Quando se pensa em comida espacial é fácil imaginar pacotes de puré ou barras energéticas seladas a vácuo, mas a realidade no futuro pode ser bem mais curiosa. A Agência Espacial Europeia (ESA) está a explorar duas soluções inovadoras e sustentáveis para alimentar astronautas em missões de longa duração: insetos e proteína produzida a partir do ar e até da urina.

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Muito antes de os humanos chegarem a órbita, os insetos já tinham feito a viagem. A primeira mosca-da-fruta foi lançada ao espaço em 1947 para estudar os efeitos da radiação - e sobreviveu. Desde então, espécies como abelhas, formigas e grilos participaram em várias experiências espaciais. Agora, a ESA quer passar a outro nível: transformá-las em fonte de alimento para os astronautas.

Ricos em proteínas completas, gorduras saudáveis, ferro, zinco e vitaminas do complexo B, os insetos são considerados uma das opções mais promissoras para garantir alimentação em missões longas, como uma futura viagem a Marte. Além disso, exigem poucos recursos para serem criados, produzem pouca poluição e ocupam pouco espaço, qualidades ideais para uma nave ou estação espacial.

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Um estudo publicado na revista Frontiers in Physiology, liderado pela professora Åsa Berggren, da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas, mostrou que muitas espécies conseguem completar o ciclo de vida e reproduzir-se em microgravidade sem grandes problemas.

“Os insetos lidam bem com o ambiente espacial e têm uma incrível capacidade de resistir a stress físico”, explica Åsa Berggren. Além disso, transformam materiais que os humanos não conseguem comer em proteína de alta qualidade, um ponto-chave quando os recursos são limitados.

E não é preciso torcer o nariz: cerca de 2.000 milhões de pessoas já comem insetos todos os dias. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), existem mais de 2.000 espécies consumidas globalmente. Grilos, larvas de farinha e formigas são algumas das mais apreciadas, e agora podem também vir a ser as primeiras “refeições espaciais” naturais.

Apesar de décadas de experiências, os cientistas ainda sabem pouco sobre o impacto da microgravidade na biologia dos insetos. A maioria dos testes durou pouco tempo e não permitiu estudar o ciclo completo de vida de um inseto em órbita. A ESA quer agora mudar isso, criando experiências mais longas e controladas a bordo da Estação Espacial Internacional.

O objetivo é testar espécies com potencial para se reproduzir e gerar várias gerações em órbita, garantindo uma fonte contínua de alimento. Para além dos aspetos biológicos, os investigadores também pretendem avaliar se os insetos mantêm o seu valor nutricional no espaço e, claro, se continuam saborosos.

Aliás, alguns astronautas já provaram o futuro: em 2022, Samantha Cristoforetti levou consigo uma barra de cereais com farinha de grilo. O sabor? “Lembra frutos secos com um toque fumado”, descrevem os especialistas. Caso para dizer um pequeno passo para o lanche de um astronauta, mas um grande salto para a gastronomia interplanetária.

Comida feita do ar (e de urina) no menu espacial

Os planos da ESA não se ficam pelos insetos. Outro projeto ambicioso, chamado HOBI-WAN - Hydrogen Oxidizing Bacteria In Weightlessness As a source of Nutrition, quer literalmente produzir “comida do nada”.

A iniciativa faz parte do programa de exploração Terrae Novae e está a ser desenvolvida em parceria com a empresa finlandesa Solar Foods, criadora de uma proteína em pó chamada Solein. Esta proteína é fabricada a partir de microrganismos que se alimentam de ar, hidrogénio e eletricidade, através de um processo chamado fermentação gasosa.

Em condições terrestres, o processo usa amoníaco como fonte de nitrogénio. No espaço, a ideia é usar ureia - um composto orgânico encontrado na urina humana. Ou seja, os astronautas poderiam, em teoria, transformar parte do seu próprio “desperdício” em proteína.

Segundo a ESA, esta abordagem poderia revolucionar a forma como produzimos comida no Espaço, que tem conhecido algumas tentativas com legumes. Atualmente, todos os alimentos da ISS são enviados da Terra, uma solução cara e insustentável para futuras missões a Marte.

“O objetivo é melhorar a autonomia e a resiliência das missões humanas, permitindo sobreviver com recursos muito limitados”, explica Angelique Van Ombergen, da ESA.

O projeto HOBI-WAN vai testar, nos próximos meses, se os microrganismos que produzem Solein conseguem crescer em microgravidade. O desafio é enorme: em ausência de gravidade, gases e líquidos comportam-se de forma diferente, o que pode afetar o transporte de nutrientes. Se funcionar, será a primeira vez na história que se produz comida “do ar” no espaço.

As duas linhas de investigação da ESA - insetos e proteína microbiana - partilham um mesmo objetivo: criar fontes de alimento sustentáveis, leves e recicláveis que permitam aos humanos viver no espaço durante longos períodos sem depender da Terra.

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