Os dados do Barómetro indicam que 84% das instituições têm pelo menos um projeto implementado na área da telesaúde, considerando as várias ferramentas tecnológicas que existem de consultas e monitorização de doentes à distância, diagnóstico e formação. Mas são também identificadas necessidades de formação, investimento e recursos tecnológicos que potenciem uma visão em que os cidadãos têm acesso a cuidades de saúde de maior qualidade, independentemente da sua localização.

Em entrevista ao SAPO TEK, Filipa Fixe, membro do conselho executivo da Glintt, explica  como foi a aceleração da saúde digital nos últimos dois anos e avisa que é urgente que as soluções ganhem maturidade. As perspetivas de utilização da Inteligência Artificial, em projetos já implementados ou ainda em piloto, fazem também parte dos pontos abordados.

SAPO TEK: Como evoluiu nos últimos dois anos a “saúde digital”? Que impacto teve a COVID-19?

Filipa Fixe: No que respeita à adoção de determinadas tecnologias e ferramentas nos serviços de saúde em Portugal, as condições tecnológicas já existiam antes da pandemia, mas o contexto pandémico e de atuação urgente obrigou a uma “mudança cultural” e de processos para que a centralidade no cidadão fosse uma realidade efetiva. A propagação do vírus SARS-coV-2 veio assim acelerar a transformação digital no setor da Saúde, com impacto direto sobre todo o ecossistema, desde as unidades hospitalares até à nossa casa. As teleconsultas afirmaram-se definitivamente como um meio fundamental para garantir mais equidade na prestação de cuidados de saúde bem como a sustentabilidade do sistema.

A transformação digital a que todos assistimos na área de saúde é o resultado do impacto positivo da tecnologia nesta área e eis o porquê: a telemedicina, os dispositivos médicos aptos para inteligência artificial, o 5G ou a Gamificação são apenas alguns exemplos da transformação digital na área de saúde e que estão a remodelar completamente a forma como interagimos com os profissionais de saúde, como é que os nossos dados são partilhados entre os provedores ou, simplesmente, como é que as decisões são tomadas relativamente aos nossos planos de tratamento e resultados de saúde.

Saúde Digital: Teleconsulta é a ferramenta mais usada e Inteligência Artificial ganha terreno
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O conceito de inovação é, sem dúvida, o ponto principal aqui, no qual o objetivo é o de agilizar o trabalho dos diferentes profissionais de saúde, otimizar sistemas, melhorar os resultados em saúde para cada pessoa, reduzir o erro humano e diminuir os custos, através de experiências virtuais. Por outro lado, através da incorporação da tecnologia é possível obtermos uma melhor gestão dos cuidados de saúde, assegurando o princípio da equidade, beneficiando todos os cidadãos, sem exceção e sem marginalizar os que se encontram a grandes distâncias dos grandes centros urbanos ou com maiores dificuldades económicas.

A pandemia acelerou de forma exponencial a adoção de ferramentas virtuais no contexto de saúde e bem-estar e de gestão da doença. É importante analisar e definir as tecnologias que foram implementadas e os resultados que proporcionaram e como vamos garantir a sua continuidade de forma compreensiva para que gerem valor para o sistema de saúde na gestão equilibrada da procura e oferta dos serviços de saúde.

 SAPO TEK: As instituições de saúde estão mais preparadas para teleconsultas? E os cidadãos? Persistem ainda barreiras digitais ou os últimos dois anos superaram esses entraves com a distância forçada?

Filipa Fixe: Comparativamente com 2019, em que 75% das instituições tinham pelo menos um projeto implementado na área de Telessaúde, sendo o Telerastreio a área mais utilizada, esta 2ª Edição do Barómetro aponta para uma clara subida das instituições que têm pelo menos um projeto de Telessaúde implementado (84% em 2022). E a Teleconsulta é a área de Telessaúde mais utilizada (96%), seguida da Telemonitorização (63%) e do Telediagnóstico (39%).

As instituições apontam como principais barreiras ao desenvolvimento da Telessaúde a baixa literacia em Telessaúde (61%); a falta de motivação na adoção da telessaúde pelos profissionais (48%) e a falta de formação dos profissionais (33%).

No entanto, o universo global dos inquiridos considera que a Telessaúde é uma prioridade da sua instituição (56%); promove a relação entre o utente e o profissional de Saúde (51%); desempenha um papel muito importante na monitorização remota de doentes crónicos (90%); promove uma melhor autogestão da doença (85%); permite uma redução das readmissões hospitalares (77%) e aponta a partilha de dados clínicos por Telemedicina como uma dinâmica que promove a adequada orientação e adesão terapêutica (75%).

Porém, e se antes já se tinha identificado que 64% dos consumidores afirmavam que era conveniente ter acesso à saúde virtual, agora, mais do que nunca, faz todo o sentido o desenvolvimento e adoção de soluções digitais neste setor. Efetivamente, os profissionais de Saúde mais digitais, os utilizadores e os fornecedores de sistemas de informação reconhecem a existência de um mundo de oportunidades no que à utilização de tecnologias como a IA, a IoT e a Telemedicina no setor da Saúde dizem respeito. No entanto, torna-se urgente que estas ferramentas ganhem maturidade, assim como se deve apostar na credibilidade e na usabilidade deste tipo de soluções, para que cada vez mais os profissionais de Saúde e os administradores hospitalares possam introduzi-las no seu dia-a-dia e, acima de tudo, que cada individuo as utilize.

O investimento na formação contínua de profissionais de saúde e de gestores, em tecnologias de Informação e Comunicação e a abertura da Unidades de Saúde para inovação e co-criação de novas soluções são críticos para que Portugal transforme a gestão da saúde, numa aposta efetiva em prevenção e inclusão de todos os cidadãos e profissionais de saúde.

SAPO TEK: Como está a ser usada a IA na Saúde e qual o potencial para reduzir trabalho burocrático dos profissionais de saúde?

Filipa Fixe: Segundo esta 2ª edição do Barómetro, as áreas com maior implementação e evolução face a 2019 são a transcrição de voz, que continua a ser a área com maior implementação com 30%. Seguida do Agendamento de Atividades Clínicas, e da Interpretação de imagem, ambas com 24% das instituições de Saúde a implementarem estas dinâmicas.

Do lado do cidadão a adoção de tecnologia que permite controlar a sua saúde e bem-estar também cresceu e a sua adoção acelerou durante estes últimos dois anos de pandemia. Em 2021, 1 em cada 4 americanos tinham um relógio inteligente ou “uma pulseira de fitness”. A taxa de adoção destes dispositivos inteligentes é semelhante à que observámos com os smartphones entre 1990-2010 (The Economist, 7th-13th may 2022). Tal implica que cada pessoa vai exigir cada vez mais uma relação bidirecional com as unidades de saúde, com os seus profissionais de saúde, com os pagadores e exigir que o ecossistema alargado da saúde é cada vez mais promovido através de tecnologias de informação e comunicação.

Contudo, no que toca à adoção da Inteligência Artificial (IA) na área da saúde, existem algumas barreiras que têm sido consideradas como verdadeiros entraves à respetiva incorporação e posterior massificação. Alguns exemplos são a capacitação das equipas e dos profissionais de saúde em tecnologias de informação e de comunicação, ciência de dados e do impacto da utilização dos dados para decidir com base em informação e conhecimento. Por outro lado, e para que a inovação tecnológica continue a ser uma realidade, é importante que a experiência dos profissionais de saúde e do doente seja melhorada de forma contínua e que funcione como uma verdadeira parceria. Para tal, é necessário que a infraestrutura tecnológica das instituições públicas e privadas sejam reforçadas, que a literacia digital de cada cidadão seja reforçada, em especial a dos adultos, e que a aposta em inovação e em novos modelos de financiamento seja uma realidade.

Ainda segundo o estudo do EIT Health, em parceria com a McKinsey & Company, a inteligência Artificial pode revolucionar a assistência médica, através de melhores resultados neste acompanhamento, na experiência do paciente e no acesso a serviços de saúde, através da melhoria da produtividade e eficiência. Atualmente esta tecnologia, na área da saúde, é já aplicada nos processos de diagnóstico, no entanto, nos próximos 5 a 10 anos, os profissionais de saúde esperam que a tomada de decisões clínicas passe a ser a aplicação digital mais relevante.

Neste sentido, do ponto de vista da gestão hospitalar, a IA pode também auxiliar os gestores na tomada de decisão, através da análise de informação e do cruzamento de dados disponibilizados nos vários sistemas de informação. Poderão também ser desenvolvidas ferramentas baseadas em IA focadas na entrega de informação aos gestores hospitalares relativamente à implementação das estratégias mais eficazes, com base na análise dos episódios de urgência, conjugando com relatórios da atividade gripal dos anos homólogos, por exemplo. Tendo este conhecimento prévio, as respostas às situações de doenças virais, como a Covid-19 e a gripe, poderão ser previamente planeadas de forma eficiente e mais eficaz, permitindo antecipar a necessidade de alocação de determinado número de profissionais de saúde e camas, bem como prever o consumo de medicamentos.

A IA permite, de facto, o desenvolvimento de ferramentas inovadoras. Um exemplo disso são as assistentes virtuais de saúde, que podem ser os personal trainers do próprio doente. Podem também prestar informação e até ser uma companhia, no caso de doentes e, simultaneamente, desempenhar um importante papel no apoio a cuidados menos especializados.

No entanto, esta edição do Barómetro aponta como barreiras à implementação da IA, a ausência de “Cientistas de Dados” (55%), a escassez de recursos financeiros (39%) e a inexistência de infraestruturas tecnológicas (28%).

Como dinâmicas facilitadoras, as entidades de Saúde (respondentes) elegem a necessidade de reconhecimento do potencial de IA por parte dos profissionais de Saúde com 55%; a inclusão de IA no seu plano estratégico, com 41%; e a disponibilidade e qualidade dos dados, com 35%.

A utilização de dados na saúde está ainda na fase inicial, mas o seu potencial é muito promissor, se garantirmos que a maturidade digital das instituições é norteada por uma arquitetura de referência que tem na sua génese a interoperabilidade dos sistemas de informação e uma definição dos dados que devem ser armazenados, qual o seu significado e qual o seu propósito final. A inteligência artificial permite escalar e potenciar o trabalho dos profissionais de saúde que serão sempre fundamentais e que nunca serão substituídos pela tecnologia.

A tecnologia deve ser um dos pilares fundamentais para melhorar a qualidade dos cuidados em saúde, a satisfação dos profissionais de saúde no seu dia-a-dia, através da capacidade de informar no momento certo com a informação pertinente, e ser o garante de sociedades mais saudáveis e sustentáveis.

Na Saúde, Portugal pode e deve afirmar-se como uma montra digital que potencia a Economia através de uma sociedade mais saudável e mais capacitada.

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