Apesar da conotação da realidade virtual a videojogos e experiências de entretenimento, a tecnologia é cada vez mais uma ferramenta para a criação de soluções tecnológicas implementadas no mercado B2B. À medida que a tecnologia tem evoluído, tornando-se mais poderosa, menos dispendiosa e a libertar-se dos cabos que os prendia aos computadores, os headsets VR e de realidade aumentada estão a resolver problemas na vida das pessoas e ajudar as empresas na sua transformação digital.

Na área de treino, em que é impossível ter um técnico especializado para formar novos empregados, tudo pode ser feito à distância, longe fisicamente, mas virtualmente na mesma sala. E quem fala no ensino, pode ser um técnico qualificado ou um médico a dar preciosas instruções através de uma presença não física…

VR/AR Global Summit vai realizar-se em Lisboa, em junho

Portugal já tem uma associação, ou melhor, é um dos braços da VR/AR Association (VRARA), um ecossistema que reúne pessoas, start-ups e empresas a criar soluções inovadoras em realidade virtual e aumentada de aplicação empresarial. A VRARA é considerada a maior associação de realidade virtual e aumentada, contando com 4.500 empresas, marcas e escolas. A sua função é criar guias para as melhores práticas da utilização da tecnologia AR/VR. Os seus membros são oriundos de todas as áreas, não exclusivamente tecnológicas, a apoiar a criação de valor para a comunidade, que incluem os meetings entre os produtores e entusiastas da tecnologia.

Em Portugal, a associação liderada por Tiago Loureiro, um dos gurus portugueses em assuntos de realidade virtual, atual senior developer da Exit Games (empresa que criou o motor multijogador Photon); e Luís Bravo Martins, da IT People Group, promove encontros mensais, dando a voz aos seus membros na apresentação de projetos e troca de ideias e conhecimentos.

Tiago Loureiro
Tiago Loureiro faz uma demonstração de uma aplicação que cria uma sala virtual de reuniões.

Foi referido que há mais de 85 empresas em Portugal a criar projetos AR/VR. No entanto, Portugal ainda é considerado um país de segunda linha, e por isso, segundo Luís Bravo Martins, é necessário trabalhar para ganhar reconhecimento lá fora.

Esta semana realizou-se um meeting muito especial, na “casa” da Fujitsu no Colombo (que também tem uma solução AR desenvolvida para a EDP), para anunciar oficialmente a chegada a Portugal do evento VR/AR Global Summit que se realiza anualmente em Vancouver, Canadá. A colíder da VR/AR Association e organizadora do evento tecnológico, Anne-marie Enns, esteve presente para revelar um pouco mais do que se pode esperar nesta primeira edição fora de portas. O evento terá lugar na LX Factory, durante os dias 1-2 de junho em antecipação à edição de 2020 de Vancouver, a realizar-se em 17-18 de setembro.

Anne-marie Enns salienta as experiências que os pequenos produtores e empresas estão a fazer, esperando-se a participação de 500 empresas neste primeiro ano em Portugal. Vai haver um concurso de pitchs, cujas empresas se podem inscrever a partir de março, com prémios em dinheiro. “Estamos muito entusiasmados por trazer de Vancouver este evento para Lisboa”. O preço dos bilhetes será de 199 euros para não membros, e cerca de 99 euros para associados, valores ainda a serem confirmados. O evento estava previsto realizar-se em Lisboa no ano passado, mas não se reuniram todas as condições necessárias, sendo adiado para 2020.

A organização está também aberta a speakers que tenham histórias e experiências sobre a tecnologia AR/VR. Os interessados podem inscrever-se, passando por uma filtragem, curados diretamente por Anne-marie Enns. Luís Bravo Martins partilhou a sua experiência em Vancouver, no ano passado, destacando o ambiente de conversas descomprometidas, mas altamente focadas na procura de oportunidades de negócio. Há ainda as chamadas Speed Dates, em que os intervenientes têm uma oportunidade de trocar impressões, durante o máximo de três minutos, com outras pessoas ligadas à tecnologia.

Durante a apresentação em Portugal, o SAPO TEK teve oportunidade de conversar com Anne-marie Enns sobre o evento e o estado da tecnologia AR/VR.

Qual é o seu background e como tomou contacto com a tecnologia AR/VR, assim como a ideia para o evento?

Fui produtora de eventos durante 20 anos, mas em 2012 tomei contacto pela primeira vez com a tecnologia em geral com a produção de um grande meet up de hacking em Vancouver. Depois disso ofereceram-me um lugar na produção de um evento de consumo de VR em 2016, com uma empresa chamada Archiact em Vancouver, o qual estive ligada por dois anos. Depois disso trabalhámos para transformar o evento em algo mais virado para as empresas, mais focada em B2B do que para o consumo, que é o que temos estado a fazer nos últimos quatro ou cinco anos no VR/AR Global Summit.

VRAR Summit
Anne-marie Enns, Tiago Loureiro e Luís Bravo Martins da VR/AR Association.

Porquê um foco mais direcionado ao B2B?

Quando fizemos o primeiro evento para o consumidor o VR era algo novo. Por isso tivemos cerca de 5 ou 10 mil pessoas no evento, que nunca tinham experimentado VR. Os primeiros dois anos foram muito bons, mas depois sentimos que estava a morrer, por deixar de ser novidade, além de que o conteúdo e videojogos não estavam a acompanhar a evolução tecnológica. Por isso a Archiact decidiu não realizar mais esse evento, focando-se apenas em produzir jogos para VR.

Com a sua bênção, eu aproveitei a ideia e transformámo-la naquilo que é atualmente a VR/AR Global Summit, um evento empresarial. E tornou-se muito popular, mesmo que os jogos e o entretenimento não tenham sido excluídos, mas tinha também hardware, soluções, software, arte imersiva, educação, treino, e outras, cobrindo praticamente todo o espectro. No último ano já tivemos user cases, boas práticas, como utilizar a tecnologia para praticar boas ações, trazendo para o evento empresas de renome e organizações, como a NASA.

Tem ideia de quanto pode valer atualmente o mercado AR/VR?

Não tenho os números exatos, e não quero que fique mal registado, mas no último evento em Vancouver, notámos uma grande diferença com o lançamento do Oculus Quest, com uma grande quantidade de pessoas a utilizar e a mostrar user cases empresariais, porque é wireless e leve. O preço dos equipamentos também tem descido, o que facilita o seu acesso. Vê-se muitas soluções na área de treinos, mas também há muitos produtores de videojogos que mudaram para o lado empresarial de training, porque é o negócio onde está o dinheiro. Dizem que a indústria pode tornar-se multibilionária e originar milhares de empregos.

Considera que a tecnologia ainda está no seu início?

Tudo depende de onde estiver. É engraçado que Portugal está ao nível de Vancouver, há cinco anos, mas bem mais criativa. Vancouver é o segundo maior ecossistema tecnológico do mundo, atrás de São Francisco, mas embora não seja isenta dos seus problemas, viu um grande investimento do governo. Há países como Portugal, que estão a começar a abrir hubs de inovação e a treinar pessoas, e a trazer a bordo as universidades, por isso têm maior vantagem do que começar do zero.

Portugal já começou a investir e tem mais vantagens do que outras empresas da Europa, pelo custo baixo de vida, as inovações, e é importante mostrar esses projetos em palcos globais, o que têm para oferecer. É como o evento de Vancouver, que mostrou ao mundo o que as empresas e start-ups locais tinham para oferecer.

E porque escolheu Lisboa para o evento, é a primeira cidade fora de Vancouver?

Sim é a primeira e escolhi Lisboa por diversos motivos. A cultura e inovação daqui é fantástica, a criatividade é mágica. Há tantas coisas que estão a ser feitas aqui quem nem se sonha na América do Norte, e estão muito à frente de outros locais. É também um destino muito bonito para atrair pessoas, muito apelativo. Há muitos eventos a decorrerem no norte da Europa ou na Alemanha e Holanda, mas há aqui algo mágico a acontecer. Já existem aqui produtos feitos, mas também pitchs com boas ideias.

Para si, qual é o futuro prático dos sistemas AR/VR?

Será bastante comum durante o treino de pessoas. Tenho visto ser bastante utilizado na educação e no campo médico. Será interessante ver no futuro os treinos à distância, ainda que as pessoas necessitem daquele contacto físico, por isso é que existem as soluções de realidade mista. Mas em termos de treino dos seus empregos, sistemas como o HoloLens têm sido usados na aprendizagem mais técnica, como na área da defesa e aeroespacial. Em termos de cultura é muito importante, pois sei que no ano passado tivemos palestras de especialistas que treinaram soldados prestes a irem para a batalha sobre aproximação cultural, para que estes sejam sensíveis e atenciosos às culturas. A UNESCO tem usado para mostrar os locais históricos culturais, a pobreza e as mudanças climatéricas. Estão a usar o VR como meio para contar histórias, e penso que vá ter um grande papel no jornalismo para documentar histórias.

Anne-marie Enns
Anne-marie Enns cofundou a VR/AR Association e realiza anualmente o evento global sobre a tecnologia.

O que o 5G vai introduzir nos sistemas AR/VR?

Penso que vai ser mesmo um “game changer”, ao trabalharmos com velocidades sem lag. Se tivermos a tecnologia, a velocidade e os conteúdos, teremos uma experiência perfeita. Os headsets continuam a evoluir, já chegámos à geração sem fios, e vão continuar a modificar-se para serem menos intrusivos, como os smart glasses, que são mais fáceis de usar.

Recentemente surgiu uma experiência em realidade virtual, em que uma mãe interagiu com uma versão virtual da sua filha falecida. Acha que o futuro do VR pode passar por recordações interativas?

Eu vi, e realmente incomodou-me, como mãe, penso que nada substitui o toque real, e as emoções reais. Penso que poderá funcionar para algumas pessoas como mecanismo de escape, mas julgo que traça uma linha muito ténue, e não fiquei confortável a ver essa experiência. Não considero que esta seja uma grande inovação proporcionada pelo VR. Uma cirurgia ao cérebro é uma inovação, não isto. Esta incomodou-me, a nível ético.

A indústria está à espera da palavra da Apple quanto à sua visão para sistemas AR. Considera que a Apple possa vir a democratizar a tecnologia de realidade aumentada, tal como fez no passado com o iPhone nos smartphones? O que poderá acrescentar à indústria?

Há muita coisa que a Apple pode fazer, mas sobretudo um grande design, com foco no conforto e simplicidade, e que seja interessante de utilizar, apesar de isso serem características do Steve Jobs. Ainda não compreendi a razão deles estarem a demorar tanto tempo, e sendo algo da Apple as pessoas vão certamente comprar. Por isso penso que vai trazer milhões e milhões de pessoas para esta tecnologia.

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