A regulação das telecomunicações na Europa deve deixar de considerar as partes e passar a olhar para o todo, se se quer preservar a capacidade local de investimento em serviços de vanguarda. A conclusão é de um estudo financiado pela União Europeia e assinado por Mario Draghi, antigo presidente do Banco Central Europeu. O relatório faz uma análise à capacidade competitiva e de investimento do mercado europeu de telecomunicações, em comparação com outras regiões do globo, como a China ou os Estados Unidos. Conclui que uma das grandes diferenças está no número de empresas existentes e, consequentemente, na capacidade de investimento dessas empresas.

A regulação europeia tem preservado uma política de operadores nacionais, com limites rigorosos às operações de concentração que, segundo o relatório, tem fragmentado o mercado e impedido as empresas de ganharem escala e capacidade para investir em serviços de conectividade de próxima geração, na mesma medida das congéneres noutras partes do mundo.

"É necessário facilitar a consolidação no setor das telecomunicações para obter taxas mais elevadas de investimento em conetividade. A iniciativa fundamental consiste em alterar a posição da UE em relação à escala e à consolidação dos operadores de telecomunicações", refere o documento.

O relatório defende mesmo que a estratégia de regulação europeia vai em sentido contrário ao tão ambicionado conceito de mercado único e isso tem consequências para a inovação. Recomenda-se que os reguladores troquem a abordagem nacional por uma regulação à escala europeia, abrindo espaço para a consolidação, que é como quem diz, para fusões e aquisições dentro do espaço europeu. Mais abertura para operações de concentração será também uma oportunidade para reforçar os compromissos de inovação e com investimentos impostos às empresas que queiram fundir-se, defende-se.

Seguindo a mesma lógica de uma visão europeia, sugere-se que as licenças de espetro passem a ser alinhadas a nível europeu e não em cada país como acontece hoje, o que implicaria uma harmonização de regras de atribuição desse espetro em toda a região.

A chamada regulação ex-ante deve ser reduzida ao mínimo, "a favor da aplicação ex post das regras de concorrência em caso de abuso de posição dominante". Em causa, estão as medidas hoje aplicadas a operadores incumbentes ou com poder de mercado significativo. Em alguns mercados, estes operadores são obrigados a criarem condições de acesso às suas redes (ofertas grossistas) para que outras empresas possam suportar aí as suas próprias ofertas. O objetivo deste tipo de regulação é colmatar falhas de mercado, em zonas onde há menos oferta por exemplo. O relatório defende que primeiro devem ser aplicadas as regras gerais da concorrências e só depois  medidas adicionais, se forem realmente necessárias.

Outro tema caro ao setor nos últimos anos tem sido as obrigações dos chamados OTT (Over the Top), os prestadores que assentam serviços em cima das redes de telecomunicações. Serviços esses que são cada vez mais mais exigência em termos de largura de banda e tráfego de dados, sem pagar por isso. Nesta lista estão as grandes plataformas de internet, como os donos do Facebook ou da Google, entre outros. Tal como os operadores de telecomunicações, o relatório Draghi defende que os OTTs devem ser chamados a contribuir para os custos das redes de dados onde assentam os seus serviços, através de algum modelo de partilha de investimentos.

O relatório Draghi foi encomendado para ajudar a Comissão Europeia a encontrar estratégias para concorrer mais (e melhor) a nível global no contexto de uma economia global que desacelerou no crescimento económico, mas continua a acelerar no desenvolvimento tecnológico. Como refere o site oficial, será um dos elementos a considerar na definição da estratégia para a a Europa, que o novo executivo da Comissão se propõe apresentar nos primeiros 100 dias de mandato.

O documento defende um maior foco e financiamento das empresas inovadoras, esforços redobrados na transição para uma economia verde e na redução da dependência de produtos que vêm de ouras regiões do globo e que são críticos para melhorar a segurança e a resiliência da região. As telecomunicações são uma entre várias áreas visadas na análise.

As conclusões do relatório para a área das telecomunicações já foram saudadas pelas organizações mais representativas do sector, a GSM Association e a Connect Europe, numa declaração conjunta.

A associação de operadores europeus alternativos também foi rápida a comentar o documento, mas para lançar várias críticas. Diz que demonstra uma “abordagem unilateral em relação às telecomunicações, apoiando explícita e exclusivamente os interesses de alguns grandes operadores históricos”. A ECTA acredita que este tipo de alterações vão conduzir a preços mais elevados e desincentivar a inovação e dá vários exemplos da importância histórica do modelo de regulação atual, na promoção de um ambiente competitivo e inclusivo no sector das telecomunicações na Europa.