“Sempre tive a ideia de que um dia eu ia conseguir viajar a tempo inteiro e fazer vida disso”, conta Bernardo Bacalhau ao SAPO TEK. Para o criador de conteúdo, que, no final de 2019, ganhou o primeiro prémio no Peugeot Drone Film Festival com o filme Calçada Portuguesa, o YouTube tornou-se numa espécie de diário de bordo onde partilha aventuras pelo mundo com os seus mais de 150 mil subscritores.

Ainda muito antes de uma ida à Índia ter virado o rumo da sua vida definitivamente para a criação de vídeo, as viagens já eram frequentes. “Tive a sorte de os meus pais também terem esse «bichinho» [das viagens]”, relembra. Desde cedo que os pais o levavam e aos seus irmãos mais novos em viagens numa autocaravana e, mais tarde, começaram a viajar um pouco pelo mundo. Bernardo relembra, por exemplo, às viagens pela Ásia, com passagens na Tailândia e no Vietname.

“Nunca eram aquelas férias todas planeadas. Íamos de mochila às costas, andando e marcando as coisas à medida que iam acontecendo. Aquele mês de férias era sempre a minha altura preferida do ano e sempre achei que queria fazer daquilo a minha vida”.

A vida “pré-Índia” e a descoberta do mundo da criação de vídeo

Para Bernardo, o gosto pela criação de vídeo começou a ser cultivado por volta dos 14-15 anos, à “boleia” de uma das tendências que marcaram a sua juventude: as fingerboards, popularizadas pela Tech Deck.

“Havia mesmo uma comunidade grande em Portugal, que organizavam eventos, concursos e outra das coisas que se fazia muito eram vídeos com as fingerboards”. Mas, para lá de servirem para demonstrar as suas “skills”, Bernardo conta que, quando fazia os seus vídeos, se interessava mais pela parte criativa, tentando mostrar a paisagem e um contexto mais geral do local onde estava.

O interesse foi crescendo e acompanhando-o durante o secundário, onde começou a fazer pequenos vídeos sobre as viagens familiares que ia fazendo, mas também sobre as aventuras dos amigos que andavam de skate ou que faziam surf.

Quando chegou o momento de escolher que caminho seguir no ensino superior Bernardo ainda considerou estudar cinema. Porém, tal como explica, a sua mentalidade na altura levou o a crer que tinha de optar por um curso mais “sério”, caso contrário estaria a “desperdiçar” a sua média.

Apesar da sua primeira opção ter sido Medicina, acabou por entrar em Engenharia Informática, no Instituto Superior Técnico. Durante a licenciatura foi criando a sua rede de amigos, “o que facilitou mais o curso”, admite. Já o mestrado, mais focado na área dos videojogos, não correu tão bem quanto queria e, confrontado com algumas dificuldades de integração, fazer Erasmus apresentou-se como uma opção mais apetecível.

Depois de um semestre na Suécia, a vontade de voltar para Lisboa não abundava e surgiu a ideia de continuar a estudar no estrangeiro. A Índia já era um dos seus destinos de sonho e decidiu arriscar. “Mas não sabia nada: nem sabia bem o nome da faculdade, nem fui procurar nada à Internet. Só vi quando é que devia estar lá”, recorda.

Entre o regresso a Portugal, vindo da Suécia, e a partida para a Índia, tudo aconteceu muito rapidamente. Assim, em julho de 2018 chegava ao destino onde viria a passar muito mais tempo do que o esperado.

Entre "altos e baixos" de uma viagem marcante

Fascinado por um campus localizado numa reserva natural, rodeado por verde e marcado pelas passagens ocasionais de macacos e veados, Bernardo só se apercebeu que estava numa das faculdades mais prestigiadas da Índia quando começou a falar com os seus colegas. No Instituto Indiano de Tecnologia em Madras (IITM) “é mesmo muito difícil de lá entrar: há um milhão e meio de indianos a candidatar-se todos os anos e só 10 mil é que entram”.

Os vídeos continuaram a fazer parte da sua vida na Índia e, embora tivesse algum receio em falar para a câmara, o criador de conteúdo sentia a vontade de apostar num formato diferente do que estava habituado, muito inspirado por Casey Neistat, um dos seus youtubers preferidos.

À medida que a popularidade do estilo de vídeo “A Day in the Life” crescia no YouTube, Bernardo sentiu vontade de arriscar. “Pensei que podia fazer um vídeo aqui sobre a minha vida diária neste instituto tão prestigiado aqui na Índia, que de certeza que haveriam pessoas que estariam interessadas. Era tão diferente da vida que eu tinha em Lisboa…”.

“Esse é, no fundo o meu primeiro vlog”. Depois de o publicar no final do semestre, o vídeo começou a ganhar tração entre os seus colegas e, ao final de um mês, o seu primeiro vlog já tinha entre 300 a 400 mil visualizações e o número de subscritores do canal acabou por dar um salto de gigante, passando de 200 para 10 mil.

“O que eu tinha definido na minha cabeça era que eu queria ficar na Índia até chegar aos 100 mil subscritores”, enfatiza o youtuber. Continuar a fazer o curso passou também a estar fora dos seus planos “[O canal] estava a crescer imenso, os vídeos tinham imensas visualizações e eu estava muito contente, porque era isto o que eu queria fazer”.

Porém, nem tudo corre sempre como esperado, em particular quando se viaja sozinho.  “Estás tão imerso na cultura e tão exposto a todos os elementos que é muito fácil essas coisas acontecerem: tanto coisas boas como más”.

No seu canal de YouTube, que se tornou numa espécie de diário de bordo durante a estadia, Bernardo revelou ao mundo alguns dos momentos mais complicados da viagem: de ser interrogado pela polícia por usar drones a um episódio onde quase perdeu a vida no rio Tungabhadra.

Apesar de alguns percalços e sustos, o plano de ficar na Índia por mais algum tempo parecia estar a resultar, até que um imprevisto ditou o fim da aventura. “Tive o azar de apanhar Hepatite E”, reconta. Depois de três semanas internado num hospital, onde contou com o apoio moral do pai, voltou para Portugal e ainda esteve entre três a quatro meses a recuperar em casa. “Esses momentos, quando se está a vivê-los, não são nada bons, mas acabam por dar as melhores histórias para contar mais tarde”, afirma Bernardo.

“Se houver uma viagem que mudou a minha vida foi a da Índia”, sublinha. “A experiência de estar lá fez-me repensar coisas e perceber prioridades, assim como todo o contraste que existe entre a nossa cultura e indiana. Foi uma aprendizagem e como eu passei lá oito meses marcou-me muito e quase desde que me vim embora que tenho a vontade de voltar lá”.

Novos horizontes e a adaptação à realidade da pandemia

Aos poucos, foi retomando o ritmo normal da vida e começou novamente a viajar, fazendo uma incursão pela América Central e voltando depois à Europa, onde começou a trabalhar com o youtuber Nathaniel Drew, que lhe deu uma nova visão daquilo que poderia ser o seu futuro.

“Até trabalhar com ele, eu não estava a ganhar dinheiro no YouTube. Quando eu cheguei aos 50 mil subscritores começaram a aparecer muitas mais ofertas de parcerias com marcas. Foi nessa altura que eu comecei a conseguir faturar deste hobby e decidi que não ia voltar mesmo para a faculdade, pelo menos nos próximos tempos”, detalha.

No início de 2020 a sua ideia era apostar “em grande” nas viagens, começando por Marrocos. A chegada da pandemia de COVID-19 voltou a “trocar as voltas” aos seus planos e, perante a impossibilidade de viajar, Bernardo começou a explorar opções que nunca antes tinha pensado.

“A carpintaria foi uma coisa que eu nunca explorei, mas que sempre gostei. Então decidi arranjar uma carrinha, que, no fundo, vai buscar um pouco das duas coisas: viajar e a parte da construção”, explica.

“Eu gostava de poder voltar a criar conteúdo de viagem”, admite. Embora tenha gosto pela construção e carpintaria, Bernardo indica que o público do seu canal não está tão direcionado para a temática e os vídeos acabam por não ter o nível de desempenho desejado.

É certo que fazer vídeos para atingir um elevado número de visualizações não é o seu objetivo. “Faço pelo gosto que me dá e até agora isto está a dar-me bastante gosto, mas se tiver de escolher entre uma coisa e outra, prefiro as viagens”, afirma Bernardo.

Tal como afirma, “no ramo do YouTube não há sempre um caminho certo” e, por isso, já que está mais parado, tem estado a ver o que funciona melhor, incluindo dedicar-se à criação de cursos online que serão lançados em breve.

“Estou a tentar expandir [o canal] e a tentar fazer com que se torne rentável e que eu possa fazer isto a longo termo”. Olhando para o futuro, Bernardo revela que espera “poder voltar a viajar” tão frequentemente quanto outrora e “explorar destinos menos comuns”, tudo sempre com o objetivo de contar histórias de comunidades cuja voz não é tão conhecida e que levem as pessoas a considerar novas perspetivas e a abrirem os seus próprios horizontes.