Esta terça-feira, dia 9 de julho, o novo foguetão europeu de “pesos pesados” Ariane 6 faz o seu voo inaugural e além do nanosatélite ISTSat-1 e da tecnologia de telemetria da Critical Software, vai ter a estação da ESA em Santa Maria, Açores, a acompanhar o período inicial da “viagem” sobre o Atlântico.

A estreia no espaço do Ariane 6 será monitorizada por uma rede global de estações terrestres, incluindo duas da Agência Espacial Europeia (ESA), em Santa Maria, Portugal, e New Norcia, Austrália. As duas unidades estão estrategicamente localizadas ao longo da trajetória do Ariane 6 e vão acompanhar as fases principais do voo e recolher telemetria e imagens vídeo para analisar o desempenho do foguetão, à medida que este alcança velocidades de até 28.000 km/h.

Veja o vídeo preparado pela ESA de animação do lançamento do Ariane 6 

A monitorização terrestre é crucial para obter informações sobre a saúde e desempenho do lançador, especialmente durante marcos críticos como fases de impulso ativo e separação de carga útil.

Nanosatélite do IST em contagem decrescente para voar com o foguetão Ariane 6
Nanosatélite do IST em contagem decrescente para voar com o foguetão Ariane 6
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Os dados recolhidos permitirão ajustar e melhorar o desempenho do lançador, aumentando a precisão e confiabilidade dos lançamentos futuros.

Inicialmente estabelecida para comunicar com satélites, a rede de estações terrestres da ESA - Etrack - foi alargada para apoiar lançamentos de foguetões, em 2008, com a adição de uma estação e de uma antena de 5,5 m na Ilha de Santa Maria. A partir daqui, a estação tem visibilidade sobre grande parte do Oceano Atlântico.

Cerca de 50 minutos após o lançamento, o Ariane 6 aparecerá acima do horizonte na Austrália Ocidental e aqui o "testemunho" é passado à estação de New Norcia.

Percurso Ariane 6
Percurso Ariane 6 Infografia do lançamento do foguetão Ariane 6 créditos: ESA

Durante o voo, múltiplos fluxos de dados, incluindo vídeo, serão processados e enviados para análise. A partir do software desenvolvido pela Critical Software existem dois tipos de telemetria gerados: um para a monitorização do voo em tempo real e outro para o pós-processamento e análise da qualidade de voo.

Este software de telemetria agregará e processará, em apenas cinco milissegundos, a enorme quantidade de dados gerada pelos sensores “on-board”, em tempo real e de modo determinístico, garantindo que os constrangimentos e requisitos de transmissão são respeitados antes de os dados serem enviados.

Assim, as estações de controlo terrestre poderão utilizar esses dados, que são essenciais para a monitorização e controlo das várias fases do lançamento. Além disso, esses dados permitirão a análise e correção de eventuais falhas que possam comprometer o foguetão.

Experiências científicas e satélites, um deles português

Na primeira vez em que voar, o Ariane 6 vai dar boleia a missões de nove países que vão ser lançadas, entre elas uma de Portugal: o nanosatélite ISTSat-1, construído por estudantes e professores do Técnico.

O cubo de 10x10x10 explora o potencial da nanotecnologia na eletrónica e leva a bordo cinco placasQuatro delas são aquilo que se designa por plataforma e que tem de existir em todos os satélites. Todas têm um processadoruma delas é a chamada carga útil do satélite - a placa responsável pela missão - e o resto faz parte da plataforma, incluindo o computador de bordo que controla tudo e o subsistema de comunicações.

“Este sistema é mais pequeno, mais simples, e consome menos energia do que as alternativas disponíveis comercialmente”, explicou ao SAPO TEK João Paulo Monteiro, investigador no IST NanosatLab e engenheiro de sistemas do ISTSat-1, numa fase em que o satélite já tinha passado por todos os testes para voar com o novo foguetão da ESA e faltava apenas a entrega de documentação técnica.

O nanosatélite entrará em órbita baixa circular, ficando a 580 km da Terra. Comparando os dados recebidos com dados de referência, a equipa do Técnico vai estar a receber as informações do satélite na estação-terra do polo de Oeiras e a verificar se o satélite cumpre a missão científica e a tecnologia desenvolvida deteta a presença de aviões em zonas remotas.

Enviará dados de vários tipos, entre eles informação relativa ao posicionamento dos aviões, que não são visíveis da Terra e só se conseguem ver a partir do espaço.

Clique nas imagens para conhecer o trabalho desenvolvido pela equipa do ISTSat-1

O ISTSat-1 deverá ser colocado em órbita cerca de uma hora após o lançamento e, passados 45 minutos, “abrirá as antenas e começará a enviar telemetria através de um sinal codificado em Morse, na frequência de 145.895 MHz”, explicou João Paulo Monteiro em novas declarações ao SAPO TEK. A primeira passagem do satélite "vísivel" de Portugal deverá acontecer quatro horas depois  de ser colocado em órbita.

João Paulo Monteiro confessou que há vários aspetos que deixam a equipa apreensiva, "o que é normal para qualquer satélite e ainda mais para a nossa primeira tentativa", embora tudo tenha sido testado "exaustivamente ao longo de mais de dois anos", tanto em Terra como em ambiente simulado de espaço, e tudo pareceu estar a funcionar como esperado. "Se houve algo que aprendemos nesses dois anos é que há sempre situações particulares que ninguém anteviu e que, por acaso, nunca ocorreram durante os testes",

"Nesta fase, estamos de consciência tranquila: fizemos tudo o que estava ao nosso alcance", disse João Paulo Monteiro.

Além do satélite do IST, que volta a colocar Portugal no mapa espacial depois do PoSAT-1, de há 30 anos, e do Aeros MH-1, lançado no início de março, o modelo de mais de 60 metros de altura e perto de 900 toneladas leva consigo missões destinadas a medir raios gama, monitorizar a vida selvagem e testar células solares “autocurativas”,  integrando também cápsulas destinadas a reentrar na atmosfera da Terra para testar novos materiais.

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Voo dividido em três partes

O primeiro voo do Ariane 6 terá três fases, cada uma demonstrando várias capacidades do novo foguetão de cargas pesadas da Europa. Num primeiro momento depois do lançamento usando o motor Vulcain 2.1 e dois poderosos propulsores P120C, o estágio principal vai separar-se do estágio superior e o motor Vinci que o insere dará o seu primeiro impulso, colocando-o, e aos seus passageiros, numa órbita elíptica 300 por 700 km acima da Terra.

Na segunda é quando o mais novo recurso do Ariane 6 é posto à prova: há o reacendimento do estágio superior, com o motor Vinci a disparar novamente pela segunda vez, mudando a órbita do Ariane 6 de elíptica para circular a 580 km da superfície da Terra, para permitir a implementação dos satélites e a ativação das experiências a bordo, primeiro três satélites  - OOV-Cube, Curium One e Robusta-3ª - e a ativação de duas experiências - YPSat e Peregrinus - e, alguns segundos depois, o segundo lote de satélites onde se inclui o português ISTSat -além do 3Cat-4 e GRBBeta - e as ativação das duas experiências restantes - SIDLOC e Parisat. Um terceiro comando de separação implantará o CURIE e o replicador.

O último momento da “viagem” abrange um novo reacendimento do estágio superior após o seu período mais longo desligado no espaço, iniciando a saída controlada de volta através da atmosfera terrestre sobre o “ponto NEMO” no Pacífico Sul. As duas cápsulas de reentrada a bordo vão separar-se para regressar à Terra, e o estágio superior será passivado - removendo qualquer energia a bordo para evitar possíveis explosões - antes de queimar na atmosfera. O Ariane 6 foi projetado para ter essa capacidade: evitar que o estágio superior permaneça no espaço como mais um detrito.

A senda de lançamentos dos foguetões da família Ariane começou em 1973, com o Ariane 1 e estava em pausa desde julho de 2023 - há precisamente um ano - com a despedida do Ariane 5, naquela que foi a sua 117.ª missão, mais de 25 anos depois da “explosiva” estreia.

Completando o voo com sucesso, o foguetão deixou em órbita dois satélites militares: um francês e outro alemão, a cerca de 36 mil quilómetros da Terra.

Clique nas imagens do lançamento da última missão do Ariane 5 para mais detalhe

Embora programada, a reforma do Ariane 5 colocou a Europa numa situação delicada no que ao programa de exploração espacial diz respeito, para o lançamento de cargas pesadasdeixando várias missões comprometidas, até pelos atrasos que envolveram o sucessor Ariane 6.

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O início de vida do Ariane 5 não foi fácil, já que explodiu momentos depois da descolagem do seu voo inaugural, em 1996. Tornou-se entretanto fiável e, em 27 anos de missões, deu algumas “boleias” importantes, como fez ao telescópio espacial James Webb, no final de 2021, ou mais recentemente, à nave espacial Juice.

Regresso ao espaço transmitido em direto

Se as condições técnicas e meteorológicas estiverem reunidas, o voo inaugural do Ariane 6 acontece esta terça-feira, dia 9 de julho, com uma janela de lançamento das 15h00 às 19h00 locais - das 19h00 às 23h00 de Lisboa.

“Temos sempre alguma apreensão por ser um voo inaugural, mas os últimos testes feitos ao lançador dão bastante confiança no sucesso da missão. É bom lembrar que o Ariane 5 foi um dos lançadores mais fiáveis de sempre, e esse conhecimento permanece na ArianeSpace", disse João Paulo Monteiro.

O importante momento para o ecossistema espacial europeu pode ser acompanhado, em direto, através da ESAWebTV. A emissão começa 30 minutos antes da hora programada para o lançamento - ou seja, às 18h30.