Conhecidas menos de mil desde a primeira identificada em 1974, as radiogaláxias gigantes podem afinal não ser assim tão raras e ter estado invisíveis à sensibilidade limite da geração anterior de radiotelescópios, segundo um artigo publicado hoje na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

O artigo, que teve a colaboração de José Afonso, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa) anuncia a descoberta de duas novas dessas galáxias numa pequena região do céu, algo que se diria impossível em objetos que se acreditava serem tão raros.

Algumas galáxias projetam jatos de matéria que partem da sua região central e se estendem muito para além da própria galáxia, através do meio intergaláctico. Em alguns casos, estes jatos, detetados em frequências rádio, ultrapassam extensões de centenas de milhares ou mesmo milhões de anos-luz - são as chamadas radiogaláxias gigantes, os maiores objetos individuais que existem no Universo.

“Parte da matéria em queda para o enorme buraco negro que encontramos no centro destas galáxias ativas acaba por ser ejetada para muito longe”, explica José Afonso.

“Mantendo-se brilhante em radiofrequências durante milhões e milhões de anos, esta emissão no rádio pode ser utilizada como um registo da atividade do núcleo ativo ao longo da história da galáxia”.

Segundo o investigador, temos estado a detetar apenas “o topo do iceberg” da população de radiogaláxias gigantes, “e uma fase tão importante na vida de uma galáxia, a fase de galáxia ativa, é provavelmente muito mais comum do que pensávamos”, acrescenta, citado na nota enviada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço às redações.

Estas duas estruturas gigantes foram descobertas graças a uma nova geração de radiotelescópios, nomeadamente do MeerKAT, uma infraestrutura de 64 antenas inaugurada em 2018 na África do Sul e um precursor do futuro radiotelescópio Square Kilometre Array (SKA).

Num rastreio do céu realizado com o MeerKAT, o rastreio MIGHTEE, um projeto começado em 2010 e que contou com José Afonso e outros investigadores do IA, foi possível identificar os ténues, mas longos jatos, incluindo os característicos lóbulos terminais onde o material proveniente do centro da galáxia é detido pelo gás que preenche o meio intergaláctico.

“Neste trabalho participámos na análise das imagens e tivemos de nos assegurar que a emissão de rádio, ao longo de toda a extensão vista na imagem, pertence de facto a uma única estrutura, ou jato”, diz José Afonso.

“Tentei também comparar com resultados anteriores para verificar se este par de radiogaláxias gigantes, numa tão pequena área do céu, é uma descoberta tão pouco usual, e sim, é!”

Os investigadores do IA estão a explorar os dados deste levantamento para descobrir galáxias muito mais distantes do que estas, de quando as primeiras galáxias surgiram no Universo. Jacinta Delhaize, investigadora na Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, e primeira autora do artigo, afirma, em comunicado de imprensa daquela universidade: “Esperamos revelar mais destas galáxias gigantes no rastreio MIGHTEE à medida que este progride. Também esperamos encontrar muitas mais com o futuro telescópio Square Kilometre Array”. 

Para José Afonso, o estudo das galáxias em rádio frequências vai assistir a uma revolução nos próximos anos. Em 2019, investigadores do IA mostraram como será possível telescópios como o SKA revelar centenas destas primeiras galáxias gigantes na história do Universo. “Estas duas galáxias reveladas agora são exemplos muito mais próximos, mas que nos ajudarão a otimizar as técnicas que estamos a desenvolver para a deteção das primeiras galáxias-monstro. É um período muito entusiasmante para o nosso conhecimento das galáxias no Cosmos”, afirma José Afonso.

As duas estruturas recém-descobertas são excelentes alvos para conhecer a história e as transformações por que passaram galáxias deste tipo, e até para perceber como é que o centro da própria Via Láctea poderá eventualmente vir a atravessar fases de muito maior atividade.

Situadas respetivamente a 2,1 e 3,8 mil milhões de anos-luz, aquelas duas galáxias têm dimensões da ordem dos sete milhões de anos-luz, o que é mais de 60 vezes o tamanho da nossa galáxia. O estudo reforça a hipótese de que, se forem mais comuns, são de facto radiogaláxias antigas, cujos jatos puderam crescer durante centenas de milhões de anos.