Ainda há alguma desconfiança quando se encontra uma pechincha de um produto tecnológico numa página de classificados ou nas lojas especializadas em equipamentos usados e os recondicionados, ou como se diz em inglês, os “refurbished”.
Pode parecer a mesma coisa, mas os refurbished são equipamentos devolvidos à fabricante, que foram danificados ou partidos, que são reparados e revistos pela própria marca ou por parceiros, e depois colocados novamente à venda como "semi-novos". Exemplos como vidros partidos ou outro componente danificado são substituídos de um equipamento praticamente novo. Os “usados” são os equipamentos com uso, recolhidos para serem novamente vendidos em segunda-mão.
E neste mercado há o receio de alguma avaria ou defeito que não seja percetível pelas fotos ou mesmo nas primeiras utilizações. Por outro lado, ter a noção de que o equipamento em questão possa estar desatualizado, especialmente no que diz respeito a smartphones ou computadores, cujos componentes são trocados anualmente pelos seus fabricantes.
Mas a poupança de dinheiro, assinalável em alguns negócios de equipamentos usados, tem vindo a mudar, aos poucos, as mentalidades e a quebrar preconceitos relativos ao consumo em segunda-mão, como aliás acontece na indústria automóvel. E sem saber, prolongar a vida dos equipamentos significa também cuidar do meio-ambiente, evitando a poluição tecnológica que tem sido uma grande preocupação a nível global.
Veja-se como exemplo, a Comissão Europeia que aprovou as medidas que impõem um carregador único para smartphones, tablets e outros dispositivos, mas também tem promovido outras práticas mais sustentáveis no sector dos sistemas elétricos e eletrónicos, de forma a diminuir o lixo eletrónico e tornar os equipamentos mais reparáveis.
Estima-se que, apenas em carregadores obsoletos, sejam gerados mais de 50 mil toneladas de lixo anualmente em todo o mundo. Ou seja, uma média acima de 6 Kg de lixo eletrónico por pessoa. Em 2016, a Europa gerou um total de 12,3 milhões de toneladas de resíduos eletrónicos, o que corresponde a uma média de 16,6 kg por habitante.
É neste contexto que surgem empresas como a iFixit que testam a facilidade de reparação dos equipamentos, promovendo políticas baseadas no contexto de que as fabricantes devem fornecer peças e manuais para a respetiva reparação descentralizada das marcas.
Na Califórnia, e gradualmente em outros estados americanos, foi criada a lei “direito de reparação”, que obriga as fabricantes de equipamentos a disponibilizar guias de reparação e peças oficiais de substituição aos seus clientes e profissionais independentes. A ideia é tornar o mercado das reparações mais competitivo, aumentando a sua qualidade e diminuindo o preço das faturas.
O que diz a lei portuguesa para vendas em segunda-mão?
Deve também ter em consideração que a compra de equipamentos usados a uma empresa profissional beneficia dos mesmos direitos de garantia de um novo. Algo que não é válido se comprar um bem a um particular, como esclareceu ao SAPO TEK a jurista Ingride Pereira, do Apoio ao Consumidor da DECO: “correrá um maior risco de vir a adquirir um bem que venha a ter problemas, não podendo responsabilizar a outra parte”.
A jurista esclarece que segundo a lei portuguesa, os produtos recondicionados e em segunda-mão têm uma garantia de dois anos se forem adquiridos a uma empresa ou profissional. Destaca o “Decreto- Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, com a última atualização efetuada pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de maio, que estabelece o regime da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, prevê no artigo 1º-B alínea b) a definição de bem de consumo – “qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão”.”
Em Portugal as grandes superfícies como a Fnac e a Worten apenas dão 12 meses de garantia dos seus equipamentos recondicionados. Mas empresas exclusivamente ligadas ao sector dão os dois anos de garantia, como é o caso da Foral Phones e a Swappie que se dedicam a vender smartphones da Apple. Mas isto significa que as grandes superfícies estão em incumprimento da lei? A jurista da DECO esclarece que a diferença da venda de produtos novos é que “no caso dos bens em segunda-mão ou usados a garantia legal pode ser reduzida para 1 ano, por acordo entre as partes, mas nunca pode ser inferior a 1 ano”. Ou seja, se a empresa dá um ano de garantia, e o cliente aceita comprar os equipamentos com esse prazo, está em cumprimento da lei.
No caso da Swappie, que chegou recentemente a Portugal, a empresa garante que tem total controlo na sua cadeia de valor, visto que a sua fábrica, localizada em Helsínquia, oferece a reparação dos equipamentos, ao nível da motherboard, assim como um “processo exaustivo de 52 testes”, assegurando a garantia de qualidade desde a reparação à venda dos iPhones colocados na sua plataforma. O líder da empresa, Sami Marttinen, explicou ao SAPO TEK que para os clientes há uma redução de até cerca de 40% do valor do equipamento novo, para além da preocupação em reduzir a pegada ecológica durante a sua produção.
A expansão do mercado dos smartphones “refurbished”
O mercado dos equipamentos em segunda-mão promete crescer ainda mais no futuro, sobretudo pelo seu impacto ambiental, e no esforço de reduzir as emissões de dióxido de carbono. A partir do próximo ano, equipamentos e eletrodomésticos vão ter novas regras de design ecológico, que ajudem a cumprir objetivos de economia circular, ou seja, que possam ser mais facilmente reutilizáveis, atualizáveis e recicláveis, com requisitos de reparação. Embora seja uma medida mais focada para os equipamentos domésticos, vai certamente estimular o mercado geral eletrónico.
Veja-se equipamentos como o Fairphone, que já é conhecido como o “smartphone ecológico”, cujos componentes como o ecrã e bateria são facilmente acessíveis sem ferramentas, ou quanto muito, usando uma chave de fendas. O processo é acompanhado de dicas visuais para desmontar instintivamente o equipamento. É por isso isso, e pelos guias de substituição de peças disponíveis no seu website, que o Fairphone 3 conseguiu obter uma pontuação máxima na exigente escala de “reparabilidade” do iFixit.
E se antes as pessoas trocavam os seus smartphones quando se partiam, ficavam mais lentos, ou simplesmente porque havia um novo modelo no mercado, aos poucos, os utilizadores vão mantendo os equipamentos durante mais tempo e procurando soluções para prolongar a sua vida. E isso deve-se sobretudo ao preço elevado de um smartphone, quando se decide adquirir os topos de gama das diferentes marcas. Um telemóvel que custe cerca de 1.000 euros novo poderá passados dois ou três ser comprado por cerca de metade do preço.
Um especialista da Persistence Market Research refere que, no que diz respeito a mercado dos smartphones usados, as pessoas estão mais disponíveis a dar entre 200-400 dólares por um refurbished, do que 500 por um equipamento novo. Pensamento que tem sido a força motriz que tem contribuído para o crescimento exponencial do mercado de usados.
Em maio, a startup francesa Back Market, dedicada à venda de smartphones e equipamentos eletrónicos em segunda-mão, fez uma ronda de investimento, levantando 120 milhões de dólares da Goldman Sachs, Aglaé Ventures e Eurazeo Growt, referiu o TechCrunch. A empresa não vende equipamentos diretamente, mas sim através de uma certificação de parceiros que listam os seus produtos no seu Marketplace. Este agregador conta com mais de mil parceiros certificados a vender, numa única plataforma.
A Swapie também referiu ao SAPO TEK que fechou uma ronda de investimento de cerca de 40 milhões de euros, valor que está a ser utilizado para a sua expansão no sul da Europa. Em 2018, a sua faturação rondou os 8 mil euros, em 2019 cresceu para 31 mil euros, um crescimento de 300% que a empresa espera agora quadruplicar com a expansão planeada.
Segundo dados da Counterpoint, em 2019 o mercado de refurbished caiu 1% face ao ano anterior, tendo-se vendido cerca de 137 milhões de unidades. A segunda metade de 2019 foi mais forte, mais não conseguiu contrariar as quebras dos primeiros. Esta foi a primeira vez, nos últimos quatro anos, que o mercado de usados caiu durante todo o ano.
Essa queda esteve em sintonia com a venda de novos equipamentos nos mercados principais, como os Estados Unidos, Europa e China, que combinados tiveram também um abrandamento de 6%, devido aos utilizadores manterem mais tempo os seus próprios equipamentos. Só na China, considerado o maior mercado de smartphones refurbished caiu 4% e o Japão 8%, segundo a especialista. Por outro lado, houve um crescimento acentuado em regiões como a Índia (9%), América Latina (6%) e África (2%).
Mas por outro lado, no início do ano, a IDC projetou esses números para outro patamar, referindo que em 2019 o total de telemóveis usados e equipamentos refurbished oficiais alcançaram um total de 206,7 milhões de unidades, número que representa um crescimento de 17,6% em relação a 2018. E nas previsões da empresa, em 2023 estima que a distribuição de smartphones usados chegue aos 332,9 milhões de unidades.
Ainda segundo a Counterpoint, os utilizadores, a nível global, mantêm os seus equipamentos por uma média de 21 meses, antes de os trocar, dados de 2017. Os utilizadores mexicanos são os que trocam mais rapidamente o seu equipamento, a cada 18 meses, e investigando mais a fundo, um em cada três consumidores procura trocar a cada 12 meses. Já os japoneses são os que mantêm mais tempo os seus smartphones, durante cerca de 26 meses.
Devido à pandemia de COVID-19, 2020 tem registado o pior declínio de sempre do mercado global de smartphones. A isto junte-se a incerteza económica provocada pelo isolamento obrigatório para conter a doença. No entanto, mesmo antes da pandemia o mercado de smartphones estava já a cair.
No seu relatório de janeiro, a IDC revelava os equipamentos usados e refurbished eram uma alternativa eficaz para os consumidores que desejam poupar dinheiro. E por isso, este mercado não mostrou sinais de abrandamento antes da crise. Apenas falta fazer um balanço do impacto da pandemia neste mercado.
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