamers mais populares neste género, chamada Amouranth, sem a informarem.
Aplicar uma solução semelhante àquela que existe no YouTube poderá ser uma possibilidade. Ana defende que devem existir “regras expressas” que indiquem aos criadores que tipo de conteúdo é apto, ou não, para receber publicidade: “algo que não existe neste momento”.
A “falta de leitura do contexto” é outro dos problemas apontados pela streamer, uma situação que se tornou mais flagrante com a implementação de novas regras no início do ano que proíbem certos termos ou nomes. “Imagina: estou a jogar contigo e estamos a falar por Discord com outra pessoa. Entretanto, alguém chama um nome a outro jogador. Tu não tiveste qualquer poder sobre isso”. A criadora indica que há casos de pessoas que já foram suspensas inclusive por “coisas que o próprio jogo diz” e que os jogadores não conseguem prever.
Ainda entre os aspetos mais problemáticos da plataforma, Ana destaca a questão do copyright no que respeita a músicas, em particular, dos próprios videojogos. “Isso faz pare da obra de um jogo. O que é que é eu estar a jogar Final Fantasy X sem estar a ouvir a banda sonora?”. “O Twitch tem apresentado lentamente algumas alternativas”, mas “ainda não é o suficiente”.
O sonho de chegar ainda mais longe
Olhando para o atual contexto de pandemia, Ana afirma que tem “perfeita noção” de que passar pelo último ano sem o Twitch “teria sido muito mais difícil”. Com todas as restrições implementadas para travar a crise, a plataforma constituiu-se como uma forma essencial para manter a vida social.
“O Twitch foi algo a que [os internautas] se agarraram para conhecerem novas pessoas, para terem uma nova companhia. Apesar de todas as críticas que lhe são lançadas, considero que é uma plataforma que já nem posso chamar «com potencial», porque ela já mostrou que está aqui para ficar e que é uma potência”, enfatiza.
A plataforma é necessária, “traz muito valor às pessoas que a veem” e é capaz de criar toda uma comunidade e uma cultura que “só as pessoas que a visitam é que conhecem”. “Se existe a TwitchCon, por alguma razão é”, aponta.
É verdade que ser streamer a tempo inteiro é algo complicado e, “em Portugal, são poucos os criadores” que o conseguem fazer, indica Ana. Quando questionada se encararia o streaming como única profissão no futuro, a criadora detalha que gostaria de estar numa fase da sua vida em que tivesse a liberdade de poder estar no Twitch, mas também a dedicar-se a muitos mais projetos. “Imagino mais algo assim do que ser simplesmente streamer a tempo inteiro. Até porque considero muito difícil a plataforma conseguir me assegurar aquilo que seria um bom salário para aquilo que eu espero e quero para a minha vida”.
“Para já, sem dúvida, o meu objetivo é continuar com o meu trabalho full-time”, conta, acrescentando que a sua atual profissão “alimenta" também aquilo faz na plataforma. Ana sente que o Twitch é mais do que um simples hobby: “vejo-o já mais como um trabalho”.
O cuidado com a planificação das transmissões, a atenção que tem ao notificar os seus seguidores, a tentativa de trazer sempre “os melhores conteúdos” e mais diversificados, além da procura por parcerias e colaborações com outros criadores são para Ana sinais de que isto é mesmo “uma coisa a sério” e que quer levar ainda mais longe, tendo sempre um sonho em mente: ser uma das maiores streamers portuguesas no Twitch.
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