A corrida para o desenvolvimento da computação quântica, e da vantagem quântica, tem dominado muitas das notícias nos últimos meses, com um interesse reforçado pelo facto da ONU ter declarado 2025 como o ano quântico. O investimento está a acelerar, com a McKinsey a calcular que poderá gerar até 97 mil milhões de dólares em receitas globais até 2035, com a computação quântica a captar a maior parte dessas receitas, passando de 4 mil milhões de receitas geradas em 2024 para 72 mil milhões em dez anos. O financiamento público e investimento em startups gerou em 2024 um total de 10 mil milhões de dólares, sendo o Japão responsável por 75% desse valor.
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A IBM é uma das empresas que lidera esta área, com provas dadas no desenvolvimento da teoria na criação de computadores quânticos que possam ser usados de forma útil, ou seja, que possam realizar tarefas computacionais numa escala para além do que os computadores clássicos fazem. Já conta com mais de 25 computadores com mais de 100 qubits (a unidade básica de informação usada para codificar dados em computação quântica), e 60 com menos de 100 qubits, somando no total mais computadores quânticos em operação do que todas as outras organizações que estão nesta área em conjunto.
Está tudo detalhado no roadmap de desenvolvimento da computação quântica, e recentemente a IBM anunciou duas novas conquistas, com o chip IBM Quantum Nightawk, com 120 qubits ligados num design de chip retangular, e o IBM Quantum Loon. Ambos são elementos desta visão de uma nova era de computação, embora este último ainda em modo experimental e sendo apontado como uma peça fundamental para a computação quântica tolerante a falhas.
É uma nova era onde a combinação entre a computação quântica, a computação tradicional e a Inteligência Artificial vai criar oportunidades inéditas de resolver os problemas da sociedade, como defende Alessandro Curioni, vice Presidente da IBM Research Europa e África e Diretor do IBM Research Zurich, que o TEK Notícias visitou na semana passada.
Mas como podem as empresas tirar partido desta nova era de computação do futuro? Em entrevista ao TEK, Alessandro Curioni admite que nesta fase nem todas as organizações vão ter capacidade de investir no desenvolvimento ou mesmo implementação de computadores quânticos e ,para o investigador, a oportunidade está em criar uma camada operacional, que designa como camada algorítmica, e que vai fazer a transferência da tecnologia em criação de valor de forma mais fácil. E isso é um trabalho de todo um ecossistema.
“O número dos utilizadores dos nossos sistemas [da IBM] é de mais de 600 mil, por isso é muito claro que fingir que estamos a criar o futuro sozinhos é estúpido. É melhor criar a camada de capacitação e colocá-la à disposição da comunidade, e com isso vai ter mais 600 mil possibilidades de criar a ideia certa”, afirma, dizendo que “é isso que estamos a fazer, permitir que o ecossistema se torne criativo, através dos utilizadores e dos nossos parceiros”.
“Eventualmente alguns deles vão dar o passo e criar valor que vai ser possível usar nas startups, nas PME e nas empresas que não conseguem investir em computação quântica”, justifica, lembrando que foi isso que aconteceu em revoluções tecnológicas no passado. “Havia coisas que só alguns conseguiam fazer [em computação clássica] e depois houve uma democratização, com computadores, internet e a cloud, que todos podem usar”.
Investir na criação de uma comunidade de software
O alerta para a necessidade da Europa investir no desenvolvimento de software e aplicações para tirar partido da capacidade da nova era de computação quântica é uma das ideias defendidas por Alessandro Curioni, que acredita que este é o caminho certo.
“Precisamos de ser pragmáticos e realístas como europeus. Há grande valor, e temos de investir em hardware e sistemas, porque temos de ser independentes e soberanos, mas isso não deve ser a única força motora que nos faz avançar, empurrada pelos nossos egos, porque queremos ser tão bons como os outros”, sublinha.
O diretor do IBM Research Zurich lembra que a realidade é que hoje há dois ecossistemas na liderança da computação quântica, os Estados Unidos e a China, mesmo que a Europa lidere na teoria e na base científica. “Se nos focarmos em apenas tentar acompanhar arriscamo-nos a não aproveitar a oportunidade que vai surgir nos próximos anos, não vamos estar prontos para criar a nova indústria de software do quantum centric computing do futuro”.
Alessandro Curioni avisa que “a inovação ao nível do algoritmo e da aplicação é enorme – é diferente" por isso "criar novos Quantum Valleys é uma enorme oportunidade para a Europa”. Destaca que na Europa, “há a diversificação das startups, temos o ecossistema, os negócios são mais diversos e podemos competir a diferentes níveis. Não há apenas uma cultura que domina […] Temos a oportunidade e devíamos aproveitá-la, não para “apanharmos” os que estão na frente”.
A ideia de procurar a soberania e independência na computação quântica pode ser um obstáculo. “Se seguirmos esta lógica esquecemos estas coisas e arriscamo-nos a não conseguir apanhar os da frente e não ter uma indústria de software e de aplicações no futuro”, justifica.
Nesta área, Alessandro Curioni faz a analogia com o desenvolvimento da indústria da aviação nos anos 60 e 70, onde apenas a Boeing fabricava aviões. “Se nós, europeus, nos tivéssemos focado só em fazer aviões, e não nos aeroportos, no ecossistema, nas ligações e no turismo, hoje não existíamos. E ao fazer isso conseguimos, passo a passo, apanhar os da frente, e hoje também temos a Airbus”, sublinha.
O desenvolvimento da capacidade de criação de software e algoritmos tem de evoluir em conjunto com a computação quântica, e por isso os “quantum valleys” são importantes. No evento para os media que a IBM organizou em Zurique, o Governo Basco apresentou o projeto que está a desenvolver com o projeto Basque Quantum, em parceria com a IBM, com a criação de um centro de computação em San Sebastian, onde tem a funcionar já um IBM Quantum System Two instalado no IBM-Euskadi Quantum Computational Center. Em paralelo com a instalação do computador, o Governo está a treinar estudantes e investigadores, desenvolvendo uma comunidade com as empresas que podem tirar partido da capacidade computacional instalada.
“Admiro imenso o que o Governo Basco está a fazer […] não estão a investir apenas em hardware mas a criar um ecossistema para o futuro, que transforma a ciência em valor”, explica Alessandro Curioni. “Têm de ter os melhores para poderem estar na fronteira e o ecossistema é uma oportunidade para avançar”.
O investigador refere ainda outros exemplos que estão a desenvolver-se em Chicago e no Quebeq, no Canadá, ou no Japão. “E é muito interessante que [este desenvolvimento] esteja a acontecer em comunidades mais pequenas”, refere, admitindo que provavelmente é mais fácil a um nível mais reduzido conseguir “este alinhamento de estrelas” e de visão que um sistema maior como a União Europeia não consegue.
“Se começar com algo que é mais de nicho, a oportunidade é maior e dá aos sistemas locais a capacidade de se tornarem maiores” e liderarem numa área não explorada, defende.
A AGI e a insignificância de uma inteligência artificial geral
Questionado sobre se a combinação da computação quântica com a Inteligência Artificial pode contribuir para criar a AGI, uma máquina que possa fazer tudo o que o cérebro humano consegue, Alessandro Curioni afirma que “esta concentração de comunicação na AGI é relativamente insignificante”.
“Tenho uma opinião muito forte, acredito que com quantum + IA e computação clássica podemos criar um instrumento que é muito, mesmo muito, mais poderoso do que nós”, sublinha, lembrando que, do ponto de vista da humanidade sempre tentámos criar instrumentos que nos permitissem, como humanos, fazer tarefas que não podíamos fazer, ou melhor. “Inventámos a roda para nos deslocarmos mais rápido do que apenas com as pernas, não voamos e inventámos o avião”.
“Acredito que a computação já nos permite fazer coisas melhor do que fazemos como humanos. A IA+Quantum vai permitir dar-nos superpoderes para podemos fazer coisas muito importantes, e resolver os problemas da nossa sociedade e não tentar construir uma inteligência artificial que nos “imite” também com os nossos limites”, defende.
“Porquê fazê-lo [desenvolver uma AGI]? Para mim não faz sentido. É como se para voar tentássemos imitar um pássaro”, sublinha o investigador.
E quando é que será atingida a Vantagem Quântica, com a prova de que a computação quântica é capaz de realizar uma tarefa específica de forma mais rápida e eficiente do que qualquer computador clássico, mesmo os supercomputadores mais potentes? Questionado sobre se a IBM é mais cautelosa nesta área do que outras empresas, Alessandro Curioni diz que é uma questão de olhar para esta meta com rigor, e que não é conservadorismo mas orientação científica.
O diretor do Laboratório afirma que em termos de negócio já se identificam vantagens, como acontece no caso da HSBC que anunciou recentemente as primeiras evidências empíricas do valor potencial dos computadores quânticos para resolver problemas do mundo real, como foi demonstrado no media day organizado pela IBM na semana passada.
“Seria estúpido para nós, e outros fizeram-no, simplesmente dizermos que existe uma vantagem [quântica] sem uma razão comercial e sem o provar cientificamente”, adianta Alessandro Curioni, que sublinha que “podemos chamar a isso um hype, e não estamos interessados”.
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Nota da Redação: o TEK Notícias viajou para o centro de inovação em Zurique a convite da IBM
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