Quando era mais novo, Francisco Alves nem sonhava que era possível fazer vida dos videojogos. O mundo dos eSports parecia uma realidade longínqua, mas, de audiologia na Escola Superior de Saúde (ESS) do Politécnico do Porto “saltou” para competições profissionais de Apex Legends e, ao SAPO TEK, Francisco conta como tudo aconteceu.

Embora sempre tivesse gostado de jogar videojogos, o apelo dos eSports só chegaria mais tarde, acompanhado por uma sensação de que esta poderia ser a chave para quebrar a monotonia da rotina dos tempos de escola.

Francisco tinha começado a jogar League of Legends (LoL) e, pela altura do Season 2 World Championship, em 2012, viu uma nova realidade. “Quando tive aquele primeiro impacto foi instantâneo: é isto que eu quero fazer, eu quero estar ali”, reconta.

De LoL, reservado mais para partidas com os amigos, Francisco deu os primeiros passos no mundo dos eSports com Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO). “Aí sim, comecei a jogar mais a sério, a fazer as primeiras equipas e a ir a alguns torneios locais”.

A vontade de se embrenhar nesta nova realidade foi crescendo, mas também o apelo por um outro título numa altura em que sentia um pouco mais desmotivado. “Do nada, saiu Apex Legends. O jogo teve um lançamento sem nenhum aviso e eu fui experimentar só porque sim. (…) Quando dei por mim estava todos os dias a jogar o mesmo jogo: 10, 12, 14 horas… e o CS:GO estava a ficar para trás”.

Hoje, Francisco “k4shera” Aves é líder da NEW, equipa que fundou em 2020 e que acabou por se reformular e “nascer” novamente poucos meses após a sua criação.

O jogador conta que várias pessoas estavam já a apoiar a equipa e a seguir o seu progresso. É certo que “muitas equipas vão mudando o nome e os rosters”, “para nós, a ideia passou mais por criar uma identidade onde que não importassem as mudanças e que, a não ser que nós assinássemos por alguma organização, as pessoas iriam sempre identificar e saber sempre quem nós eramos e onde andávamos a competir”.

“Por muitas inconsistências que nós tivéssemos durante o ano, é fácil para as equipas e para as pessoas que nos apoiam identificarem a nossa progressão e conseguirem seguir de perto o que estamos a fazer. Foi muito nessa linha de pensamento que foi criada a NEW”, afirma Francisco Alves.

Como o próprio admite, lidar com a mudança “não é fácil” e a saída de membros tem sempre impacto. “A nossa consistência passa muito por eu e o PostKILL mantermo-nos juntos praticamente 90-95% do tempo”, indica o jogador.

#ILikeYouLike: Francisco k4shera Alves e a ambição de poder decidir o futuro nos eSports sem receios
Francisco "k4shera" Alves (à direita) e Rafael "PostKILL" Jesus (à esquerda). créditos: Francisco k4shera Alves (via Instagram)

“Nós criamos um estilo de jogo onde já estamos a contar com estas inconsistências”, explica, e quando procuram por alguém para preencher a equipa tentam procurar por jogadores não tanto a longo prazo, mas sim que consigam trazer aquilo que precisam a curto prazo.

“É complicado, porque lidas com muito stress e com problemas dentro e fora do servidor. Mas, ao mesmo tempo, foi a solução que nós arranjamos neste ano cheio de turbulência para conseguirmos continuar a competir ao mais alto nível”.

As “dores” do crescimento num contexto pandémico

Criar uma equipa não é propriamente uma tarefa fácil, em particular num panorama como o português onde ainda existem muitas dificuldades a nível de investimento. Ainda mais complicado se torna numa época pandémica como a que vivemos e que trouxe grandes mudanças nos eSports.

Com exceção do crescimento em matéria de streaming, Francisco sente que a maior parte das alterações experienciadas neste período foram negativas e que o período de maior confinamento foi particularmente difícil.

O jogador indica que, embora os eSports sejam algo em que se passa uma quantidade considerável de tempo “fechado no quarto a treinar”, os praticantes da modalidade também precisam de “sair, de espairecer e de interagir com pessoas” fora do mundo virtual. “Claro, que a pandemia dificultou muito isso”.

À situação acresce a falta de torneios presenciais. “Os torneios presenciais são o que um jogador de eSports procura. Os torneios em casa são bons, claro, mas o que se quer é uma competição onde estão todos em pé de igualdade e onde se sente a adrenalina”, enfatiza.

As organizações e investidores deste universo também sofreram com a pandemia. “Muitas empresas começaram a cortar custos porque não sabiam como ia ser o dia de amanhã, e praticamente não houve assinaturas. As organizações, as poucas que existiam na altura, em vez de entrarem estavam a sair”.

O universo das competições profissionais de Apex Legends, que estava no seu primeiro ano quando “estalou” a crise de saúde pública, também não foi uma exceção à regra. Com o cancelamento da primeira LAN, Francisco conta que, para os jogadores se manterem e continuarem a fazer vida, apostaram nos torneios na tentativa de ganharem prémios. “Até que os prémios… não eram maus, mas era só para o Top 5, Top 6 e, se não estás no topo não recebes salário”.

Mesmo por entre a turbulência, o jogador afirma que a sorte esteve do lado da NEW. “Trabalhamos para isso, mas toda a pressão, todo o stress, afeta muito negativamente, em particular a nível psicológico”.

De olhos postos num major

Entre os momentos que marcaram a sua carreira, Francisco destaca a qualificação e participação no ESPN EXP Invitational – Apex Legends, nos X-Games em 2019, na altura, ainda com a equipa Pomp The Moscles. “Fomos uma das três equipas europeias a qualificarem-se e foi aí que assinei o meu primeiro contrato profissional”, com a Lazarus.

“Toda a experiência, todo o evento em si… foi o momento mais alto, sem dúvida, e eu não sei quando é que vou conseguir superar esse sentimento”, afirma o jogador.

Mais recentemente, em setembro, Francisco foi um dos finalistas dos Apex Legends Awards da Esports.gg para o prémio de melhor In Game Leader (IGL) na região EMEA. Porém, quem acabou por vencer foi John “Hakis” da Alliance. A derrota é sempre difícil, mas também faz parte da vida. Aliás, para o jogador, teve até um “sabor” de vitória.

Francisco afirma que sempre sentiu fé nas suas competências enquanto IGL, mas ser reconhecido no Top 3 por um júri com jogadores profissionais, treinadores e managers, foi algo especial.

“Foi o reconhecimento que eu não sentia da parte da comunidade” fora de Portugal, afirma. “Sentir que realmente o meu trabalho está a ser reconhecido pelas outras pessoas e não só por aquelas que me são próximas é um bom sentimento”.

Ganhar um torneio principal está no topo da sua lista de prioridades e é isso que pretende fazer neste ano. A NEW vai agora participar no segundo ano de competição oficial de Apex Legends. “Vai ser um circuito de cinco milhões, distribuídos durante o ano: dois splits de Pro League e depois um torneio final. Na Pro League, o primeiro split começa a 15 de outubro e acaba mais ou menos a 6 de dezembro e o Top 10 da Pro League vai disputar um major presencial em janeiro”, detalha.

“Quero estar numa posição onde eu possa decidir o meu futuro sem receios e sem nada que me prenda”, sublinha Francisco Alves.

Para lá da ambição de ganhar um major, Francisco, que também "dá cartas" no Twitch, onde conta já com 11,8 mil seguidores, tem consciência de que, um dia, tudo pode acabar. “Eu quero que acabe o mais tarde possível, mas se tiver de acabar mais cedo tenho algumas ideias do que posso fazer para dar um rumo à minha vida”. Mas até lá, o objetivo é mesmo manter o foco a 100%.