Em 10 anos muita coisa muda, que o diga Ruben Remédios, também conhecido como Mister Remedy, que está no YouTube há uma década. De “Gaming is the Remedy - Jogar não dá”, a 4 de maio de 2011, até ao vídeo mais recente, publicado há cerca de um mês, o The Remedy Channel soma 626 vídeos e 330 mil subscritores, para lá de dois outros canais secundários e de um outro no Twitch.

O caminho não se faz só de momentos positivos ou de certezas e, recentemente, Ruben regressou ao YouTube depois de uma pausa de seis meses. Uma pausa para refletir acerca do futuro e para encontrar uma forma de dar a volta àquilo que descreve detalhadamente num dos seus vídeos como uma crise existencial. Após 10 anos, o criador de conteúdo sentiu que parecia estar tudo cumprido e, tal como conta ao SAPO TEK, a própria dedicação ao projeto do YouTube passou a ser diferente.

Mas estará tudo mesmo cumprido? Entrámos na máquina do tempo, apertámos o cinto e juntamo-nos a Ruben numa viagem de retrospetiva entre as memórias, os  “altos e baixos” e as oportunidades do seu percurso online.

As “faíscas” que despertaram a curiosidade pelo YouTube

Os videojogos já eram uma parte importante da vida de Ruben, aliás, o primeiro contacto com o mundo do gaming surgiu bem cedo, com apenas três anos. Entre a NES e a Sega Master System 2 e os jogos das grandes franquias e dos desenhos animados que passavam na televisão, foi assim que passou grande parte da sua infância.

A primeira “faísca” que despertou o interesse em criar conteúdo surgiu ainda antes de criar o The Remedy Channel. Longe dos amigos que moravam em cidades mais longe, o computador e os videojogos eram, em muitas das vezes, a sua companhia. “O YouTube acabou por ser, durante a minha adolescência, um escape criativo”, relembra.

A fase de experimentação com criação de vídeo surgiu com criações inspiradas pelo humor que via na televisão, incluindo referências como os populares Gato Fedorento, e em aventuras que às vezes juntavam amigos para fazer sketches, brincadeiras e videoclipes de paródia.

Mais tarde, “surgiu uma oportunidade de participar numa espécie de programa de talentos, ao estilo dos Ídolos ou Operação Triunfo online”, reconta Ruben. “Posso dizer que esse foi, na verdade, o meu primeiro «spark» criativo e de ter aquela vontade de querer criar conteúdos para o YouTube através da música”.

A segunda “faísca” surgiria já nos tempos da universidade, onde estudou ciências da comunicação, no seguimento de um estágio para a Mygames, onde sentiu uma necessidade de explorar o seu lado mais criativo, fosse nos videojogos ou na música. Nascia então o The Remedy Channel com a intenção de ser um espaço para compilações e para fazer uma espécie de “anexo” em formato de vídeo dos artigos que escrevia.

Quando voltou à “casa de partida” no final do estágio, os conteúdos sobre videogos e as gameplays também chegaram ao canal, assim como a vontade de explorar criativamente este novo espaço online que Ruben “via claramente que estava a crescer”.

Do feedback da comunidade aos momentos marcantes

Para Ruben, o feedback que tem vindo a receber da sua comunidade é o que o “deixa sempre mais satisfeito”. “É saber que independentemente do tempo que eu esteja fora do YouTube que o feedback acaba por ser quase sempre positivo”, enfatiza.

“Claro que existem sempre reações, principalmente de pessoas que já acompanhavam e deixaram de acompanhar por causa do algoritmo ou simplesmente por circunstâncias da vida. Acontece, não se pode pedir a uma pessoa que acompanhe durante 10 anos um canal do YouTube enquanto essa mesma pessoa está a crescer, a ganhar novos gostos e a mudar a sua vida”.

O criador de conteúdo detalha que é necessário “ter em mente é que os próprios YouTubers são voláteis, não só em termos daquilo que gostam de fazer, mas também a nível da sua personalidade”. “Não se pode pedir a uma pessoa que use a sua criatividade como profissão que se mantenha estanque durante 10 anos. Seria injusto não só para a pessoa, como também para o próprio público”.

Embora admita que já não faria aquilo que fez no YouTube há mais tempo, porque evoluiu criativamente, há algo que não muda. “Não tenho vergonha daquilo que fiz no passado, sinto-me nostálgico em relação a esses momentos e que grande parte do meu público também se sente assim”.

É certo que, ao longo de 10 anos, foram vários momentos que o marcaram. Desde logo, Ruben destaca um dos primeiros encontros de youtubers no primeiro ano enquanto criador na plataforma. “Eu senti que toda a gente estava efetivamente a remar para o mesmo lado. Toda a gente queria que o YouTube em Portugal fosse reconhecido e o início de algo extremamente positivo”.

Já a ida à edição de 2015 da E3, em Los Angeles, está definitivamente no Top 3 de momentos marcantes. “Não só pelo evento em si, mas também por ter viajado para os Estados Unidos pela primeira vez. Tudo foi uma aventura”.

Ruben Remédios e a viagem de autodescoberta em busca da reinvenção do The Remedy Channel
Ruben Remédios e Charles Martinet, ator que dá voz a Super Mario, na edição de 2015 da E3. créditos: The Remedy Channel (via YouTube)

“Conhecer criadores de conteúdo brasileiros e norte-americanos que até então só acompanhava aqui do meu lado e ter a oportunidade de interagir com eles: isso para mim foi um momento mágico e ao qual eu volto várias vezes na minha cabeça porque valeu muito a pena”, recorda.

Ainda nesse mesmo ano, uma promoção do Super Mario Maker para Switch deu-lhe a oportunidade de fazer a sua primeira publicidade para a televisão. Aqui, o que o mais marcou foi a possibilidade de criar um nível para os próprios criadores do título no Japão jogarem e tentarem chegar o fim do nível. “Eu e o Fer0m0nas fizemos com que fosse uma coisa complicada, mas divertida e vê-los a ter essa reação em vídeo deles a tentarem passar o nível foi uma coisa realmente marcante”.

Ruben Remédios e a viagem de autodescoberta em busca da reinvenção do The Remedy Channel
Equipa de criadores de Super Mario Maker a jogar ao nível criado por Ruben e Fer0m0nas. créditos: The Remedy Channel (via YouTube)

“Saber que, durante toda uma vida eu usufrui daquilo que eles estavam a criar e me divertia imenso, e que tive a oportunidade de fazer a mesma coisa para eles foi realmente uma algo marcante e que que vou levar comigo para o resto da vida”, destaca.

Os vídeos do YouTube também lhe abriram a porta ao mundo das dobragens, numa oportunidade através de um workshop da Buggin Media. Os resultados impressionaram e, quando deu por si, já estava a dobrar a sua primeira série, Naruto SD: Rock Lee, e mais tarde, mesmo Naruto Shippuden.

Embora já não faça tanto trabalho de dobragem como gostaria devido a problemas de desgaste da voz, Ruben afirma que “foi uma oportunidade incrível”, que lhe deu a possibilidade de entrar em contacto com pessoas da área que admirava há já algum tempo, como é o caso de Mário Bomba.

Ignorar ou responder a comentários negativos? 

Fora dos momentos mais positivos, os comentários negativos são uma realidade incontornável que afeta qualquer criador de conteúdo. Há quem argumente que a melhor abordagem passa por não ler qualquer tipo de comentário, mas, para Ruben, é “um desrespeito evitar por completo os comentários”, independentemente da plataforma.

O youtuber defende que não prestar atenção a esse aspeto “é desrespeitar as pessoas que perdem algum do seu tempo para dar comentários positivos ou que, pelo menos, querem investir esse mesmo tempo para dar uma motivação extra”.

Ao longo dos anos, Ruben tentou encontrar uma forma de “dar a volta” aos comentários mais negativos, usando o humor para criar conteúdo através deles.  O criador admite até que um dos seus vídeos favoritos é uma paródia do conhecido single Mad World inspirada por alguns comentários estapafúrdios que tinha recebido.

Aliás, no canal houve também espaço para a série “Comentários da Semana”, com um take mais humorístico e que se afirmava “quase um momento de catarse” tanto para o criador como para o próprio público.

Porém, com a Internet a evoluir de maneira mais agressiva, certos comentários deixaram de produzir o mesmo efeito. “Já não retiro o mesmo gozo de fazer esse tipo de conteúdos ou ir ao encontro dos mesmo para fazer ou piadas ou para tentar retirar alguma elação”, detalha.

“O que eu me apercebi é que em muitas das vezes não vale a pena uma pessoa tirar parte do seu tempo para explicar uma situação quando alguém já vai com uma determinada mentalidade ou preconceito”.

Saber que “as pessoas veem as coisas de uma maneira muito fixa e que não são maleáveis para reconhecer outras realidades, principalmente na perspetiva do criador” é algo que o entristece. Tentar focar no positivo é mais produtivo do que se deixar consumir totalmente pela toxicidade, mas não é uma tarefa fácil, em particular num meio como o Twitch, onde é mais complicado ter o controlo da situação.

Um panorama com poucas oportunidades para nichos

Ao longo dos últimos anos o YouTube também evoluiu, entre mudanças vistas como positivas e outras mais contraproducentes, e Ruben conta, muitas vezes, que se tenta colocae nos “sapatos” na plataforma para “avaliar exatamente o que é que se faz” e de que maneira é que seria necessário agir “para que tudo se torne numa plataforma mais positiva para os criadores e para o público”.

Por um lado, o youtuber nota que “os criadores sentem que não estão a ser devidamente ouvidos”. “O que querem, acima de tudo, é que o algoritmo os favoreça, que a monetização seja justa, que os vídeos não sejam desmonetizados, que possam falar abertamente de todos os assuntos sem ter algum tipo de repercussão negativa”.

Por outro, quando pensa no YouTube enquanto empresa, há uma necessidade de existir um meio termo. Porém, há um conjunto de temáticas, que vão de sexualidade a racismo, em relação às quais considera que a abordagem da plataforma deveria ser alterada e onde existe ainda muito caminho a trilhar.

Olhando para o panorama nacional, Ruben nota que “o tipo de conteúdo na plataforma é infelizmente muito limitado”, isto devido aos modelos de monetização que existem no país.

“Aquilo que me apercebo é que não existe recompensa suficiente para que os youtubers sintam que vale a pena perder o tempo para criarem conteúdos sobre coisas que se calhar gostam mais, mas que não têm um feedback tão evidente”, defende.

Na sua perspetiva, não existe o mesmo tipo de espaço e oportunidades para outros tipos de conteúdos que não aqueles que fazem tipicamente mais sucesso em Portugal. “O criador em si não tem forma de se sustentar e não existe um mercado nacional ou grandes marcas no país em torno desses mesmos assuntos mais de nicho para potenciar essa diversidade, como existe noutros países como os Estados Unidos ou no Brasil”.

Por exemplo, há certos tipos de conteúdos que consome que tem de procurar noutros países porque os mesmos não existem cá. “Isso é o que, enquanto criador, me deixa mais triste. Claro que existe alguém que sempre tem de tomar iniciativa e ajudar a ultrapassar essa barreira. É preciso um pouco de coragem e de investimento.”

“No nosso país é preciso levarmos os criadores de conteúdo a sério”, sublinha, acrescentando que ainda existem várias empresas e entidades que os veem com maus olhos, como crianças ou então como alguém que não tem mérito naquilo que faz.

“Essa é a principal barreira”. Assim, ainda há muito que o país “tem de fazer para reconhecer” os conteúdos fora daquilo que é considerado “trendy” no momento, sem esquecer o próprio público dos nichos, que precisa de “ajudar a potenciar e fazer com que o YouTube evolua em Portugal”.

Em busca da reinvenção

“É uma pessoa sentir-se um pouco desgastada de estar a produzir conteúdo para a Internet, motivos para as minhas pausas e para a minha necessidade de me afastar um pouco da produção de conteúdos para recarregar energias e para tentar perceber o que eu quero fazer”, admite.

O futuro é ainda uma incógnita, mas o recente período de pausa alargada trouxe um pouco mais de definição. “Durante aqueles seis meses, o que eu acabei por fazer para procurar outros escapes criativos ou outras oportunidades futuras foi estudar produção musical e japonês: são dois interesses que eu tenho e pelos quais desenvolvi uma paixão”.

“Mas de tive de refletir se o meu futuro estaria realmente aí, na produção musical ou em algo relacionado com a língua japonesa. Não larguei por completo nenhuma dessas coisas, mas acabei por voltar à «casa de partida»”.

“A produção de conteúdo, a bem ou a mal, é aquilo que eu gosto de fazer e é a maneira pela qual eu me expresso melhor, consigo potenciar a minha vertente criativa e comunicar melhor com as pessoas que me acompanham”, explica Ruben.

O objetivo é partir em busca da reinvenção, numa forma que não lhe traga tanto desgaste, mas que seja representativa da sua maneira de ser e estar atualmente. “O processo não é fácil, até porque atrela todas as pessoas que já te acompanham há 10 anos e que acabaram por se apaixonar por aquilo que produzes e que agora vão ver conteúdo novo e podem já não gostar da mesma forma.

A coragem de querer explorar e de ver o que realmente resulta, ou não, é um aspeto fundamental, porém assume contornos algo diferentes quanto já se está numa plataforma há tanto tempo. “Claro que quando existe já aqui uma bagagem, uma certa responsabilidade de 10 anos de produção de conteúdo, também não me posso atirar «às três pancadas» à espera que resulte, tenho de ter algum critério e pensar aquilo que pode ser positivo para mim, que me divirta, mas também seja positivo para quem me acompanha”.

“Quero tentar fazer coisas diferentes, que me fascinem, que me devolvam a vontade e o amor pela produção de conteúdo”, enfatiza o criador. A descoberta continua e há a intenção de explorar novas vertentes, seja no YouTube ou nas transmissões ao vivo, tudo com um propósito central em mente: voltar a encontrar uma nova “faísca”.