As vantagens e os ganhos que uma Smart City pode devolver a quem lá vive serão tanto maiores quanto maior for o âmbito das soluções inteligentes implementadas, a capacidade de se ligarem entre si e de tirar partido dos dados gerados.
O conceito de Smart City vai muito além da mobilidade e da eficiência energética a que estão ligados boa parte dos projetos que hoje estão em destaque em Portugal e, mesmo a esses níveis, a escala das soluções implementadas, e a possibilidade de irem passando de cidades para regiões, maximizará o alcance dos resultados, mas também será um dos grandes desafios dos próximos anos.
Num estudo recente, a Deloitte identificou 12 tendências que vão marcar o futuro das cidades. Da mobilidade às comunidades de saúde inteligentes, passando pelos temas da segurança, IA ou ecossistemas de inovação. Olhando para estas 12 áreas dos ecossistemas urbanos, que a digitalização pode ajudar a transformar, Ricardo Martins, acredita que aquela onde Portugal tem feito mais progressos é na área dos ecossistemas de inovação.
“De facto, temos assistido a uma dinâmica muito interessante em algumas cidades portuguesas, nomeadamente Lisboa, Porto e Braga, onde começaram a residir um conjunto de startups e empresas altamente inovadoras, assim como nómadas digitais, e que se estão rapidamente a tornar polos de atração de investimento estrangeiro”.
Por outro lado, existem áreas onde o investimento atual é curto, como o domínio da Cybersecurity & Privacy Awareness. Com a pandemia aceleraram-se os processos de digitalização no Estado e nas empresas, mas também aumentaram os riscos de cibersegurança. “Investir na segurança da infraestrutura tecnológica das cidades vai permitir ao país poupar milhões de euros em danos diretos e reputacionais”, sublinha o Associate Partner da Deloitte. O estudo da consultora revela aliás que o número de ciberataques entre 2017 e 2019 aumentou em 63%, gerando perdas significativas para a economia.
Promover a economia circular é apontada como outra grande oportunidade para as cidades se reinventarem tecnologicamente, incentivando não só a reciclagem, mas a reutilização de materiais que até hoje eram vistos como desperdício, mas que podem ajudar a diminuir os resíduos produzidos no contexto urbano. As hortas urbanas ou as comunidades energéticas de energia renovável são, neste contexto, apontadas pela Deloitte como duas formas de reduzir a dependência e o impacto ambiental das cadeias de abastecimento das cidades.
Na área da mobilidade, que já é uma área de intervenção prioritária em muitas cidades portuguesas, continua também a existir espaço para melhorias na promoção de meios de transporte mais sustentáveis e que ajudem quem mora ou trabalha nas cidades a poder dispensar os carros. As iniciativas de Mobility-as-a-Service são vistas como a solução do futuro para as cidades. “Só na UE a mobilidade urbana representa 40% das emissões de C02 associadas aos transportes rodoviários, o que demonstra bem a necessidade de investir em meios de mobilidade sustentáveis”.
Interligar soluções de mobilidade
A mobilidade continuará aliás a ser um dos grandes desafios das cidades inteligentes a vários níveis, sendo um dos mais relevantes a capacidade de integrar as soluções disponíveis, para que possam estar otimizadas para as necessidades de quem as usa e ser fáceis de usar. Como refere Pedro Barradas, Chief Strategy Officer da Armis ITS “a mobilidade é um sistema de sistemas. Enquanto todos estes sistemas continuarem a ser operados de forma isolada, sem se ter em conta as externalidades, o problema da interoperabilidade continuará a ser um desafio”.
Como também sublinha o responsável da empresa portuguesa que desenvolve soluções inteligentes para a área dos transportes (ITS, na sigla em inglês), “a interoperabilidade, em si mesma, não resolve nenhum problema, mas é necessária para que se possa garantir um mínimo de articulação, ou orquestração, dos diversos serviços de mobilidade numa cidade”.
O principal problema é que “garantir a continuidade e interoperabilidade dos serviços ITS requer a criação de estruturas de governação claras, atenção à utilização de normas e atividades de harmonização baseadas na partilha de conhecimentos e na experiências entre pares”, para que todas as peças do puzzle possam comunicar entre si.
Neste processo, a componente mais crítica, admite Pedro Barradas, é a “necessidade de partilha e colaboração entre as partes”, um trabalho que os vários players desta área terão de continuar a fazer para a mobilidade as a service ser mais do que um conceito.
O efeito 5G
Várias tecnologias terão um papel fundamental na resolução deste e de outros desafios que as cidades continuarão a enfrentar, à medida que digitalizam os seus processos de gestão e operação. Como resume a Altice Empresas, “a gestão das cidades do futuro assenta na conjugação de um conjunto de fatores: dados, IoT, Inteligência Artificial, ou Realidade Aumentada, suportadas por uma rede de dados de fibra ótica e 5G”.
Como também refere, João Ricardo Moreira, administrador da NOS, neste conjunto, “o 5G traz uma pequena disrupção porque vem permitir tirar o melhor partido de todas as outras tecnologias à volta”. A velocidade, fiabilidade e segurança que a tecnologia traz para o universo das redes sem fios dizem quase tudo sobre o papel que terá nas cidades do futuro. O facto de permitir tudo isso com uma implementação mais fácil e mais barata que as tecnologias de rede fixa complementam a lista de argumentos.
“A médio longo-prazo vemos um grande potencial do 5G que irá permitir dinamizar toda uma nova economia em redor dos dados em tempo real, com muita baixa latência”, sublinha a Deloitte, antecipando alguns cenários. A tecnologia vai ter um papel importante na monitorização de ativos urbanos, para permitir a reação em tempo real das forças de segurança. A introdução de sensores 5G na via pública vai otimizar o trânsito em tempo real dos transportes públicos e permitir a comunicação entre veículos autónomos. Em áreas como a saúde, o 5G pode finalmente impulsionar a adoção de sistemas preventivos e aumentar o recurso a serviços de TeleAssistência e TeleSaúde, ou outro tipo de cuidados à distância.
Estas são aliás algumas das áreas onde a tecnologia já está pronta para responder às necessidades das cidades do futuro. Noutras áreas, ainda não existem todas as respostas, mas vão chegar. “A ideia de que as soluções estão todas prontas a dar resposta é um pouco exagerada”, admite João Ricardo Moreira. Não vale a pena acenar com essa ideia às cidades, mas também é preciso dizer que algumas respostas só não existem porque as perguntas ainda não tinham sido feitas. As ferramentas para desencadear o processo estão preparadas.
“As soluções de computer vision são um bom exemplo. Existem e estão prontas a usar, cumprindo os requisitos RGPD. Existem as câmaras, os algoritmos e os sistemas para integrar essa informação, mas quando se trabalha com um serviço municipal, os desafios que se têm são muito finos”.
É difícil, por exemplo, encontrar um algoritmo pronto para controlar o estacionamento em segunda fila, um problema típico nas maiores cidades portuguesas. “Mas há formas de pegar na soluções que já existem e treinar algoritmos para um caso tão específico”, acrescenta o gestor.
O processo é evolutivo e a evolução vai-se fazendo à medida que as necessidades surgem. A novidade de muito do que se está a fazer ao nível das Smart Cities também tem obrigado a todo um trabalho de normalização, que acontece ao nível europeu, para depois ser refletido nas soluções que chegam ao mercado.
Vasco Pinheiro, Managing Partner da Focus BC, vê precisamente aí outro dos desafios que hoje se colocam às empresas que desenvolvem soluções nesta área: acompanhar os standards, normas e boas práticas para o sector, que nalguns casos ainda estão a ser definidos. “Naturalmente há muito mais para fazer, no entanto, cabe aos fornecedores de plataformas e soluções adotarem e suportarem os standards existentes e suportar grande abertura para endereçar domínios menos standarizados”.
A empresa defende ainda que as soluções tecnológicas para este mercado têm de ser desenvolvidas com outra preocupação em mente: a falta de recursos humanos especializados nos organismos que vão operá-las. O problema é generalizado e também do sector público. A Focus BC acredita - e segue a máxima - que as soluções no code/low code são a abordagem certa para ajudar a endereçar o problema e permitir que quem vá usar as soluções do lado de lá possa realizar tarefas complexas de uma forma simples e intuitiva.
Interoperabilidade: o desafio que precisa de uma resposta à escala europeia
Em paralelo às soluções que já estão no mercado, seguem vários projetos de investigação financiados pela UE, que estão à procura de respostas para as questões que inevitavelmente vão surgir da necessidade de escalar as cidades inteligentes para regiões inteligentes, capazes de comunicar entre si e otimizar recursos e serviços.
A Armis integra por exemplo o Grupo de trabalho Napcore, um projeto financiado em 14 milhões de euros, que tem como objetivo ligar todos os Pontos de Acesso Nacionais de dados de tráfego e transporte na Europa. Na área da condução autónoma lidera o C-Streets, que conta com um financiamento de 33 milhões de euros e que vai apoiar a harmonização técnica entre os pilotos C-ITS, que estão a ser implementados em 53 cidades europeias para testar a implementação de sistemas de transportes inteligentes cooperativos em áreas urbanas.
A empresa portuguesa tem também estado envolvida em iniciativas para a digitalização das Zonas de Emissões Reduzidas. Os Regulamentos de Acesso a Veículos Urbanos (UVAR) têm sido estabelecidos em todas as Cidades Europeias, ao abrigo de diferentes esquemas que pretendem ter um impacto positivo na redução das emissões, no congestionamento do tráfego, ou na devolução do espaço urbano a peões e ciclistas. Mas, “estes UVAR nem sempre estão integrados num plano de mobilidade e transporte e têm surgido em diferentes formatos devido à língua local, costumes, cultura, condições de tráfego na cidade, região ou país, uma diversidade que acabou por gerar constrangimento para a livre circulação de pessoas e bens”, explica Pedro Barradas.
A Armis integrou o projeto UVAR Box que criou um modelo de dados normalizado e interoperável para todos os países da UE, para dotar as cidades de ferramentas para gerar esquemas digitais destes regulamentos, a partir dos seus sistemas SIG e em 28 línguas. Estes esquemas já estão a ser usados por serviços como o Here Maps, TomTom e Google Maps.
Esta e outras iniciativas alinham com os princípios da Estratégia Europeia para os Dados, onde também se prevê a criação de um mercado único de dados, com regras de controlo e uso harmonizadas para toda a UE num conjunto de sectores estratégicos, como a mobilidade, a energia ou a saúde, entre outras. Esta é outra linha de ação que terá impacto na forma como as cidades podem tirar partido dos dados, para prestar melhores serviços a quem lá mora.
“Nesta área dos dados, um passo importante para poder escalar o impacto individual que cada projeto, em cada cidade, pode ter é existir uma visão europeia harmonizada sobre o assunto e a garantia de interoperabilidade, como se pretende fazer com a criação dos Common European Data Spaces”, frisa Ricardo Martins a Deloitte.
“Os acessos a estes dados de forma interoperável e aberta vão certamente contribuir para a melhoria de diversos serviços na sociedade e a otimização dos seus custos, em áreas como a rede de transportes públicos, no acesso aos cuidados de saúde, passando pela sustentabilidade ambiental e pela eficiência energética, outro dos temas quentes também na agenda europeia”.
Voltando a colocar a lente à escala nacional, destaca-se também a importância de as cidades trabalharem cada vez mais em conjunto para maximizar resultados, como frisa Miguel Amado, Government and Public Sector Leader e partner da EY. “Apesar de os desafios que as Smart Cities visam endereçar serem locais e próprios de cada centro urbano, muito se pode partilhar enquanto experiência e replicar enquanto solução, algo que infelizmente não se verifica no volume desejado”.
Como sublinha o responsável, “o conceito de Smart Country poderá promover uma convergência e um maior sentido de colaboração, com vista a uma normalização de serviços e dados, assim como a uma poupança significativa de recursos e otimização de investimento”.
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